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No Divã com Dilma & Serra

Considerado um dos principais especialistas em comportamento político no país, o psicólogo Salvador Sandoval analisa o ambiente eleitoral brasileiro

Por Fernando Vieira e Rodrigo Barros Publicado em 18/05/2010, às 04h58

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SANDOVAL - "As ciências sociais no Brasil sempre tiveram uma ênfase muito marxista"
SANDOVAL - "As ciências sociais no Brasil sempre tiveram uma ênfase muito marxista"

Até o dia 3 de outubro, inúmeros brasileiros passarão - mesmo sem saber - por verdadeiras sessões de análise. Entender o que passa na cabeça do eleitor e o que influencia os movimentos coletivos é o objetivo da psicologia política, ciência incorporada pelo marketing eleitoral e que está por trás das estratégias na corrida pelo voto.

No Brasil, o estudo começou a ser desenvolvido há cerca de 30 anos, tendo como base, simultaneamente, as experiências de três diferentes escolas estrangeiras: uma norte-americana e duas europeias - belga e holandesa. A reunião das três vertentes dá a cara tupiniquim no caminho das urnas no cenário pós-redemocratização.

Hoje, pode-se dizer que a ciência política é indispensável para as campanhas e supervalorizada pelos candidatos, especialmente a cargos majoritários. Intuitivamente, seus princípios sempre estiveram presentes nos cases nacionais de sucesso político. É o famoso discurso do "entender o que o povo quer".

Do ponto de vista técnico, o conceito é dissecado: "É o estudo da interseção entre os fatores psicológicos e contextuais ambientais, que influem sobre os comportamentos dos indivíduos e dos grupos, dentro de diferentes tipos de categorias e de classes sociais", define o ex-presidente da Sociedade Brasileira de Psicologia Política, o norte-americano Salvador Sandoval, 59 anos, professor de pós-graduação e coordenador do núcleo de Psicologia Política e Movimentos Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

"A psicologia política parte, basicamente, do pressuposto de que o comportamento está relacionado ao contexto e aos grupos nos quais estamos incluídos, e da forma como somos vistos", completa Sandoval. Como um dos precursores dessa ciência no Brasil, ele chegou a São Paulo em 1977, durante o Regime Militar, trazendo na bagagem o doutorado na Universidade de Michigan, nos Estados Unidos.

Paralelamente, chegaram ainda os professores Leôncio Camino, espanhol radicado na Paraíba, após estudos na Bélgica, e Cornelis von Stralen, que instalou-se em Minas Gerais, vindo da Holanda. Os focos das pesquisas individuais eram, respectivamente, psicologia comunitária e da saúde.

O "triunvirato" só veio a se formar no primeiro Congresso de Psicologia Política no Brasil, em 1982. Mas apenas em 1986 houve a formalização da Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação na área, um grupo de pesquisa que existe até hoje sobre comportamento político.

"Esta matéria sempre teve no Brasil uma situação meio híbrida", afirma Sandoval. "Ela foi tradicionalmente rejeitada, porque as ciências sociais no país sempre tiveram uma ênfase muito marcada pelo Marxismo. Houve muita oposição, porque não era vista como parte social. A psicologia política era, sim, encarada como uma ciência burguesa, que é muito mais da psicologia clínica", explica. A partir do contexto histórico, o professor, cotado para reassumir a presidência da Sociedade Brasileira de Psicologia Política, faz uma análise do cenário atual brasileiro, levando ao divã os eleitores e os protagonistas da disputa.

Qual o principal destaque na mudança de comportamento político no Brasil desde a redemocratização?

É importante considerar duas gestões de um partido de esquerda, sendo o presidente um trabalhador metalúrgico. Mas a questão principal que começamos a sentir é o enfrentamento da corrupção, que dificilmente se discutia. As pessoas podem ter a impressão de que os governos são hoje mais corruptos. Mas o que ocorre é que o sistema está mais factível para que a corrupção seja desmascarada. Se não há cadeia, pelo menos assistimos ao fim de carreiras políticas. Na história do Brasil, esse é um tema novo. Nunca houve uma situação mais propícia para se discutir a corrupção e os mecanismos para contê-la como agora. Nesse sentido, há também o surgimento de entidades, cuja função é denunciar a corrupção ou a falta de transparência. E a questão da corrupção é apresentada em várias frentes, não só em termos do ex-governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, mas em outros casos, como a venda de decisões judiciárias, no Espírito Santo. Por esse motivo, inclusive, observamos a mesma evolução com a criação do Conselho Nacional de Justiça, em 2004, com o intento de tentar conter a corrupção na Justiça.

