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O Cientista Esperança

Brilhante, teimoso e excêntrico, Steven Chu, secretário de Energia dos Estados Unidos, tem em mãos a ingrata missão de combater o aquecimento global

Por Jeff Goodell Publicado em 22/02/2010, às 10h00

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Steven Chu, secretário da Energia dos Estados Unidos, em seu escritório, em Washington D.C. - JEFF HUTCHENS/CONTOURPHOTOS/GETTY IMAGES
Steven Chu, secretário da Energia dos Estados Unidos, em seu escritório, em Washington D.C. - JEFF HUTCHENS/CONTOURPHOTOS/GETTY IMAGES

Quando Steven Chu, o secretário de energia dos Estados Unidos foi confirmado no cargo, em janeiro de 2009, o que se dizia é que se tratava de um cientista genial que não sabia nada de política. Chu foi o primeiro integrante da equipe de qualquer presidente norte americano a ter ganhado o Prêmio Nobel. Mas caso ele demonstre ser menos conhecedor da física que envolve os meandros da política do que é no que diz respeito às mecânicas quânticas, neste exato momento da história, o planeta inteiro estará com sérios problemas. Chu não é apenas um dos mais confiáveis conselheiros do presidente Barack Obama no que tange ao aquecimento global - de longe o assunto que mais preocupa a civilização humana - mas também o responsável por conseguir US$ 38 bilhões extraídos do fundo de incentivo de Obama e pela criação de uma nova economia baseada em energia verde. Nos primeiros dias após a confirmação, Chu cometeu algumas gafes típicas de iniciante. Aparentemente, ignorou as preocupações com as escassas reservas de óleo, afirmando que fazer lobby pela OPEC não faz parte de seu trabalho, e provocou a ira chinesa ao sugerir que os Estados Unidos podem aumentar as tarifas sobre itens produzidos no país caso eles não dêem suporte ao plano internacional que visa diminuir a poluição que provoca o aquecimento global. "Steve é um cientista, por isso é bom com fatos e números", diz Bill Foster, deputado democrata pelo estado de Illinois. "Mas ainda está aprendendo a lógica emocional de Washington."

Na vocabulário da capital norte-americana, "lógica emocional" é um sinônimo para "fazer concessões". Mas será que Chu não decidiu simplesmente fazer política seguindo regras completamente diferentes? Será que, por ter um Nobel, ele se importe mais com a verdade do que com se render às exigências da política? Logo após aceitar o cargo, Chu foi direto ao falar a respeito do ameaçador impacto de uma mudança climática. "Acho que o povo norte-americano ainda não se deu conta do que pode acontecer," diz ele. "Estamos falando de um cenário no qual não haverá mais agricultura na Califórnia. Não sei como eles conseguem continuar tocando as cidades do mesmo jeito." Em abril, durante o Encontro das Américas, o secretário falou francamente sobre a ameaça encarada pelos países caribenhos, incluindo furacões cada vez mais fortes e uma "elevação muito, muito assustadora" no nível do mar.

De fato, Chu representa algo inteiramente novo no mundo da política dos Estados Unidos: o cientista enquanto empreendedor. Cria da região do Vale do Silício, onde passou boa parte da carreira, Chu professa sua fé quase absoluta na união da ciência e dos negócios para a resolução do aquecimento global. Ele vislumbra um mundo movido quase inteiramente pelo Sol, com células fotovoltaicas pintadas na superfície dos edifícios, desertos cobertos com painéis solares e linhas transmissoras supercondutoras atravessando o país. Carros seriam movidos por baterias inteligentes e bicombustíveis otimizados geneticamente. Pode até ser que haja algumas usinas nucleares de nova geração, bem como campos de turbinas de vento, mas se há algo que você não verá no mundo perfeito de Chu é óleo, gás ou carvão. Ele é um ferrenho cruzado na luta pelo futuro renovável, um homem cuja convicção mais básica sobre energia é a de que a era dos combustíveis fósseis está no fim. Em maio, durante uma visita ao MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), Chu é recebido como um rockstar - estudantes fazem fila por horas para conseguir um bom assento e professores se acotovelam para vê-lo. Não que Chu tenha uma presença tão imponente - aos 61 anos, vestido em um clima austero terno e gravata, ele projeta o ar de um gênio juvenil ligeiramente encabulado. Mas, para a plateia do MIT, Chu representa a esperança de que o desdém pela ciência presente na era de George W. Bush tenha finalmente terminado.

