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Rockstar das Emoções

Como vive o ex-surfista que se tornou o guru espiritual dos adolescentes deprimidos dos Estados Unidos

Por Allison Glock Publicado em 17/03/2010, às 14h38

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FOTO DE PETER YANG
FOTO DE PETER YANG

Só passa um pouco do meio-dia em Atlanta, onde o festival Warped Tour está a todo vapor. Jamie Tworkowski já abraçou 79 pessoas, posou para 56 fotos, deu 42 autógrafos, enxugou as lágrimas de 13 meninas (e de dois meninos adolescentes) e ouviu as palavras "Você salvou a minha vida" pelo menos uma dúzia de vezes. Ele viu frases de sua autoria tatuadas em peitos e pernas, segurou a mão de uma mulher enquanto ela chorava pelo filho morto e compartilhou sua raspadinha de cereja com um desconhecido que afirma querer ser igualzinho a ele. Tworkowski, um surfista de 29 anos que largou a faculdade, transformou-se em uma espécie de guru para toda uma geração de adolescentes perturbados, como mentor de um movimento acidental - isso se você acreditar em acidentes, o que não é o caso de Jamie.

A mensagem de salvador dele não tem assim nada de novo - toca na sensibilidade, traz um toque de cristianismo, vem misturada com empatia poderosíssima -, mas a maneira como é transmitida é radicalmente diferente da ideia melosa de sentir a dor do outro, tão comum com os adeptos da autoajuda. Ele é tão sincero que chega a desarmar, tem aquela beleza típica de surfista e tão genuíno que consegue transformar o anarquista mais preconceituoso e incrédulo em um suplicante chorão.

A organização que ele fundou há três anos, To Write Love on Her Arms (TWLOHA - "para escrever amor nos braços dela") já se gaba de ter a maior audiência entre as ONGs presentes no MySpace, com uma enxurrada de mais de 100 mil mensagens - muitas delas, cartas de suicidas - de garotos e garotas em mais de 100 países. Se você é uma pessoa solitária com pensamentos violentos ou uma menina gótica que gosta de passar uma gilete pelo braço, é bem provável que os terapeutas e conselheiros que já conversaram com você pareçam só falar besteira. Tworkowski é a única pessoa que vai conseguir dizer alguma coisa que vai fazer diferença - usando o Twitter ou o Facebook ou em um show de rock, ou, se você tiver sorte, com um gesto mais antiquado: um abraço.

"Minha ideia nunca foi abrir uma instituição de caridade", Jamie diz, enquanto bebe água em um intervalo nos autógrafos na tenda da TWLOHA no Warped Tour. "Nem dar início a um movimento. Mas todos nós nos identificamos com a dor. Em um nível simples, o que dizemos é o seguinte: 'Isto faz parte do fato de sermos humanos'."

Quando sobe ao palco, ele parece humilde, tímido, quase retraído. Veste jeans ou short e camisetas de bandas. A cadência dele se parece com a da poesia falada: entrecortada, abafada, hipnótica. Ele é absurdamente bonito - 1,90 metro, olhos pequenos e fundos, lábios carnudos e um ar de androginia nada ameaçador. Na tenda, um fluxo contínuo de meninas e um punhado de meninos fazem fila, à espera de sua vez de desfrutar da companhia de Jamie. Eles saltitam e se agitam, soltam gritinhos de ansiedade. Uma menina de biquíni se inclina para a frente com o peito arrebitado. "Você dá autógrafo em seios?", ela pergunta a ele.

Jamie não se deixa levar por tanta atenção. "Na verdade, o negócio não é comigo", ele diz, enquanto assina o braço da menina. "A garotada só me associa a uma coisa que tem alguma importância para eles. Se você pensar no que está em jogo, é compreensível o fato de as pessoas reagirem como reagem. Parte do que fazemos é acreditar que a nossa história pode ter um final mais feliz."

Mas algumas pessoas do entorno de Jamie Tworkowski se preocupam por ele. O que acontece ao Bom Samaritano quando passa a ser visto como Salvador? Quanto uma pessoa pode dar de si mesma antes que já não sobre mais nada para dar? E o que uma pessoa que trabalha para servir às outras pode fazer para não se transformar em um narcisista? "Jamie se tornou maior do que a vida", lamenta o pai, Joe, designer de sistemas de energia solar e colega de surfe do filho. "As pessoas parecem achar que ele tem a resposta. Sabe como é... a grande resposta!"

