Rolling Stone
Busca
Facebook Rolling StoneTwitter Rolling StoneInstagram Rolling StoneSpotify Rolling StoneYoutube Rolling StoneTiktok Rolling Stone

Na Velocidade da Vida

Com a carreira renovada pelo papel em Um Sonho Possível, Sandra Bullock viveu seu auge na metade dos anos 90, quando era a "Namoradinha da América"

Por Fred Schruers Publicado em 14/04/2010, às 16h03

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
Sandra Bullock ganhou no toriedade pelos papéis em comédias românticas - mas estourou em um fi lme de ação; Velocidade Máxima (1994) - MICHAEL TIGHE / PREMIUM ARCHIVE / GETTY IMAGES
Sandra Bullock ganhou no toriedade pelos papéis em comédias românticas - mas estourou em um fi lme de ação; Velocidade Máxima (1994) - MICHAEL TIGHE / PREMIUM ARCHIVE / GETTY IMAGES

Oi, april . Aqui, April, April, oi, querida!" Sandra Bullock dá um tapinha na perna e isso faz com que April (um quilo tremelicante de Boston terrier com cara de gárgula, peito de touro e patas fininhas) pule para cima do colo dela. "April tomou banho hoje", Bullock diz e faz carinho no cachorrinho que espirra com seus olhos esbugalhados. "Seu pelo está todo reluzente e brilhante, superluxuoso." April então faz o que nem os fãs mais ardorosos de Bullock ousariam tentar: ela lambe todo o rosto da atriz. "Ah, é, eu sei, eu sei..." Bullock tenta controlar a cachorrinha irrequieta como um beija-flor enquanto sua língua comprida percorre a distância da bochecha até o olho.

Bullock encontra-se em um escritório simples e todo branco, entre tantas outras salas iguais no QG de produção de um filme chamado Quando o Amor Acontece, em Austin, Texas, nos Estados Unidos. Trata-se de uma história intimista e pessoal, em que Sandra faz o papel de Birdee Pruit, mãe divorciada que retorna a sua cidadezinha natal no Texas para recomeçar a vida. A produção conquistou o apoio mal-humorado da 20th Century Fox como parte das condições para que Sandra fizesse Velocidade Máxima 2. Pouco antes de April entrar correndo na sala (a cadela pertence ao responsável pelos storyboards do filme), a atriz estava deixando bem claro que a continuação de Velocidade Máxima vai ser seu último filme, pelo menos por um bom tempo, na pele da maluca adorável que faz ônibus voarem e desliza por cima das ondas e que é a queridinha da América. "Não é que eu tenha influência", ela diz. "Mas, neste momento, recebi muitas liberdades. Se eu não aproveitá-las ao máximo, é sinal de que nem deveria tê-las.

" Fica claro que o fracasso junto à crítica e do ponto de vista comercial dos dois últimos filmes de Sandra - Corações Roubados, com Denis Leary como seu Romeu frenético, e No Amor e na Guerra, com Chris O'Donnell na pele de um Ernest Hemingway tristemente deslocado - tiveram seu peso. Quando finalmente consegue acalmar a teimosa April, Bullock se recompõe. "Eu analiso certas escolhas que fiz e me pergunto se foi por causa do desespero que os atores têm de simplesmente aceitar qualquer coisa que aparece. Eu me permiti ser medíocre várias vezes. Estou bem ciente disso, e [esses fimes] são bons lembretes para parar para refletir e dizer: 'Não faça isso'. E já é meio caminho para parar de querer ser agradável com todo mundo. É assim que se chega à mediocridade. Eu não vou me permitir ser medíocre, nem que qualquer coisa com a qual eu esteja envolvida seja medíocre."