E Chu não decepciona. No auditório lotado - todas as cadeiras ocupadas, o público transbordando para uma sala adjacente equipada com monitores - ele disserta sem firulas sobre o perigo imediato representado pelo aquecimento global e sobre o futuro da energia renovável. Na recepção, depois da palestra, Chu é questionado sobre suas visões a respeito da geoengenharia, especialmente a controversa idéia de pulverizar partículas na estratosfera para desviar a luz solar e esfriar o planeta. "Isto é algo em que devíamos pensar como um plano B," reflete um homem na plateia, "no caso do planeta começar a esquentar mais rápido do que imaginávamos?"

Se Chu fosse um político convencional, taxaria a geoengenharia como uma fantasia digna de ficção científica e mudaria de assunto. A ideia toda, além de ser o terror dos ambientalistas, também sugere que não vamos conseguir diminuir a poluição de maneira rápida o suficiente para evitar um desastre. Trata-se de um tópico particularmente delicado, no momento em que o Congresso norte-americano debate uma legislação climática que determina níveis específicos para a emissão de carbono. Hoje, a quantidade de CO2 na atmosfera corresponde a cerca de 385 partes por milhão. A maior parte dos cientistas que estudam o clima acredita que o limite para uma mudança climática irreversível é de 450 partes por milhão. Se passarmos muito disso, corremos o risco de derreter as calotas polares, transformar os oceanos em banhos ácidos e provocar períodos de seca extrema.

Chu certamente tem consciência de tudo isso. Mas, em vez de evitar a questão, ele a eleva um degrau. "A verdade é que não vamos parar nos 450 ppm", diz ele. "Vamos passar dos 450 ppm. E o que faremos? Não sou a favor do uso da geoengenharia. Mas, se você pensar bem, é algo ok." Por um instante, a sala silencia. O fato é que o Secretário da Energia do governo dos Estados Unidos acaba de dizer a um grupo que faz parte da elite de cientistas e políticos, que não importa o que aconteça com a legislação climática no governo, não importa o que a China faça ou deixe de fazer, não importa quais metas serão traçadas nas negociações sobre o clima em Copenhague: nosso futuro enquanto espécie é bastante sinistro. Chu declarou algo politicamente impensável: que os esforços de sua própria administração para interromper o aquecimento global podem não ser suficientes para impedir a catástrofe. John Holdren, conselheiro científi co chefe de Obama, não seria tão franco. Nem o próprio Obama.

Mais tarde, enquanto Chu está a caminho do aeroporto de Boston, pergunto novamente: Você acredita que já estamos próximos de caminho sem volta? Ele sequer pisca. Na verdade, sugere que pode ser ainda pior. "Acredito que chegaremos a 550 ppm," diz ele. "Quem sabe?

E agora eu pergunto a você: este é um homem que não entende a "lógica emocional" da política? Ou é um corajoso cientista que não tem medo da verdade?

O quartel-general do departamento de Energia (DE) norte-americano está localizado nos arredores do National Mall, em Washington D.C., em um gigantesco bunker de concreto. A recepção é um templo à energia nuclear, com assustadoras e espetaculares imagens de nuvens em formato de cogumelo e dos orgulhosos homens que construíram essas bombas. Policiais trajados em macacões azuis patrulham o lugar, alguns deles conduzindo pastores alemães. A cada vez que as portas de aço dos elevadores se abrem, você espera que o Dr. Strangelove do filme de Stanley Kubrick saia de dentro.

