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A Doce Vitória de Jeff Bridges

Com sua interpretação emocional de um cantor country decadente em Coração Louco, o caubói zen de Hollywood finalmente recebe o reconhecimento que merece – e não está muito preocupado com isso

Por Fred Schruers Publicado em 14/04/2010, às 15h13

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Mark Seliger
Mark Seliger

Jeff Bridges está na cozinha de sua casa de madeira no estado de Montana. Ele coloca, em um saco de papel, sanduíches feitos com fatias grossas de peru para seu almoço no estábulo transformado em estúdio, onde ele passa bastante tempo pintando quadros e tocando. Sua mulher, Susan, em tom brincalhão e simpático, oferece uma batida verde, feita de plantas, mas Bridges recusa com um resmungo abafado e prefere colocar duas latas de cerveja light no saco.

Bridges, que completou 60 anos em dezembro, ainda se parece muito com o seu personagem mais famoso, o Dude de ,O Grande Lebowski. E também tem um pouco do jeito largado do Dude. Perdeu um pouco da gordura que ganhou para interpretar Bad Blake, um astro da música country de Coração Louco, um filme que tem recebido elogios com tom de "será que alguém pode, finalmente, dar um Oscar para esse cara?" A cabeleira e a barba grisalha que Bridges exibe em Coração Louco permaneceram intactas e seus olhos azuis penetrantes são tão intensos que quase chegam a distrair.

Bridges tem essa fazenda no sul de Montana, vizinha da reserva selvagem Absaroka-Beartooth, há 30 anos. A região há está entre as preferências de caubóis intelectuais, como os escritores Thomas McGuane e Richard Brautigan. "Era uma loucura, cara", Bridges diz a respeito da época em que chegou lá, na década de 1970. "Todo mundo enfiava o pé na jaca. E eu simplesmente adoro este vale. Em uma das primeiras vezes que saí com Sue, eu estava interessado em comprar um imóvel em Montana, e eu tive a sensação de 'Ai, meu Deus, estou procurando uma casa para comprar com a minha mulher'. Foi muito forte."

Estamos em uma casa que foi construída para ser o meretrício do épico O Portal do Paraíso, de 1980, em que Bridges atuou ao lado de Kris Kristofferson e Christopher Walken. Quando as filmagens terminaram, Bridges fez com que a estrutura fosse desmanchada e transportada, tronco por tronco, por quase 500 quilômetros para o sul, até este lugar. Ele e Susan dividem o tempo entre esta fazenda e a residência principal, próxima a Santa Barbara, na Califórnia.

Bridges parece à vontade neste cenário, longe dos arredores de Hollywood, onde ele ganha a vida. Ele se transformou em uma espécie de senhor do campo - tem plantação de alfafa, mas fica longe dos esportes sangrentos que fazem tanto sucesso na região. De vez em quando, ele pesca (e sempre devolve os peixes ao rio) e anda a cavalo, mas normalmente se contenta em fazer caminhadas pelas montanhas com Susan. "Eu sou a esportista da família", ela diz. Também diz que foi a principal responsável pela disciplina das três filhas do casal - Isabelle, 28 anos, Jessie, 26 anos, e Hayley, 24 anos. "Era difícil quando elas eram pequenas. Jeff passava muito tempo longe de casa, e elas adoravam o pai. Passamos por períodos difíceis, mas também foi divertido."

Por mais desencanado que possa ser, Bridges não gostou da ideia de receber um visitante na fazenda. "Fiquei reticente", ele diz. "Afinal, o quanto a gente quer mostrar? 'Hmm, meus intestinos acabaram de funcionar, venha aqui dar uma olhada. Vamos olhar estas frutinhas, está vendo? ' Este é o meu santuário, minha mulher está aqui, é a minha família, então há uma parte de mim que deseja manter tudo isso próximo e valioso."

Sem nem chegar perto da mistura esverdeada feita pela esposa, ele prepara uma vitamina, toma um gole bem grande e dá de ombros. "Mas tem outra parte dizendo que não há por que se preocupar, porque na verdade ninguém nunca vai saber quem você é de verdade. Cara, nem você mesmo sabe quem você é, então não precisa se preocupar em se abrir demais."