Sandra Bullock, que fala em longos monólogos que às vezes parecem não depender da presença atenta de um interlocutor, de repente franze a testa. Ainda bronzeada devido às várias semanas que passou flutuando no mar do Caribe para as filmagens de Velocidade Máxima 2 e mais magra do que nunca ("É que eu vejo esta minha personagem como sendo bem magricela e desajeitada"), ela assume a aparência curiosa de uma rainha egípcia, com seu nariz aquilino, as bochechas perfeitas e a covinha no queixo. Quer dizer, até o cachorro interromper com um peido nada refinado. "Ah, April, você está com gases de novo", diz Sandra. Graças a Deus que não estava perto do fogo." Bullock pega uma vela acesa no canto da mesa e a leva até a região da emissão tóxica. Lépida, ela enxota a criatura de aparência preocupada porta afora e a fecha. "April", ela decreta, "você foi condenada".

Não são apenas cães com flatulência que vão parar do outro lado da porta de Sandra Bullock. No ano passado, a atriz ganhou notoriedade por executar uma faxina e tanto em seu quadro de assessoria. Ela despediu Tom Chestaro, seu empresário havia 12 anos, e Steve Warren, seu advogado havia sete. Há notícias de que Chestaro tentou receber sua comissão pelos contratos cinematográficos que ele a ajudou a assinar (ela se recusou a fazer comentários).

Com a ajuda do pai, John Bullock, que está ocupando a vaga de empresário, a atriz de 31 anos conseguiu um contrato muito bom quando assinou para fazer Velocidade Máxima 2 por supostos US$ 12,5 milhões e Quando o Amor Acontece por mais US$ 11 milhões, segundo estimativas. A ideia de que uma pessoa que recebe liberdades precisa se esforçar em dobro é uma atitude típica do modo de ser de Sandra Bullock. Ela costuma descrever as pessoas que admira como modelo de uma ou outra virtude. Assim, Joel Schumacher, que a dirigiu em Tempo de Matar, é o homem mais cheio de consideração do cinema; Jason Patric, que estrelou a seu lado Velocidade Máxima 2, é o mais dedicado ao trabalho; Matthew McConaughey, seu grande amigo (e, segundo especulações, ex-namorado) é o homem que tem o maior coração. "Essas são pessoas passionais", ela diz. "E, de maneira geral, eu acho que as pessoas morrem de medo da paixão. Isso é algo que não se pode controlar, não se pode engarrafar. E é muito lindo quando a gente recebe isso ou pode observar quando acontece. Eu realmente me sinto atraída por pessoas assim."

McConaughey chama Sandra de "Redblood [sanguevermelho] - porque ela é uma americana de sangue vermelho". (Esta é uma fala que o personagem dele usa quando acorda - com inclinação amorosa - ao lado da mulher no curta-metragem Making Sandwiches [ fazendo sanduíches], dirigido por Bullock.) "As pessoas dizem: 'Ah, ela é uma moça comum'", ele diz. "Há muita validade nisso - ela não fica em um pedestal. Ela não é fútil. Ela gosta da teoria do soprar do vento. Ela gosta de chegar e colocar a mão na massa, sabe? Ela gosta de colocar a mão na massa, seja lá o que for."

Sandra Bullock anda colocando a mão na massa em tanta coisa ultimamente que ela compete com April em termos de... rapidez. Ela trabalha sem descanso desde que Velocidade Máxima, de 1994, colocou-a, junto com Keanu Reeves, no mapa das estrelas. Está negociando com o diretor Griffin Dunne para fazer um filme novo, Da Magia à Sedução, sobre bruxas. Acabou de comprar uma casa em Austin para se somar à que ela já possui em Los Angeles e ao loft que ela mantém em Manhattan e pretende usar mais. E, nas últimas semanas, Bullock fez tudo o que pôde para preparar o mundo para Patric - mais conhecido por papéis sérios, do tipo Dominados pelo Desejo e Sleepers - A Vingança Adormecida - como estrela de ação e vilão cômico com tendências casamenteiras em Velocidade Máxima 2.