Restrito, burocrático e inadministrável são boas definições para o local. O departamento surgiu a partir da velha Comissão de Energia Atômica, fundada em 1946, em grande parte para administrar as armas nucleares armazenadas em Los Alamos, Novo México. Hoje, o DE é um império digno de um livro de FranzKafka com 17 laboratórios nacionais, 14 mil empregados federais e 93 mil trabalhadores contratados espalhados pelos Estados Unidos. Sua função principal não é a pesquisa de energia, como seu nome pode sugerir, e sim manter o estoque nuclear norte-americano e limpar a sujeira tóxica deixada pela fabricação de armas nucleares. Do orçamento de US$ 26 milhões do DE, cerca de dois terços vão para o cuidado e limpeza de usinas nucleares. Ainda pior, o departamento permanece imerso no mesmo pensamento da época da Guerra Fria. Os laboratórios nacionais, onde muito do trabalho do DE é realizado, operam como feudos inchados de empregados com prioridades de pesquisa antiquadas. Dada a influência de seus defensores no Congresso, renovar a missão dos laboratórios será, na melhor das hipóteses, um processo longo e lento.

O escritório de Steven Chu é no último andar, suas largas janelas proporcionando uma panorâmica visão do Capitólio. Mas, apesar da proximidade do poder, o trabalho como secretário da Energia não é, historicamente, uma posição de muita influência em Washington. "A Secretaria de Energia não é como a Secretaria do Tesouro", diz Joe Romm, ex-secretário assistente de Energia. "O DE não tem autoridade sobre partes enormes do domínio da energia americana - como o transporte, que representa 30% do nosso consumo de energia." Também não é um trabalho que exija muita experiência. "No passado", diz um ex membro principal da equipe científica do Congresso, "a única qualificação necessária para ser secretário da Energia era não saber nada sobre energia". A primeira escolha de George W. Bush para o cargo,Spencer Abraham, ganhou o posto como prêmio de consolação depois de perder uma vaga no Senado em Michigan. Seu sucessor, Samuel Bodman, ao menos tinha graduação em engenharia pelo MIT.

Não é o caso de Chu. Antes de assumir o DE, ele era diretor do Lawrence Berkeley National Laboratory, onde deu às operações um grande foco na energia - tudo, dos fotovoltaicos avançados à nova geração de biocombustíveis. Como resultado, Chu chegou a Washington não só com um profundo conhecimento de como o DE operava, mas também das vantagens e desvantagens de uma grande gama de emergentes tecnologias energéticas. O secretário é, na verdade, uma criatura quase totalmente criada no Vale do Silício. Passou a maior parte de sua vida na região de São Francisco, nas universidades de Berkeley e Stanford, e absorveu as nuances culturais do lugar. A primeira vez que o encontrei, em uma conferência sobre tecnologia limpa em 2007, ele parecia totalmente à vontade entre os investidores de risco, papeando sobre as aplicações comerciais de diversas tecnologias em desenvolvimento no laboratório de Berkeley. Chu odeia usar terno e gravata, não tem carro, anda de bicicleta sempre que pode e ama falar sobre de onde as ideias vêm e o que inspira a inovação. Carrega um BlackBerry em um bolso (para negócios do DE) e um iPhone no outro (para assuntos pessoais). Sua bicicleta - "minha única extravagância," como ele diz - é uma Colnago com quadro em fibra de carbono, no valor de US$ 5 mil.

Chu é também, conta o conselheiro científico John Holdren, "um homem muito impaciente". Como muita gente que vem do Vale do Silício, seus modos informais disfarçam um grande ego. "Ele acha que sabe tudo sobre tudo", diz um cientista que trabalhou próximo a ele no laboratório de Berkeley. "E ele espera que tudo aconteça no ritmo dele." Matt Rogers, conselheiro sênior no DE, recém contratado, se lembra de uma reunião com os burocratas do departamento, que tentaram explicar a Chu por que estava levando anos para se obter as garantias para os empréstimos destinados à pesquisa de energia renovável. A reação do secretário? "Depois daquela reunião, a sala precisou ser reformada", diz Rogers, brincando, mas nem tanto.

