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Carlos Santana

“Descobri, há muito tempo, a diferença entre as notas e a vida. Prefiro tocar vida a notas”

Por David Fricke Publicado em 12/04/2010, às 20h38

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Você nasceu no México, seu pai era um violinista mariachi e você tocou violino antes de passar para a guitarra. Houve alguma hesitação entre o velho e o novo quando você descobriu o blues elétrico?

Não desrespeito a tradição, mas ela não vai me segurar. John Lee Hooker, Lightnin' Hopkins e Jimmy Reed - era algo que eu precisava. Comecei com esses três senhores, porque eles eram o máximo em simplicidade. Faziam tudo parecer simples, mas se você tentar tocar como John Lee Hooker ou Jimmy Reed, não é tão fácil assim. Toquei boleros com meu pai nas ruas, mas prestava atenção em Chuck Berry, Little Richard e Bo Diddley, em B.B. King e T-Bone Walker. Não havia nada plástico neles, eles iam fundo, e cada nota levava algo importante. Descobri há muito tempo a diferença entre as notas e a vida, e prefiro tocar vida a notas. Tudo bem aprender a ler música, não vai te fazer mal. Você pode ir à Berklee College of Music, mas ela não vai te ensinar a tocar vida.

Em sua adolescência em San Francisco, você foi a muitos dos primeiros shows do Fillmore. Quais foram alguns dos guitarristas que você viu lá?

As mesmas pessoas que Jeff Beck e Jimmy Page curtiam - Otis Rush, Buddy Guy, Freddie King e Albert King - e Michael Bloomfield e Peter Green [do Fleetwood Mac]. Mesmo antes de Jimi Hendrix surgir, em 1967, Bloomfield pegava pesado com a banda de Paul Butterfield em coisas como East-West. Era um tipo diferente de blues, mesmo para os brancos. Quando você fechava os olhos, não soava branco.

E Jerry Garcia? Ele tocava quase toda noite por toda a cidade com o Grateful Dead.

Há uma coisa em mim - meu corpo não aceita bluegrass. Amo Merle Haggard e Buck Owens - a composição - e, claro, Willie Nelson, mas há alguns tipos de música que meu corpo não permite. Um é norteño, outro é o bluegrass, e o jeito de Jerry tocar tinha muito disso. Quando ele fez "Good Morning Little Schoolgirl" - que é mais no estilo Buddy Guy/Junior Wells - pensei, "OK, posso escutar isso." Sou muito seletivo. Há algumas músicas que nem quero saber delas [risos]. Ainda estou trabalhando nisso.

Quando Santana tocou em Woodstock em 1969, você já tinha seu som característico, aquela sustentação pungente na qual você mantém uma nota por, parece, décadas. Como tocar com tanta percussão rápida afetou sua abordagem para fazer solos?

Quanto mais alguém toca rápido em sua volta, mais você desacelera e toca linhas longas, legato. Em "Jingo" [do álbum Santana, de 1969], tínhamos essa linha de baixo e a conga indo naquele ritmo. Eu tinha de fazer algo diferente. Além disso, comecei com violino, que tira notas longas com um arco. Percebi que tocar notas mais longas e as sustentar era mais atraente. Naquela época, estava ficando cheio de pessoas do blues. Minha voz na guitarra parecia mais natural em um vocabulário diferente, mas ainda amo blues. Você precisa se banhar naquela música todos os dias. É como colocar calda na panqueca - se não tem calda, as panquecas não são tão boas assim [risos]. Se não há blues na música, não a escuto.

Como foi ouvir aquelas notas navegarem por aquela multidão imensa em Woodstock?

Foi mais do que assustador, especialmente porque eu estava no auge do ácido. Disse. "Deus, me ajude a continuar afinado, a continuar no tempo. Prometo que nunca mais toco naquela coisa". É claro que menti [risos]. O que lembro é de estar muito calor, todas as outras bandas tocavam as mesmas coisas - e éramos diferentes. Quando começamos, parecia que estávamos de volta ao Aquatic Park em San Francisco, onde as pessoas tomavam vinho, fumavam um baseado e tocavam congas. Pareceu natural assim. É impressionante - em menos de um ano [depois daquele show], todos tinham congas e tambores: Rolling Stones, Sly Stone, Jimi Hendrix, Miles Davis. Tudo o que fizemos na verdade foi integrar Tito Puente, músicos afro-cubanos como Mongo Santamaria, no blues que eu amava.

Como descreve seu papel no Santana como guitarrista? É seu nome no pôster, mas há tanta coisa acontecendo sob e em volta de você.

Uno tudo. Tocamos música do Santana, mas, ao mesmo tempo, viramos uma espécie de Aeroporto John F. Kennedy. Bob Marley, Miles, John Coltrane, Marvin Gaye e Jimi - todos vão pousar aqui e ali. Vamos visitá-los, mas ainda soamos como Santana. O que faço com a guitarra, quando me movo pela música, é garantir que o baixo, a bateria e o teclado estejam juntos [faz o som de um coração batendo]. Isso cria o transe, e faz as mulheres enlouquecerem completamente. É a mesma coisa que Miles tinha com sua banda. Você toca duas ou três notas e os outros pensam "é divertido explorar, mas agora temos de voltar para isso."

Você tem um regime de prática? Quanto você toca fora dos palcos, quando não está gravando?

Não chamo de prática, chamo de mergulho. Tenho uma grande coleção de discos - Wes Montgomery, Miles, Jimi, muito de Marvin Gaye - e toco junto com eles. Tento tocar como Marvin canta. Não pratico para saber aonde meus dedos vão, fico curioso sobre como penetrar na nota. Acho que o Grateful Dead é quem dizia que a música está tocando você, e não o contrário. Quero utilizar som, ressonância, vibração, para aproximar as pessoas de seus próprios corações.

E você faz isso sem pedais - só com volume e toque?

Uso um wah-wah de vez em quando. Sou elétrico, como o Buddy Guy. Ele pode pegar qualquer guitarra, qualquer amplificador, e eles vão soar como ele. Quando pego, ainda soa como eu, e parei de lutar contra isso. Antes, queria soar como Otis Rush. Como ele canta e toca guitarra em "Double Trouble" - há um motivo pelo qual Eric Clapton o cita toda noite [risos].

Você fala muito sobre transes. Você tem um quando atinge uma dessas notas longas?

Você tem de ficar arrepiado antes de qualquer um. Viro menos que um mestre de cerimônias, esqueço de corrigir qualquer um no palco, simplesmente entro na minha guitarra. Consigo ver o resto dos músicos pensando "É, ele está com fome e fazendo seu prato de comida."