A história de como Patric salvou a vida dela já foi contada tantas vezes (Sandra, cansada, quase foi retalhada em uma cena complexa em um barco, mas Patric interveio) que parece fazer parte da campanha de marketing do filme. No set de filmagem caribenho de Velocidade Máxima 2, em novembro, Bullock deixou claro que seu interesse em Patric não era motivado por romance (ele namora a modelo Christy Turlington) nem pela bilheteria (a ausência de Reeves e daquele ônibus talvez seja um problema maior do que qualquer pessoa está disposta a reconhecer). Bullock deseja que o mundo veja as qualidades desconhecidas de Patric como o elenco e a equipe técnica do filme veem. "Nós gostamos dele e ficamos felizes com o fato de sermos alguns dos poucos que têm a oportunidade de ver quem ele é", ela diz. "Às vezes, eu digo a ele como é frustrante para mim quando estou falando dele e alguém diz: 'Eu sinceramente não entendo. Ele é muito tenso e mal-humorado'. Mas Jason diz: 'Eu guardo para as pessoas com quem eu me importo. Isso não é todo mundo'. E eu só penso: 'Graças a Deus existem pessoas como Jason para fazer a gente se lembrar disso'."

Depois de sair mais uma vez encharcado de uma cena de Velocidade Máxima 2, Patric reflete a respeito de Bullock: "Será que Sandra é digna de tantos elogios e do tipo de conexão que as pessoas parecem estabelecer com ela? Absolutamente. A sinceridade dela é bem complicada, mas apresentada com simplicidade. Ela faz isso sem ser puxa saco, e esse é o truque dela. Eu acredito, de maneira geral, que ela sempre esteve acima do material que recebeu até este ponto da carreira". Depois de seis meses de trabalho,estresse e perigo com Bullock, Patric está pronto para responder a uma pergunta fundamental: Ela é mesmo a pessoa que se vê na tela? "Ela é tudo que você pensa que ela é", diz Patric, "e que não é".

A ascensão entrecortada de Sandra Bullock começa com Working Girl; muito pouca gente assistiu a algum dos seis episódios da sitcom, exibida em 1990; menos gente ainda viu o filme B Inferno Selvagem, de Roger Corman. Ela ficou tão nervosa com uma cena de amor sem camisa no segundo que cobriu os mamilos com fita crepe, vomitou, fez a cena, vomitou e tirou a fita crepe. Agitando em 59 era um drama de gangue adolescente do tipo que hoje se compra em posto de gasolina. Ela filmou Poção do Amor nº 9 em 1990, no papel de uma "psicobióloga" dentuça e CDF, contracenando com Tate Donovan, igualmente transformado em nerd. Os dois se apaixonaram. Apesar de o filme ter esperado dois anos para chegar às telas, o romance durou cerca de quatro. Uma das características comoventes de Sandra Bullock, cujo maior dom na tela talvez seja a vulnerabilidade, é que as cinzas daquela relação parecem estar esvoaçando por aí até hoje. ("A gente tem um grande amor na vida, e eu já tive", ele declarou quando a ferida ainda estava aberta.)

Quando o amor estava no início, Bullock diz, ela passava por sua "estação no inferno" do ponto de vista da carreira. Era uma época de reuniões, testes de elenco, retornos e filmes (O Silêncio do Lado, Recordações) que não ajudaram exatamente a construir seu nome. Não existiu nada de sólido até 1993, quando um produtor executivo da Warner Bros. chamado Lorenzo di Bonaventura convenceu o produtor Joel Silver a dar uma chance a Bullock, que atuou ao lado de Sly Stallone em O Demolidor (depois de a atriz Lori Petty ter sido dispensada). "Foi uma grande oportunidade", diz Bullock, "apesar de terem acabado com o meu cabelo e me obrigado a vestir calça justa" (observação aos fãs: Bullock não admira tanto a própria bunda quanto você). A respeito de Stallone, Bullock diz: "A gente batia cabeça, mas, a certa altura, eu me transformei na irmã mais nova dele. Ele batia no trailer com os tacos de golfe dele no meio da noite: 'Vamos jogar'. Sabe como é, ele queria dar umas tacadas no meio da madrugada". Hollywood estava se dando conta de que Bullock tinha aquele jeito que salva certos cachorros de serem sacrificados. Sandra começou a encantar os repórteres.

"Ela é o tipo de pessoa que agradece quando você dá risada das piadas dela", escreveu um redator. Alvo móvel, ela afirmou ser fútil: "Meu pai depende de o meu cabelo estar bonito ou não".