Atwloha começou em 2006, quando Jamie era um garoto que surfava e adorava música, que andava com roqueiros que conhecia por meio de seu trabalho de representante de vendas de uma marca de roupas de surfe. Ele saía quase toda noite para assistir a shows e ia à praia quase toda manhã para pegar onda. Um dia, um amigo perguntou se ele se importaria de pegar o carro e ir com ele ajudar uma adolescente viciada em drogas chamada Renee Yohe, que estava ameaçando se matar. "Eu nunca tinha estado em uma situação assim", Jamie conta. "Nunca tinha tentado ajudar uma pessoa viciada, uma pessoa que se automutilava."

Foi uma ação bem estranha para um rato de praia que cresceu correndo atrás de ondas, não de viciados. "Aquele encontro transformou a minha vida", ele diz. "Fez com que eu ficasse cara a cara com a realidade do sofrimento e me fez pensar se eu seria capaz de fazer algo a respeito daquilo." De repente, vender bermudas e tomar café com o pessoal cool já não parecia assim tão bacana.

Alguns dias depois, Jamie escreveu no MySpace a respeito da maneira como Renee se cortava, como ela escrevia "fuck up" [foda-se] no braço com uma gilete. Segundo ele, queria encontrar uma maneira de "escrever amor nos braços dela". "Pegar uma menina destruída, tratá-la como se fosse uma princesa", ele escreveu. "Comprar café e cigarro para as crises de abstinência, livros e produtos de higiene para os dias que estão por vir. Dizer a ela alguma verdade, já que ela só conhece mentiras. Dizer a ela que Deus a ama. Falar de perdão, da possibilidade de liberdade, dizer que ela foi feita para dançar de vestido branco. Todas essas coisas são verdade." Ele publicou o texto - e então, em uma iniciativa de arrecadar dinheiro para o tratamento de Renee, mandou fazer camisetas com as palavras "to write love on her arms".

"Eu tinha ido a um show do Coldplay e saí de lá inspirado", ele diz. "Tem algo especial em cantar 'Yellow' com 15 mil pessoas, e daí as bexigas caem, e a gente acredita que o mundo pode ser um lugar melhor. Pensei em fazer as camisetas pretas porque era a cor que o Coldplay estava usando. E as letras seriam brancas porque os sapatos deles eram brancos." Ele ri. "É bem profundo."

Ele conta que o que aconteceu depois foi uma "graça". As camisetas TWLOHA chegaram, e Jon Foreman, vocalista da banda Switchfoot, pediu para usar uma no palco. Naquela noite, Foreman falou sobre a camiseta no show e disse ao público que visitasse o site da TWLOHA. Quando Jamie chegou em casa, centenas haviam visitado sua página. A primeira caixa de 200 camisetas acabou em duas semanas. Tworkowski encomendou mais, e colocou um link para compras online. O dinheiro começou a entrar - US$ 2,9 milhões em vendas de produtos em 2008, muito mais do que o necessário para pagar pela desintoxicação de uma garota. Então, Tworkowski abriu a TWLOHA, na esperança de ajudar milhares de Renees, jovens do mundo que lutam contra a depressão, o vício, a automutilação e a vontade de se suicidar.

"Sou o dono de uma marca de camiseta que deseja ser muito mais do que isso", Jamie ri. "Não tenho problema com dinheiro - mas não é por isso que existimos. Existimos para comover pessoas. Como se faz para criar esperança? Se você consegue tocar alguém, a pessoa volta."

Parte da genialidade de Jamie é o fato de ele ter encontrado uma maneira de colocar esperança em casacos de moletom, combinar a necessidade que os adolescentes têm de conexão com a ânsia irrefreável de comprar.

A equipe de seis pessoas de Tworkowski, treinada em aconselhamento básico, mora junta em um sobrado em Cocoa Beach, na Flórida. A maior parte de suas operações se dá pela internet, com a resposta de mensagens online, mas os integrantes passam cada vez mais tempo na estrada, fazendo palestras em escolas e em shows de rock, chegando à garotada no lugar onde os adolescentes vivem, tentando acabar com a dor ao se aproximar o máximo possível dela.

Jamie sabe que o segredo para chegar a seu públicoalvo é a autenticidade. O culto da esperança não é capaz de sobreviver à ironia ou à hipocrisia, de modo que ele não se desvia de seu objetivo: ele foge de qualquer coisa que pareça armação - ninguém brinca em serviço ali - e fala sempre e apenas sobre o poder do amor e do perdão, e do universo da dor que todos compartilhamos.