Mas o que mais separa Chu dos secretários anteriores é o dinheiro. Em fevereiro, quando o Congresso norte-americano aprovou US$ 787 bilhões em gastos de incentivo, separou US$ 38 bilhões para o DE, a maior parte gasta criando empregos em projetos relacionados à energia. Além disso, o departamento tem autorização para garantir US$ 140 bilhões em empréstimos para auxiliar companhias de energia limpa a construir fábricas e viabilizar projetos grandes. Com o mercado de crédito congelado graças à crise dos bancos, o DE é praticamente a única fonte estável de dinheiro para a energia limpa, concentrando assim uma quantidade enorme de poder na decisão de quem é bem-sucedido ou não nesse mercado. Não há dúvidas, dada a ameaça do aquecimento global, que Chu sente certa urgência em sua missão com a energia. "Precisamos começar a fazer as mudanças agora", diz ele. "Não sabemos quanto tempo temos." Mas o dilema que ele enfrenta é óbvio: como iniciar uma revolução energética de dentro de uma burocracia datada e corrupta herdada da Guerra Fria como a do DE? "O maior desafio de Steve é descobrir um modo de ser tão progressivo e rápido quanto gostaria", diz Holdren. "O DE é uma agência enorme e morosa. Steve vai ter sua cota de frustrações."

Chu foi criado em Garden City, subúrbio de Long Island, ilha do estado de Nova York. Seus pais vieram de bem educadas famílias chinesas e ambos frequentaram a Universidade Tsinghua em Pequim, algo como o "MIT chinês". Depois que os japoneses invadiram o país no fim dos anos 30, eles fugiram: o pai de Chu escapou com facilidade, chegando a Massachusetts em 1943. Sua mãe, impossibilitada de partir até um ano mais tarde, pegou uma complexa e perigosa rota através da Índia para evitar submarinos e navios de guerra. Ambos foram estudar no MIT - ele, engenharia química; ela, economia.

A família se mudou para Garden City quando Chu tinha 3 anos, em parte porque era mais fácil ir dali até o Instituto Politécnico do Brooklyn, onde seu pai passou a lecionar. Os Chu eram uma das três famílias chinesas da cidade. Steven - filho do meio entre três garotos - se divertia com kits de construção, aeromodelos e foguetes. Também gostava de esportes, em particular tênis e stickball (uma espécie de beisebol de rua improvisado). Mas a escola vinha sempre em primeiro lugar. "A educação era de importância vital na família," relembra o irmão mais jovem de Chu, Morgan, hoje um advogado em Los Angeles. O irmão mais velho, Gilbert, era um estudante estelar, se destacando a cada prova e fazendo de Steven, um estudante regular mas nada espetacular, se sentir como "a ovelha negra acadêmica" da família.

Ao contrário de Gilbert, que foi direto para Princeton, Chu foi recusado pelas escolas mais importantes e acabou na Universidade de Rochester. Estudou matemática e física, no intuito de se formar físico, mas seu pai insistiu que estudasse algo mais prático. "Meu pai queria que eu fosse arquiteto," diz Chu. "Ele sabia que eu desenhava muito bem, e achava que seria um ramo menos competitivo." Chu continuou na física e foi aceito em um programa de pós-graduação na UC Berkeley.

Chegou lá em 1970, exatamente quando Berkeley explodia em protestos contra a Guerra do Vietnã. Ele simpatizou com o movimento, mas concentrou se em ciência, não na política. Eugene Commins, um professor de física, ficou imediatamente espantado com o talento de Chu. "Ele era muito ativo, cheio de energia e imaginação", relembra Commins, que guiou Chu durante sua transição da física teórica para a experimental. Chu começou experimentando com lasers, um campo em destaque na época. Lá, conheceu outra estudante, chamada Lisa Thielbar. "Ele aparecia às 2 da manhã no meu apartamento, com um garrafão aberto de vinho", relembra ela. "Ele dizia: 'Acabei de terminar meus testes - quer conversar?'" Chu e Lisa se casaram poucos anos mais tarde e tiveram dois filhos.