Na pele do cantor de country alcoólatra Bad Blake em Coração Louco, Bridges está enrugado, inchado, peludo e às vezes é mal-humorado, mas também é encantador, magnético em cima do palco e altamente convincente. A música, que contribui em grande parte para a sensação de autenticidade do filme, foi confeccionada em sessões produzidas em conjunto por T Bone Burnett e Stephen Bruton - falecido, que foi a inspiração do projeto - em torno do lema do filme: "Quanto mais difícil é a vida, mais doce é a canção". A voz é do próprio Bridges, íntima, com os erres arrastados do fundo do peito.

"Nós tocamos juntos há 30 anos", diz Burnett, "de modo que eu já conhecia os pontos fortes de Jeff enquanto cantor, guitarrista e ator. Ele não faz nada de maneira óbvia. Eu sabia que ele não iria transformar o personagem em um clichê."

Bridges disse que Scott Cooper, roteirista e diretor de Coração Louco, disse a ele que formatasse seu personagem como quinto integrante imaginário do grupo Highwaymen, ao lado de Johnny Cash, Waylon Jennings, Willie Nelson e Kris Kristofferson, velho amigo de Bridges. "O tipo de atuação que eu admiro é aquele em que dá para ver as engrenagens girando", diz Bridges. "As pessoas na vida real não tentam demonstrar os sentimentos - eles aparecem de maneira inadvertida. Eu me lembro de ter aquela sensação nos filmes em que você pensa: 'Meu Deus, eu matei a pau naquela cena da porra'. Daí você vai olhar no jornal e vê: 'Ah, que merda, é só um fulano qualquer tendo uma catarse enlouquecida'. As emoções que você vai despertar no público não são necessariamente as mesmas que você próprio sente."

"Jeff é um ator tão detalhista que não deixava de prestar atenção em nada: na maneira como iria se movimentar, segurar uma garrafa de bebida, um copo, um cigarro, uma guitarra", diz Cooper, que estréia como diretor e roteirista em Coração Louco. "As pessoas são recompensadas por atuações exageradas em Hollywood. Ele não faz isso. Ele nunca força a emoção. Ele incorpora o naturalismo. Dá para ver que ele estava relaxado e à vontade, e concentrado em estar vivo e aberto a qualquer coisa que pudesse acontecer."

CoraçãoLouco começou como adaptação de um livro seco e engraçado de Thomas Cobb, de 1987, sendo que o personagem principal foi moldado em parte com base em Hank Thompson, grande astro do country. Foi originalmente produzido pela Country Music Television para a Vantage, divisão de longas-metragens segmentados da Paramount - que foi desativada quando o filme foi finalizado. A Fox Searchlight então pegou para si Coração Louco, supostamente por uma pechincha, e foi colocando devagar nas salas de exibição, à medida que resenhas de adoração se transformaram em um maravilhoso burburinho de boca a boca. No fechamento desta edição, o filme tinha arrecadado cerca de US$ 4 milhões e a Fox tinha planos de ampla expansão para todos os mercados dos Estados Unidos, em um total de mais de 750 salas, para coincidir com o anúncio das indicações ao Oscar no dia 5 de fevereiro.

Bridges já levou o prêmio de Melhor Ator no Globo de Ouro e de Atuação de Destaque no Screen Actors Guild (Sindicato dos Atores de Cinema e Televisão dos EUA) e recebeu sua quinta indicação ao Oscar (as outras indicações foram por A Última Sessão de Cinema, O Último Golpe, Starman - O Homem das Estrelas e A Conspiração). A atitude de Bridges em relação aos elogios é bastante zen: "Eu me lembro de ter sido indicado antes, e eles dizem: 'E o vencedor é', e quando não é você, você meio que pensa: 'Ufa, caralho, não preciso ir lá e esquecer os nomes de todo mundo'". Os olhos azuis de Bridges se arregalam e então um sorrisinho aparece. "E ninguém quer perder a fama de ser 'o ator mais não reconhecido de todos os tempos'. Eu prefiro estar na posição da zebra. Sempre. Não gosto de dizer: 'Ei, olhe só o que eu vou fazer por você'."

Bridges fica em silêncio por um instante, sentado à mesa da sala de jantar com a postura ereta de um meditador dedicado. Ele se levanta para se esticar e examina com os olhos o vale do rio que se estende através das janelas grandes do aposento. Uma variedade de vinhos tintos californianos refinados se enfileira em cima do aparador, e uma montanha de botas de neve - as filhas vieram passar os feriados com ele - está empilhada ao lado da porta. "Só estou deixando rolar", ele completa, como um homem que está trabalhando um mantra que precisa ser repetido de maneira privada com regularidade. "Não estou levando muito a sério."