Para Tworkowski, nenhuma das confissões das centenas de adolescentes com quem ele conversa todos os dias pode ser terrível ou distorcida demais - independentemente do que lhe dizem, sua resposta é sempre de amor suave. E ele ouve coisa pesada para valer. Histórias de abuso, meninas estupradas pelo pai, mães viciadas em drogas que dizem às filhas que deveriam ter sido abortadas, pais que encontraram os filhos enforcados dentro de armários, crianças de 11 anos que desejam morrer.

"Automutilação e depressão estão crescendo do ponto de vista estatístico", diz Tworkowski. "A garotada sempre sofreu - a diferença é que hoje essas coisas estão na mídia, e isso dá ideias aos adolescentes. Você está deprimida e lê a respeito de Angelina Jolie se automutilando e pensa: 'Quem sabe isso não funciona para mim?' A garotada está tentando entender as coisas sozinha. Está enfrentando essa dor sem ajuda de ninguém".

A ascensão de Tworkowski desagradou a certos terapeutas mais antiquados, que se apavoram com seu sucesso repentino e sua falta de experiência. Mas até mesmo alguns dos veteranos da saúde mental que já assistiram a uma palestra de Tworkowski foram envolvidos pelo charme dele - homens e mulheres de meia-idade que ficaram de joelho mole ao vê-lo batendo os cílios, jogando camisetas para a plateia como astros do rock fazem.

"Eu trabalho com prevenção ao suicídio há 25 anos", exalta-se Madelyn Gould, professora de epidemiologia clínica na Universidade de Columbia. "E isso que Jamie está fazendo é como se existisse um papo oculto que os especialistas desconhecem. É maravilhoso."

Os elogios não emocionam o guru. "Em uma conferência, alguém disse: 'Precisamos encontrar mais gente como você'", ele conta. "Uma pergunta mais interessante seria: 'Como é que acontece esta coisa da qual eu faço parte?' Nós encontramos a garotada nos lugares onde eles estavam. A ajuda convencional não faz isso."

A temperatura é de quase 40 graus no Warped Tour, mas a garota que arrasta os pés para entrar no Lakewood Amphitheatre continua usando seu casaco de moletom preto da TWLOHA. Tworkowski a avista e abaixa a janela do carro.

"Ei!", ele diz, sorrindo. "Obrigada por usar o casaco."

A menina se vira lentamente, então percebe quem é. "Ai, meu Deus, você é maravilhoso!", ela exclama.

"Como você se chama?", ele pergunta, gentil. "

Jocabeth", ela responde, agora tremendo. Ela passa os dedos pelo cabelo cor-de-rosa néon e pede um abraço. Tworkowski se inclina desajeitado para fora da janela e envolve a menina em um abraço apertado. Ela começa a chorar assim que a pele dele encosta na dela.

Mais tarde, enquanto ele espera na fila para entrar no anfiteatro, uma menina vestindo frente única e short bem curtinho pega no ombro dele. "Eu li o seu primeiro texto", ela diz. "Me fez chorar. Fez a minha mãe chorar."

Tworkowski olha nos olhos de todos os fãs. Ele pergunta o nome deles, então elogia um por um. "Seus sapatos são legais", ou "Que tatuagem da hora", ou "Gostei do seu anel no dedão".

Não importa o número de jovens que Tworkowski abraça, seus olhos nunca entregam uma centelha de impaciência que seja enquanto ele escuta, vez após outra, as histórias trágicas da adolescência. Ele nunca reclama, nunca perde a paciência nem para de prestar atenção. Ele irradia empatia, não se apressa. E a garotada sente o amor.

Uma menina chamada Amber se aproxima. "Comecei a praticar automutilação aos 11 anos", ela sussurra. "Contei para a minha mãe, e ela disse: 'Por que você simplesmente não se mata?'" Daí ela diz aquilo que Jamie já está acostumado a ouvir: que ele salvou a vida dela.

Ele a agradece e diz a ela como tudo é importante: seus sonhos, sua música preferida, sua história. "Isto é que é estar vivo", ele diz. "Você não está sozinha."

Amber escuta, a boca entreaberta, os lábios úmidos.

"Posso tirar uma foto com meu celular?", ela pergunta.