Depois de terminar seu Ph.D., Chu foi atraído para o Bell Labs em Nova Jersey, cujos laboratórios fervilhavam de inovação - o transistor, o laser e o sistema operacional Unix nasceram lá. Chu se destacou não só por seu cérebro, mas pela sua ética de trabalho. "Steven trabalhava a qualquer hora", conta Jeffrey Bokor, físico cujo laboratório era vizinho do de Chu. "Ele estava lá de noite, aos fi ns de semana. Era impossível acompanhar o ritmo." Em 1985, Chu desenvolveu uma técnica chamada "melado óptico", que usa lasers para desacelerar os átomos até quase imobilizá-los, semelhante ao que acontece com uma bola de gude rolando no melado. Foi um grande avanço dentro da física quântica, abrindo caminho para a descoberta de um estado da matéria inteiramente novo, conhecido como condensado de Bose-Einstein. Pela base nesse trabalho, Chu dividiu o Prêmio Nobel com dois outros físicos em 1997.

Alguns cientistas consideram o prêmio Nobel uma bobagem. Não Chu. Ele sonhava com isso desde os anos 70. "Steven se tornou muito sério e determinado nos cinco anos anteriores ao prêmio", recorda-se Bokor. Naquela época, Chu tinha voltado a morar na região de São Francisco e lecionava em Stanford. Também havia deixado a mulher. "Eu ia vê-lo, mas ele trabalhava tanto que mal conseguia conversar", diz Bokor. Só depois que ganhou o Prêmio Nobel "a escuridão se foi e o velho Steve voltou".

Poucos anos mais tarde, Chu entrou para o conselho da Hewlett Foundation, que ministrava palestras sobre os perigos das mudanças climáticas. Chu prestou atenção especial. "Não houve um momento exato em que disse 'eureka'", conta. "Eu estava vagando pela física de polímeros e biologia, seguindo meu instinto científico. Comecei a ler sobre descobertas que me convenceram da culpa dos humanos pelas mudanças significativas no clima, e quais conseqüências reais poderiam surgir disso."

Em 2004, Chu foi recrutado para dirigir o Lawrence Berkeley. Embora o laboratório tenha uma forte tradição na pesquisa de energia, especialmente em meios de potencializar sua eficiência, Chu colocou seus cientistas em uma cruzada pela busca de fontes de energia alternativas. "Ele era nosso messias da energia," diz Robert Birgeneau, chanceler da universidade. Chu também orquestrou um controverso acordo em que a BP, gigante britânica do ramo do petróleo, concordou em investir US$ 500 milhões em uma parceria para a criação do Energy Biosciences Institute, um centro de energia renovável no campus de Berkeley, que teria como foco inovações biológicas - como plantações alteradas via engenharia genética para a criação de biocombustíveis avançados. Quando chegou a hora de Obama escolher seu novo secretário de Energia, Chu era a escolha óbvia. Em novembro de 2008, ele voou para Chicago para conhecer o futuro presidente eleito. "Nos conversamos sobre a importância da energia para o futuro da América", Chu se lembra. "Eu me convenci de que o tema está no topo de suas prioridades." Ainda assim, ele não tinha certeza absoluta de que serviria para o cargo, mesmo após ter aceitado o convite. Semanas depois, em uma festa em Berkeley, Chu se encontrou com seu antigo professor, Eugene Commins. "Chu percebeu que grande parte do trabalho seria administrar armas nucleares, que é algo sobre o qual ele não entende muito", Commins conta. " Mas sua preocupação principal era criar um novo procedimento no país em relação à energia. Steven percebeu que não tinha a ver apenas com ciência e tecnologia, que são suas especialidades, mas também com política. Após ele ter decidido aceitar o trabalho, começou a se sentir pressionado." Chu hoje diz que a experiência de ir para Washington foi como "ter sido jogado no fundo de um poço". Ele fez visitas de cortesia a diversas figuras importantes do Congresso. "Steve foi me encontrar em meu escritório", conta o Senador Dick Durbun. "Eu perguntei a ele: 'Você está pronto para o trabalho?' Ele respondeu: 'Exceto pela parte política e a burocracia, eu estou pronto'."