Bridges e seu irmão mais velho, Beau, foram criados no ambiente hollywoodiano, treinados para atuar desde pequenos sob a tutela ávida do pai, Lloyd (uma irmã, Cindy, veio se juntar aos garotos em 1954). Uma das primeiras lembranças profissionais de Jeff como convidado ocasional em Aventuras Submarinas, série de TV que teve várias temporadas, é de "ser jogado do píer de Malibu e ter que dizer as minhas falas com a bunda congelada".

Lloyd Bridges começou como ator contratado da Columbia no início da década de 1940 e depois ganhou muitos elogios como o representante da lei de coração mole de Matar ou Morrer, de 1952. Mas sua carreira estagnou depois de ele ter sido convocado para testemunhar perante o House Un-American Activities Committee (Comitê da Câmara dos Deputados para Atividades Anti-Americanas) no início da década de 1950. "O meu pai entrou na lista negra, e passou uns três anos sem trabalhar", diz Bridges. "Foi um período terrível no nosso país." Posteriormente, o pai de Bridges reconstruiu a carreira como ator cômico (incluindo filmes como Apertem os Cintos... O Piloto Sumiu! e Top Gang - Ases Muito Loucos), mas seu trabalho mais estável foi em Aventuras Submarinas, em que estrelou como o justiceiro mergulhador Mike Nelson, de 1958 a 1961.

Um ano e meio antes de Jeff nascer, Lloyd e Dorothy Bridges tinham tido outro filho, Garrett, em junho de 1948. Ele morreu aos 2 meses, de síndrome de morte súbita infantil. "Dá para imaginar?", diz Jeff . "Chegar lá e ver o seu filho morto na cama? Não consigo imaginar nada pior do que isso. Aquilo acabou com eles. E daí o sujeito que fez o parto de todos os filhos da minha mãe, Leon Bellas, incentivou-a a ter outro. Fui eu. E o meu nome do meio é Leon, em homenagem ao médico."

"Ela costumava brincar comigo", Bridges prossegue. "Ela dizia: 'Fico surpresa por você não ser mais desequilibrado do que é. Porque no seu primeiro ano e meio de vida eu colocava você para dormir bem do lado da minha cama, e eu passava a noite inteira acordando você'."

Depois de estudar artes dramáticas e um curto período na Guarda Costeira, que coincidiu belamente com a convocação militar que levou boa parte da sua geração para o Vietnã, Bridges pegou seu primeiro papel suculento em 1971, em ,A Última Sessão de Cinema, quando ele ainda não tinha muita certeza se queria mesmo ser ator. O rapaz de 21 anos interpretou o taciturno Duane Jackson. Imaturo, ensimesmado e às vezes violento, Duane era o símbolo da inocência que ia desaparecendo de uma cidadezinha decadente do Texas. "Eu percebi de cara que Jeff era extraordinário", lembra o diretor do filme, Peter Bogdanovich. "A gente nunca o pega atuando. Jeff conseguiu mais sucesso na carreira quando interpretou papéis desagradáveis e os transformou em agradáveis - como é o caso de Coração Louco. Aquele sujeito passa mito tempo sem fazer nada certo, mas não dá para deixar de gostar dele."

Bridges vai na frente para mostrar o caminho pelas salas espaçosas da casa até o estúdio. O aposento de pé-direito alto feito de troncos que, na horizontal, batem na cintura, é simples e confortável, cheio de livros, instrumentos, equipamento de gravação e um crânio de búfalo. O estúdio é usado para jam sessions madrugada adentro, e os músicos às vezes obedecem a uma regra bem liberal: "Nada de canções". Enquanto os sanduíches são engolidos com as cervejas, Bridges coloca para tocar bem alto algumas de suas músicas preferidas em um dock de iPod, entre elas "Making Love to a Vampire with a Monkey on My Knee", do Captain Beef heart. Ele e Susan passaram 11 meses longe um do outro no ano passado; Bridges se sente mal por sua carreira interferir com a vida em família. Ao longo dos anos, Susan e as filhas o acompanharam em filmagens de Manhattan a Malta. "Nós íamos fazer uma visita e ele era um pai adorável e maravilhoso e nos recebia muito bem", diz Susan. "Daí ele podia voltar a ser o assassino, e nós íamos para casa ser uma família." Mas fica claro que Bridges se debate com as exigências de tempo de sua carreira. Hoje, segundo ele, as meninas "adoram ficar com a gente. Elas vêm para cá sempre. Acredito que elas considerem Sue como a melhor amiga delas. Vivem ligando para ela para pedir conselhos."