O pivô indiscutível da carreira de Sandra Bullock foi se sentar atrás do volante daquele ônibus grande em Santa Monica, Califórnia, no primeiro Velocidade Máxima. A Fox não a queria, mas o diretor estreante Jan De Bont queria. "Ela tinha um frescor tão incrível", ele diz. "Dá vontade de ser amigo dela, de verdade." E foi isso que ele se tornou. "Jan fez a minha carreira", diz Bullock, "porque ele confi ou em mim naquele filminho bobo da bomba no ônibus de que todo mundo deu risada". Velocidade Máxima transformou Bullock em atriz de elite. Dois outros sucessos se seguiram a esse: Enquanto Você Dormia, uma comédia romântica, e A Rede, um thriller a respeito de hackers que revelou alguns fãs de Bullock na internet. Um deles escreveu uma música que está postada no site dos seguidores ardorosos dela. Com o título de "When did she take your heart?" [quando ela roubou seu coração?], diz: "Alguém aí tem [ fotos de] Sandra nua? / é uma coisa que eu gostaria de ver / preferivelmente de meia arrastão e salto muito, muito alto / pode me enviar?"

Tempo de Matar, em 1996, tinha a intenção de ser um filme de transição para Bullock: Será que ela poderia ser levada a sério como atriz e ainda assim continuar cativando o público? A resposta parecia ser: talvez. De top mais branco do que branco, exibindo sorriso igualmente brilhante, ela tentou transformar a personagem em uma pirralha da cidade, mimadae espertinha, que representava uma leve ameaça ao casamento complicado de um advogado cheio de si. No final, o que ela mostrou foi: a nossa doce Sandra de sempre, esforçada, mas à sombra de um elenco top que incluía Samuel L. Jackson e Kevin Spacey.

O final de 1996 pegou Bullock como rainha da bilheteria em estado nada invejável. Depois de ter dado o máximo de si sem receber quase agradecimento nenhum, com o nome jogado de um lado para o outro como parceira ocasional de McConaughey, ela começava então a filmar a sequência obrigatória do filme que a tornou famosa. Quando Meg Ryan estava promovendo Coragem sob Fogo, alguém perguntou se o filme corajoso de guerra significava que Ryan tinha abandonado sua imagem de queridinha da América. Ryan respondeu com frieza: "Por acaso essa aí não é a Sandra Bullock agora?"

Sandra dispensa o rótulo, mas está bem ciente de que a imprensa está em cima dela de um jeito que só presidentes e a Miss América têm o privilégio de sofrer. "É uma agressão", ela diz ao se lembrar de uma reportagem de tabloide falsa dizendo que ela tinha tido um ataque no set. "No começo, eu fiquei magoada de verdade", ela diz. "Mas quer saber de uma coisa? Não faz nenhuma diferença. Eu não quero desperdiçar a vida nem perder o sono com isso, nem o meu humor."

"Tem sido uma loucura", ela prossegue. "Eu estava viajando durante todo o período que a loucura toda (após Velocidade Máxima) aconteceu, e de repente eu voltei para passar dois meses em casa e percebi que a minha vida estava completamente diferente, e que eu estava com saudade dos meus amigos e da minha família. Eu estava vivendo com uma mala, coisa que faço muito bem, e isso me assusta. Eu me sinto mais em casa em um set ou na casa alugada de outras pessoas do que na minha própria casa."

Sandra folheia um álbum de fotos de família de sua infância. Parece que seria bom para qualquer pessoa que deseja ser ator nascer em uma família que viaja muito. Filhos de militares são famosos por se beneficiar posteriormente dos traços de personalidade desenvolvidos com a criação de novas amizades. O caminho de Bullock foi mais criativo. Ela e sua família seguiam a mãe, cantora de ópera. Helga Bullock era filha de um cientista espacial alemão que tinha um emprego burocrático para pagar por seus estudos vocais no conservatório em Nuremberg, na Alemanha, quando foi chamada a uma sala espaçosa do Palácio de Justiça da cidade (onde os julgamentos históricos dos nazistas ocorreram) para que o chefe lhe ditasse uma carta. Tratava-se de John Bullock, que começou trabalhando com a burocracia da transferência de postos de guerra e acabou como chefe do Programa de Troca de Postos para toda a Europa.