Se existe uma sombra capaz de ofuscar a visão de Chu para o futuro da energia nos Estados Unidos é sua excessiva fé na tecnologia enquanto solução para todos os problemas. Não que ele saia por aí inadvertidamente promovendo os milagres dos biocombustíveis feitos a partir do sistema digestivo de cupins geneticamente alterados. Ao contrário de muitos tecno-fantasistas, Chu é um ardoroso defensor da importância das soluções "brandas", como a eficiência energética. Ele acredita que a energia alternativa não tem chances contra os combustíveis fósseis, que são fortemente subsidiados pelo governo, a menos que sejam implantados limites significativos para a emissão de CO2 e sejam financiadas pesquisas maciças em alternativas renováveis. Mas a visão de mundo de Chu inclui poucas referências às distorções de mercado e bobagens regulatórias que tornam lenta a comercialização da tecnologia renovável que já temos disponível. Ele raramente menciona as inconveniências com que teremos que lidar no dia-a-dia para mudar nossos hábitos e controlar a ameaça do aquecimento global: dirigir menos, cultivar comida mais próxima de casa, baixar a expectativa de quanto dos recursos naturais da Terra temos o direito de consumir. "Steve nunca fala sobre nada disso," conta Tad Patzek, professor de engenharia na Universidade do Texas que deixou Berkeley em parte por discordar do entusiasmo de Chu pelos biocombustíveis. "Steve gosta de soluções sexy e altamente tecnológicas. Se não tiver a palavra 'nano' envolvida, ele não se interessa."

Chu também corre o risco de cair na armadilha do desejo norte-americano por uma solução rápida para um problema complexo. Programas como o Arpae, que mira na ideia de descobertas espalhafatosas, são válidas, mas os especialistas em energia dizem que será preciso um comprometimento muito maior do governo para refazer a infra estrutura do setor de energia do país. "A melhor coisa que Steve poderia fazer é olhar o Vale do Silício e ver como eles lidaram com isso", diz Dan Arzivu, diretor do Laboratório de Energias Renováveis do DE. Ele aponta o Sematech, uma aliança de fábricas de alta tecnologia que o governo norte-americano auxiliou nos anos 80 para promover a colaboração em pesquisas e determinar os parâmetros da nova tecnologia. "Não há uma solução simples para tudo isso", diz Arzivu. "Mudar para a energia renovável vai levar décadas de esforço e exigiria o investimento de trilhões de dólares."

Não vai ser fácil para Chu dar início à revolução energética enquanto cumpre o objetivo primário do DE: ficar de olho no estoque nuclear dos Estados Unidos. Mas mesmo que ele mantenha as usinas bem guardadas, o maior desafio de Chu deve ser lidar com a tirania da alta expectativa. Afinal, ele entende da ciência do clima melhor do que ninguém. Sabe todos os detalhes da tecnologia de energia. Tem uma linha direta com Obama (pelo menos em teoria. Durante o auge da crise bancária, em março passado, um cientista de um dos laboratórios nacionais perguntou a Chu: "Você fala com o presidente?" Ao que Chu respondeu com chocante franqueza: "Não tanto quanto eu gostaria, porque ele anda distraído"). Tem quase US$ 40 bilhões à sua disposição para ajudar a tocar as coisas. E, mais que isso, tem o Nobel, que lhe dá enorme credibilidade. Se esse homem não consegue resolver os problemas dos Estados Unidos - ou pelo menos amenizá-los -, então quem conseguirá?

Neste verão, enquanto as discussões sobre a legislação climática esquentam, será testada a liderança política de Chu, bem como seu comprometimento com a causa da diminuição do aquecimento global. Mas se é verdade que é possível dizer muito sobre alguém a partir da observação de como essa pessoa trata estranhos, então o encontro que Chu teve recentemente em um aeroporto é uma boa amostra. Ele estava andando pelo terminal, acompanhado por uma comitiva de jovens de sua equipe, quando Wendy Abrams, fundadora da Cool Globes, uma exibição de arte itinerante criada para chamar a atenção para o aquecimento global, resolveu abordá-lo. Ela estava bem vestida, carregava uma grande bolsa estampada com rostos de crianças. Sorriu, se apresentou e agradeceu por seu trabalho. "Sou uma ativista ambiental", ela disse.

Chu hesitou por um instante - claramente não conhecia aquela mulher -, mas sorriu de volta, apertou a mão dela e disse: "Eu também sou".