Tworkowski nem sempre foi um salvador autodidata. Primeiro, era surfista. "Ele costumava dividir ondas com Kelly Slater", lembra o amigo surfista C.J. Hobgood. Como Tworkowski coloca, "Eu era bom, mas não o bastante para ser profissional".

Quando Jamie não estava levando a vida numa boa no litoral da Flórida - cabulando aula para surfar, geralmente com o pai -, estava na igreja. "Fui criado em uma família que acreditava em céu e inferno", ele diz. "Mas não pegavam pesado na questão." A igreja que a família frequentava era uma qualquer, mas que acreditava em Jesus. A família Tworkowski rezava muito, se não em cada uma das refeições. Depois da escola, Jamie foi para a faculdade, algo que não lhe deu prazer nenhum e que ele largou no 3º ano. Logo conseguiu um emprego em vendas em uma marca chamada Quiksilver. De lá, foi para uma empresa concorrente, a Hurley, onde lhe ofereceram salário na casa das centenas de milhares de dólares por ano. Ele tinha só 22 anos.

"Consegui o emprego porque o dono gostava de mim", diz. "Havia uma fila de gente achando que eu ia falhar."

Isso não aconteceu. Vendas combinaram com Tworkowski. Ele era bom em vender sem parecer que estava vendendo. Era fácil conviver com ele, conversar com ele, olhar para ele. O trabalho o levou a um estilo de vida invejável, em que ele se divertia com músicos e atores no backstage, integrando-se sem nenhum esforço em um mundo que a maior parte das pessoas só vê na MTV. Ele estava ganhando um bom dinheiro, surfava quando podia, passava as horas de folga ao sol. Um dia, Zeke, seu amigo e colega de trabalho na Hurley, cometeu suicídio.

"Fazia algum tempo que eu me debatia em silêncio com a minha escolha de carreira", ele conta. "Daí isso aconteceu e eu sabia que precisava seguir meus instintos."

Hoje em dia, a velocidade da transição, de vendedor surfista a guru emo, começou a criar efeitos indesejados. "Sabe, pai, esta coisa toda da fama?", Jamie disse ao pai recentemente. "Achei que era o que eu desejava, mas não é." A vida de maharishi moderno está começando a pesar sobre ele. A empatia incessante é exaustiva. Servir de modelo não é nada fácil. Ele também conhece as ciladas da carreira que escolheu - como uma pessoa pode se perder rapidamente, como a adulação ininterrupta é capaz de desvirtuar as intenções, como o orgulho pode levar à ruína e a coisa pior. Jamie sabe disso e, no entanto, sente que está mudando, que sua atenção está se transformado de maneira sutil. Há meses ele deixou a Flórida e se mudou para Nova York. Ele fez isso para ir atrás de uma garota.

Tworkowski tem planos para a TWLOHA. Ele quer abrir um site de ajuda que funcione 24 horas por dia, conectando as pessoas em momentos de crise. Também pretende estabelecer 30 representações em faculdades, como filiais da matriz. "Quero que as pessoas possam nos ver ao vivo. Quero que isso seja mundial!" Ele contratou um agente para cuidar de suas palestras. Por enquanto, cobra de US$ 2 mil a US$ 5 mil por aparição.

Já em relação à mulher que ele ama, que pode ou não estar apaixonada por ele, Jamie tem paciência e um plano. Ele vai insistir, vai ser o melhor namorado, tudo que ela precisa, e, com o tempo, acredita, ela vai mudar de ideia. "Como é possível não mudar?", ele brinca.

Então, para de rir. "Nos últimos anos, precisei me conscientizar de que estava sofrendo de verdade", diz. "Eu incentivo as pessoas a não ficarem sozinhas, mas estava vivendo de maneira bastante solitária." Ele confessa que começou a fazer terapia e a tomar antidepressivos. Percebeu que seu próprio sofrimento é maior do que pensava, que aquilo que ele realmente deseja, assim como todas as pessoas, é amor. Ele diz isso com um sorriso de culpa, diz que, de certa forma, parece ser uma pequena derrota.

Ele se apavora com a revelação. "Quer dizer, o que as pessoas vão pensar? Acho que todo mundo olha para mim e pensa: 'Cara, a vida dele deve ser fantástica'. Quando eu era criança, nunca achei que a minha vida seria assim. Mas..." Jamie abaixa o olhar, expira. "Eu sou meio como quem gosta de andar de montanha-russa. Desejo que as coisas sejam épicas", ele diz, baixinho. "E a vida cotidiana não é épica.