"O romance não começou logo de cara", diz Sandra enquanto examina fotos dos pais. "Minha mãe costumava ir de bicicleta para o trabalho todo dia, e o meu pai passava a toda com o Mercedes dele. Não dava carona para ela. Não, acho que demorou uns bons três ou quatro anos."

E foi assim mesmo, John Bullock confirma. Como chefe, ele tinha reparado que Helga era linda. Mas John (que pouco tempo antes tinha se separado da primeira mulher, de sua cidade natal de Birmingham, no Alabama) achou que ter um caso com uma funcionária não seria adequado. "Dá para ver que a beleza dela não vem de mim", ele diz pouco depois de trocar um aperto de mão em um estabelecimento badalado de Beverly Hills, frequentado pelo pessoal do cinema. Mas os traços do queixo, dos lábios, do nariz e da testa, sem se esquecer de mencionar o brilho nos olhos, lembram, sim, a filha.

Sob ordens de Helga, John Bullock se recusa a revelar a imagem (deve estar com aproximadamente 75 anos, fazendo as contas), mas logo fica claro que ele compartilha da energia da filha. Sem pestanejar, ele tomou para si os golpes de relações públicas pela demissão dos antigos administradores da carreira da filha, e ele é ao mesmo tempo do tipo genial e daquele com quem ninguém quer mexer - e não é fácil descrevê- lo. John cantava baladas, acompanhado de piano, em recitais para os alemães sedentos de cultura do pós-guerra enquanto Helga se preparava para sua carreira como jovem soprano dramática. "Ambos são artistas em essência", diz Sandra. "Ambos adoravam ópera - eles viveram uma guerra e tanto um quanto outro escolheram uma área que era uma arte em extinção. Ele era bem mais velho, mas encontraram terreno comum e, acho, não poderiam ter a grandeza de espírito que têm se não estivessem juntos." Bullock deixa a cabeça pender para o lado com uma foto do casal sorridente com trajes de casamento. "Aqui estão a minha mãe e o meu pai se casando na Alemanha. Ela não se parece com Jackie O.?"

"Oh", John diz sem nenhuma surpresa quando o comentário lhe é repetido. "Helga é mais bonita do que Jackie O." Ele só dá risada quando pergunto se o encanto da filha floresceu cedo, lembrando dela quando lhe batia na cintura e "olhava coquete para o corretor de imóveis" quando foram visitar algumas casas. Imóveis eram uma coisa importante para a família de itinerantes dos Bullock. Desde que Sandra nasceu em Washington, D.C., eles iam e vinham da Europa de acordo com os ditames da carreira de Helga.

Sandra foi uma menina travessa na época da escola. Quando acompanhava uma visita até o banheiro, depois perguntava, como fazem os pediatras, se ela tinha "se limpado direitinho". John fixou a família em Arlington, no estado da Virgínia, e foi trabalhar no Pentágono (trabalho que originou o Comando Material do Exército), em uma função que ele se recusa educadamente a descrever. Comprou um bom pedaço de terra próximo ao Blue Ridge Parkway, a noroeste de Charlottesville, Virgínia. Um dia, quando a família atravessava um riacho na propriedade, ocorreu um acidente com desdobramentos curiosos. Sandra segurava a mão de John quando ele escorregou em uma pedra coberta de musgo e caiu com tudo. Ela chama a cicatriz que sobrou, em forma de meia-lua em cima do olho esquerdo, quase sempre escondida, de "minha ferida de batalha" e se recusa a corrigir o defeito. Uma enfermeira no hospital universitário local ficou obviamente impressionada com a coragem da menina que entrou com uma toalha ensangüentada na cabeça.