Bridges dá enorme valor à relação que tem com as filhas, da mesma maneira que soube dar valor à relação com os pais. "Com o meu pai, sempre tive a sensação de ele me passar o bastão, em uma corrida de revezamento. Eu mencionei essa imagem para ele antes de sua morte - todas essas coisas estão em mim e nas minhas filhas. É como se nós todos passássemos esse bastão."

A mãe de Bridges, Dorothy, morreu aos 93 anos, em fevereiro do ano passado. "Nós, os filhos, tínhamos uma relação tão próxima tanto com a nossa mãe quanto com o nosso pai que eu talvez ainda não tenha processado tudo isso completamente", ele diz. "Espalhamos as cinzas dela no Dia de Ação de Graças do ano passado no mesmo lugar em que espalhamos as do nosso pai, na ponta da nossa casa de praia. E isso meio que colocou as coisas todas no lugar. Nós tivemos nosso momento Lebowski, quando as cinzas vieram para cima de nós, mas foi meio como se estivéssemos colocando os dois em nós - foi tipo como se nós estivéssemos nos banhando neles."

"Sempre que eu falo da minha mãe", ele completa, "parece que ela está entrando nesta sala. E o meu pai também. Eles adoravam este lugar. Eles estão aqui em toda parte, sinto tanto a presença deles. E logo atrás dessa sensação vem: 'Meu Deus, eles não estão aqui'."

Quando crianças, Beau e Jeff eram bagunceiros, e, quando chegaram à adolescência, Dorothy resolveu estabelecer um certo controle em casa. "A minha mãe resolveu colocar um pouco de disciplina na nossa vida", diz Jeff . "Começou a correr atrás de nós com um cabide para bater na gente com ele. Mas nós éramos mais rápidos e mais ágeis e sempre pegávamos o cabide e saíamos correndo atrás dela. Uma vez, ela voltou da África e disse: 'Agora, tomem cuidado'. Ela estava com um pênis de rinoceronte petrificado na mão, o que deixaria um vergão horrível depois de ser usado como chicote."

"Eu me lembro de deixar a minha mãe desconsolada quando eu tinha uns 15 anos, de repeli-los, de me afastar deles. Eu provavelmente estava fumando maconha e tal. Finalmente, os dois mundos entraram em colisão e a minha mãe disse: 'O que foi, Jeff ?'' e eu respondi: 'Ei, você não entende? É só que não acho mais você legal'. Isso bateu direto no coração dela. O fato de eu ter dito aquilo, demorou anos para aquela ferida se fechar."

Os restos do almoço e as latas vazias de cerveja são enfiadas no saco enquanto Bridges - confessando que ultimamente tem se "inclinado ao budismo" - faz um resumo de como está se sentindo neste momento marcante de sua própria história. "Os filmes que me atraem são aqueles em que o enredo tem mais a ver comigo. O lado negativo é saber se eu vou ser capaz de segurar o tranco. Dá para dizer isso em relação a qualquer coisa que seja importante para você. Então, com esse cuidado sempre vem a perda. O negócio é ter capacidade de sentir essas coisas e fazer o que é necessário. "Foi assim com Coração Louco, que oportunidade! Trabalhar com os meus amigos, fazer a minha música. É, mas e se você foder com tudo, cara? E se você não conseguir?''

No mês que vem, Bridges começa um novo papel como Rooster Cogburn no remake de Bravura Indômita, dos irmãos Coen. Bridges não parece intimidado em tomar o papel que valeu o Oscar a John Wayne como o herói atrevido do filme. "Na verdade, os Coen não estão fazendo um remake", ele diz. "Estão fazendo o roteiro de novo. É para essa diferença sutil que eu estou olhando. Não quero usar o filme como referência, só vou pegar firme com o texto."

A temporada dos prêmios parece longínqua enquanto percorremos o trajeto mais longo de volta para casa, com as botas guinchando na neve pisada na trilha através da campina. O cachorrinho vira-lata compacto e agitado de Isabelle saltita na direção da porta de entrada, voltando de um passeio no ar gelado de Montana com Susan.

Susan se acomoda e conta a história de como ela e Bridges se conheceram em 1974, quando ela trabalhava em Chico Hot Springs, 30 minutos ao sul deste lugar. Ele estava trabalhando no filme Amigos e Aventureiros, baseado no livro Rancho Deluxe, de Tom McGuane. Ela estava com os olhos roxos por causa de um acidente de carro, e, no momento em que Bridges a abordou na frente da sala de refeições do resort, o maquiador do filme fez uma foto que Bridges carrega até hoje na carteira. "O que é aquele pedaço de papel na sua mão, Sue?", Bridges pergunta ao olhar a foto hoje.