Pulando alguns meses no tempo, John está se despedindo de um faz-tudo depois de uma malha de jardinagem com uma escavadeira. Minutos depois, ele aciona o câmbio sem querer e a máquina avança. John pulou para fora do trajeto da máquina, mas o aparelho - com várias toneladas e rodas de esteira - deu a volta e passou por cima dele, deitado em uma vala. Com isso, ele quebrou as duas pernas e várias vértebras abaixo do pescoço e quase perdeu metade do braço - que ele colocou no lugar e amarrou com o cinto antes de entrar em choque. No hospital, a enfermeira que antes tinha se encantado com Sandra, recusou-se a aceitar o diagnóstico do médico de plantão, que viu a necessidade de amputar as pernas. Ela massageou os pés dele "por horas e horas", diz John, para restabelecer a circulação.

Ainda com suas pernas, John Bullock passou um ano de incerteza que incluiu uma parada cardíaca que lhe ameaçou a vida. Passaram-se alguns meses até que as crianças tivessem permissão de entrar no quarto onde ele estava coberto de ataduras e entubado. "Disseram que Sandy ficou preocupadíssima com Gesine (pronuncia-se "ga-zi-na", a irmã de Sandra, quatro anos mais nova do que ela)", diz John. "Gesine ficou bem, mas Sandy ficou branca igual a isto aqui." Ele acena com um guardanapo de linho branco engomado, depois pede desculpas por ter contado a história. Mas ele se orgulha da parte da enfermeira.

Os traumas deram lugar à antiga vida cigana, e Sandra passou vários anos estudando em Salzburg, na Áustria, e em Nuremberg antes de voltar para cursar o ensino médio em Arlington. Em busca da fotografia perfeita daquela época, ela folheia o álbum de fotos. "Aqui estou como um bebê feliz, eu nua... nem pense nisto. Eu e o cachorro; eu de vaqueira; como a alemãzinha brava com seu coelho - eu ainda tenho esse coelho -; com a minha irmã; aqui está o meu namorado do baile de formatura da escola, e eu estou muito brava com ele porque nós terminamos. É, a garota brava no baile de formatura. Eu era brava... Eu e a minha avó fazendo alguma coisa de beleza que eu, é claro, perdi."

Como é costume em Hollywood, Sandra insiste que foi uma CDF fracassada logo de cara na Washington- Lee High School de Arlington. Disse que era uma deslocada antes de dar início a uma fase de destaque, em que tudo que ela possuía tinha monograma e ela se tornou animadora de torcida - de repente, era popular. Essa reviravolta, ela observa, "foi triste". De acordo com Gerrie Filpi, professor de teatro de Bullock na escola, ela precisou pagar caro. "Existe uma máscara que alguns atores têm dificuldade para deixar cair", diz Filpi. "Sandra era tão popular, tanta gente prestava atenção nela que ela não passava tanto tempo quanto devia tentando evoluir." As palavras do professor ecoam perguntas que Bullock parece colocar a si mesma até hoje.

Uma nota de rodapé curiosa à carreira no ensino médio é uma aparente mentirinha inofensiva que Bullock já contou repetidas vezes - de que ela foi eleita como "a menina que mais pode alegrar o seu dia" pelos colegas de classe. Apesar de ser possível que esse título fosse inventado para Bullock com facilidade, nunca foi dela. Ela ficou com os troféus de "palhaça da classe" e "mais engraçada", e foi até eleita como "o casal com mais probabilidade de se casar", com o colega Greg Davis, mas "a menina que mais pode alegrar o seu dia" foi uma tal de Barrie Britton. Olhando agora para a maneira como Bullock concebeu - ou pode-se até dizer empacotou - a si mesma, o título mal lembrado é bastante elucidativo.

Bullock estudou artes dramáticas na east Carolina University, em Greenville, Carolina do Norte, mas tinha consciência suficiente sobre o próprio charme e, pouco antes de se formar, largou a faculdade e foi para Nova York. Lá, trabalhou como garçonete, frequentou as famosas aulas de interpretação de Sanford Meisner na Neighborhood Playhouse e começou a correr atrás de sua grande chance. Sua noção para escolher o momento certo sempre foi boa, e a ideia de se mudar para Los Angeles logo resultou na oportunidade com Working Girl- mas ela se lembra do deslocamento como momento de dificuldade para subir estradas montanhosas em seu velho Honda fumacento enquanto Jaguares buzinavam atrás dela.

Sandra sentiu que tinha exagerado, mas com sua resolução e ousadia habituais, ela não desistiu. "Eu não olho; eu só vou", diz. Ela admira esse mesmo espírito em outras pessoas, como é o caso de McConaughey. "Matthew simplesmente tinha uma fagulha", ela se lembra de quando o conheceu em Tempo de Matar. "Ele capta piadas que ninguém mais capta, ele tem ritmo próprio. Peça para que eu o descreva... eu nem consigo começar a juntar gente. Pegue um pouco de Will Rogers, um pouco de Paul Newman e mais algum ator bizarro, algum maluco completamente descontrolado - como o cantor country Boxcar Willie. E daí pegue uma criança de 6 anos, misture tudo e vai chegar mais ou menos perto. Mas não existe ninguém como ele."

Quando Bullock fez um intervalo nos preparativos de Quando o Amor Acontece para gravar uma participação no programa de Oprah (junto com Patric, que agiu com civilidade, apesar de sua atitude underground de sempre), a apresentadora não a poupou e foi logo ao ponto, perguntando na lata se ela e Mc- Conaughey estavam namorando. "Não, não estamos", Bullock respondeu, bem animada, e admitiu apenas uma grande amizade em que "qualquer mulher que ficar com ele vai ter que passar por mim." Seja lá qual tenha sido a relação entre os dois, e levando em conta que Ashley Judd recentemente indicou McConaughey como um de seus dois amantes entre os colegas, é certo que foi enrolada - a dupla tem conexão profunda. De qualquer modo, Bullock viveu lá suas tristezas durante a filmagem, com problemas com o empresário e a aproximação do fim de seu relacionamento com o técnico de cinema Don Padilla. Joel Schumacher, diretor de Tempo de Matar, lembra do dia em que Bullock trouxe alívio imediato quando ele próprio precisou lidar com sua tristeza.

"Estávamos em um cenário enorme de tribunal", conta o diretor. "Sandra estava completamente do outro lado da sala e eu estava na diagonal, em um cantinho com aparelhos de vídeo na minha frente. O meu assistente me entregou um celular e eu fiquei sabendo que uma mulher que eu adorava, esposa de um amigo que lutava contra o câncer havia uns, ah, dez anos, tinha acabado de morrer. E eu simplesmente perdi o chão. Ninguém me enxergava atrás daquelas câmeras de vídeo. Eu simplesmente virei para trás e desmoronei."

"De repente, Sandy estava lá, em cima de mim", ele prossegue. "Foi como se ela tivesse pressentido que alguma coisa estava errada. A maior parte dos atores no set só prestam atenção a eles mesmos. Eles precisam se preocupar com o cabelo, a maquiagem, os objetos de cena, as falas, as marcações, a bateria do microfone... de modo que as antenas deles nem sempre estão voltadas para os outros. Mas os poros de Sandy estão abertos a todo mundo que está ao redor dela."

Bullock só fala de maneira superficial a respeito de seus problemas na época - uma mistura efervescente de dúvidas pessoais e profissionais. "Eu tive que olhar para mim mesma e dizer: 'Agora eu sou responsável por tantas coisas, o que vou escolher para guardar no meu coração? E o que eu vou escolher para me desapegar e não controlar?' A gente aprende os limites que tem. Eu poderia ter jogado a toalha ou poderia simplesmente abaixar a cabeça e dizer: 'Certo, deem aqui um corta-vento que eu vou entrar'. E foi lindo perceber que os seus amigos não estão lá só para se divertir. Porque a diversão não significa absolutamente nada." Como sempre acontece quando as coisas apertam, é a família que comparece e, na primavera de 1996, Bullock pediu socorro ao pai. Ele insistiu para supervisionar a contabilidade, que ajeitasse os aspectos da carreira dela que estavam confusos, para que ela pudesse respirar aliviada um pouco. Quando ela despediu o empresário e o advogado, as fofocas apontaram para o pai como executor. Sem elucidar seu verdadeiro papel - além de observar que nenhuma decisão importante é tomada sem Sandra -, John parece bastante disposto a segurar o tranco. Ele diz que a filha, sem ser bem aconselhada, trabalharia por muito menos do que vale. Quando se sugere que um filme de orçamento apertado como Quando o Amor Acontece poderia usar o salário de US$ 11 milhões de Sandra para diminuir os custos de produção, ele tira os óculos para que você possa olhar bem nos olhos dele e cita a lei eterna: "Tudo bem trabalhar por menos em filmes independentes. Mas os atores não podem permitir que os estúdios engulam seu valor de mercado".