"Eu sempre quis saber." Ela não responde, mas continua. "Foi quando ele me convidou para sair", diz Susan. "Eu pensei: 'Não quero ser uma marquinha no cinto desse sujeito. Ele vai passar umas duas semanas aqui, e isso não me interessa'. Então eu respondi: 'A gente se vê por aí, a cidade é pequena'. E na festa de encerramento das filmagens ele me convidou para dançar. Ele é o maior pé de valsa. Então nós dançamos a noite toda e eu pensei: 'Certo, bom, no final das contas ele é um cara legal'."

"Eu sempre soube", diz Bridges. "Eu pirei na mesma hora. E fui até Chico Springs para falar com [o dono] Mike Art. Foi como ir pedir a mão de Sue. Porque ele era o chefe dela." Susan foi morar com Bridges em Malibu vários meses depois. Passados dois anos de felicidade total relativa, mas sem pedido de casamento, Dorothy Bridges se intrometeu. "Minha mãe costumava chamar o que eu tenho de abulia - é um termo médico de verdade", diz Bridges. "É a doença de não ser capaz de tomar decisões."

"Sue e eu nos separávamos de vez em quando. Ela dizia: 'Para onde isto aqui vai?' E daí nós voltávamos. Eu me lembro de Sue pedir conselho para minha mãe. E minha mãe disse: 'Sue, vou lhe dizer um velho ditado: Por que comprar a vaca se você tem leite de graça? 'O conselho dela para Sue foi para simplesmente ir embora", ele lembra. "Sue e eu finalmente chegamos ao âmago da questão e ela disse: 'Eu compreendo que você sofre de abulia, mas eu vou voltar para Montana porque o meu relógio biológico está gritando'. Eu me ajoelhei e a pedi em casamento. Ela perguntou: 'Quando a gente vai fazer isso?' Eu respondi: 'Neste fim de semana?' Ligamos para os amigos e casamos no nosso quintal. Foi uma cerimônia maravilhosa, e eu estava me sentindo em êxtase e entusiasmado", prossegue. "Daí baixou em mim o maior mau humor. Passamos uma lua de mel pavorosa nas Sete Lagoas Sagradas, em Maui, uma paisagem linda, e eu só conseguia sentir o cheiro de manga podre. Foi simplesmente horrível. Ela disse: 'Vamos anular'. Eu respondi: 'Não, não'. Fiquei com aquele mau humor durante um ano ou mais. Graças a Deus que ela não me largou, era dificílimo ficar do meu lado, mas eu finalmente entrei no clima. Uma coisa que eu não esperava do casamento é que melhorou em todos os aspectos - quanto mais dura, mais profundo e rico fica."

De volta ao ex-bordel, Bridges para perto de uma janela que dá vista para uma crista de montanha tingida por uma fita do sol de fim de tarde. Ele retoma uma ideia que tinha exposto antes, mas agora está praticamente em território pessoal: "Então, você está com 60 anos, tem todas essas coisas maravilhosas. E agora o que vai fazer?" O monólogo abafado ganha força. "Se o meu impulso é fazer isto, aquilo que eu amo... chegou a hora. Será que você vai ser capaz? Porque você também é um preguiçoso da porra. Tantas dúvidas em relação a mim mesmo..." Ultimamente, ele anda refletindo muito sobre os ensinamentos xamânicos da tradição tolteca, encontrado sem um livrinho chamado Os Quatro Compromissos."Um deles é 'Seja impecável com a sua palavra'", ele diz. "Isso quer dizer que as palavras têm muita força - não só as palavras que você diz aos outros, mas as palavras que você diz a si mesmo. Essas são as mais importantes. São quase como encantamentos. Eu acabei de dizer: 'É, mas você é um preguiçoso da porra'. É um encantamento pesado que estou jogando para cima de mim mesmo."

Já é noite, e as luzes ainda não foram acesas. O rosto de Bridges está virado de perfil na direção da janela e coberto de sombras, de modo que mais dá para escutá-lo do que enxergá-lo. "É igual à música 'Somebody Else' [outra pessoa], de Coração Louco", ele diz. "You used to be somebody, now you are somebody else [você costumava ser alguém, agora é outra pessoa]. Está tudo aberto, cara. Está tudo aberto."