Depois de Quando o Amor Acontece, Sandra bem que estava precisando de um descanso - e disso ela fala da boca para fora, da mesma maneira que discute o potencial de casamento e maternidade. Descanso parece não combinar com a moça que nunca para, apesar de John resmungar e sacudir a cabeça. "Isso é preocupante."

Sandra gostaria de fazer mais um filme com personagem de caráter intimista. "Eu não dou saltos muito grandes para longe da última coisa que eu fiz", ela diz, "porque só sou capaz de fazer trabalhos em que posso aplicar o que aprendi na vida. As minhas progressões sempre vão ser pequenas, mas eu não gosto de ficar sempre com a mesma coisa; é verdade que eu repeti Velocidade Máxima, mas desta vez é algo diferente, por sorte."

Como Jan de Bont coloca, "desta vez o filme começa em torno de Sandra. É ela que está em maior destaque agora, está mais na cara do público. E eu sempre estou em busca daquele momento que, para mim, é puro. Porque existe pureza em Sandra, só que demora um pouco para fazer aparecer".

Assistindo ao pôr-do-sol no Caribe depois de um dia inteiro bebendo água salgada em Velocidade Máxima 2, Sandra faz uma confissão: "Acho que o meu espírito está cansado. Eu estou filmando há quase dois anos direto, e não vivi a minha vida. Por alguma razão, eu só desejo uma quantidade enorme de tranquilidade. Quero encontrar alguma coisa cujo foco seja no personagem e que seja pequeno, que não seja norteado pela renda no fim de semana de estreia, sabe como é; alguma coisa em que eu possa ser responsável pela montagem do ponto de vista criativo. Parece que todos os projetos que eu pego meio que andam em paralelo com o lugar em que a minha cabeça está, alguma coisa que aconteceu na minha vida e que eu posso exorcizar, mais ou menos".

Enquanto Sandra a fica em sua sal a em Austin esperando a sessão seguinte com o diretor Forest Whitaker, um auxiliar de vez em quando aparece para dar uma atualização sobre a preparação da casa nova. Austin vai ser o lar dela por enquanto, e Birdee - a personagem dela em Quando o Amor Acontece - com toda a certeza é essa projeção de si mesma que ela busca. "Este roteiro tem muito paralelismo comigo", ela diz. "Quando o vi pela primeira vez, pensei: "Ah, mas que coisa". Quer dizer, os nomes foram mudados, mas os elementos na vida dela são paralelos. É igual àquele momento em que não dá mais para fingir". Birdee vai descobrir que aquilo que sua mãe, interpretada por Gena Rowlands, fez na vida é exatamente o que Birdee deve fazer. "Ela abraçou a vida a seu modo", diz Bullock, "e isso não acalmou nem agradou a todo mundo. Ninguém precisa ser agradável."

"Ah, e ela também é diferente de qualquer outro papel que eu já interpretei. Não tem nada a ver", ela explica. "É difícil de verdade, eu estou me debatendo. Todos nós migramos para aquilo que é seguro, mas isso não nos protege nem nos ajuda a nos adaptar. Eu ando tentando encontrar a palavra que diga o que eu preciso ser na vida: a palavra é 'corajosa'. Essa é a única coisa que eu peço a mim mesma para ser. Não quero me realizar nem nada assim. A coragem é a única coisa que eu nunca quero perder. Porque, independentemente do número de vezes que eu seja derrubada ou ferida, isso significa que eu sempre vou ser capaz de tentar de novo. E, se eu não pudesse tentar de novo, isso me mataria."