A corrupção terá maior relevância nesta eleição do que em 2006?

Sim, terá maior importância. Em 2006, o enfrentamento do tema foi enfraquecido porque o escândalo do mensalão petista envolvia também o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) e parte do PMDB mineiro. E todos começaram a ficar com medo, sem saber até onde chegaria e quem seria engolido. Quando o caso chegou ao Supremo Tribunal Federal, o PSDB entendeu que não iria muito longe. Por isso, hoje eles estão mais livres para discutir a corrupção dentro do governo atual. Até porque a atuação do PSDB foi principalmente em termos de tentar criar CPIs para tentar pegar o governo nesses casos. Uma questão inédita é a própria queda de Arruda, que foi seguida por uma difícil decisão de dez dias do DEM, de intervir no diretório para desfiliá-lo. Essa ação gera um efeito de a oposição agora poder dizer: "Nós não promovemos nossos corruptos para a diretoria nacional". A quem se referem? José Dirceu, obviamente. É por isso que, em certo momento, eles vão tentar retomar o tema corrupção.

Acredita na volta da briga de dossiês?

Será difícil não aparecer, não falarem sobre mensalão e afins.

É possível o retorno dos "aloprados"?

Haverá bastante intrigas e dossiês. Uma questão que é preciso entender é que o processo eleitoral também virou um negócio da grande mídia, em que os escândalos têm um papel muito importante. No Brasil, os veículos também se especializaram em investigar a corrupção. As diferentes notícias de corrupção, dinheiro na cueca, por exemplo, foram entendidas pela grande mídia como um negócio que traz leitores e dá muita audiência. Os escândalos políticos e o processo eleitoral viraram parte da programação. Não acho que cada candidato vai trabalhar nisso pessoalmente, até para preservar um certo "acordo de cavalheiros". Eles não serão os reveladores dos escândalos, apenas debaterão os acontecimentos, baseados nas notícias de jornais.

Qual é a relação da identificação do eleitor com o comportamento do candidato?

Alguns tipos de comportamentos políticos no Brasil não afetam muito os eleitores. Como nos casos de escândalo sexual. Se aparece uma denúncia de que Serra tem amantes ou que Dilma tem outras quatro famílias, não seria tão importante assim. Isso se viu no escândalo de FHC com seu filho em Barcelona. O eleitor brasileiro é do Carnaval. E todos sabem que essas coisas acontecem no Carnaval. Mais sérios serão considerados os escândalos de corrupção. Isso está fazendo diferença grande nos últimos dez anos nas pesquisas de opinião. As pessoas estão ficando cansadas da corrupção e acham que é isso que está segurando o progresso do país.

De que forma o marketing político pode interferir no comportamento do candidato e do eleitor?

O marketing político é importante para o candidato, porque ele sabe como é que terá de mudar sua campanha, inclusive na aparência. São muitas pesquisas feitas, mas poucas reveladas. Um marqueteiro, por exemplo, ganha milhões para fazer uma campanha. Parte desse dinheiro é para fazer pesquisas, que não são tornadas públicas. Para saber se o eleitor está gostando da barba do Lula. Se não gostam, vamos aparar. Pra entender se a capa da Veja mostra Serra como hipócrita ou se o torna agradável. O eleitor médio, por sua vez, não acompanha a maior parte das mudanças dos candidatos ao longo do período de campanha. De tal forma que a propaganda e o marketing político fazem com que o eleitorado pense que a versão final do candidato foi a que sempre existiu.

Como ficam, nesse sentido, os comportamentos de José Serra e Dilma Rousseff? Serra faz "galanteios" a Lula e Dilma parte para o ataque chamando o tucano de "biruta de aeroporto".

Por enquanto, não há maiores consequências. O fato é que o eleitor brasileiro não se mostra muito continuista. Há uma boa percentagem de pessoas que aprovam o governo Lula. No entanto, preferem Serra porque acham importante a mudança. As conversas e os comportamentos ainda estão sendo moldados, porque ainda não há definição das linhas de ataque. Eles ainda não começaram a criticar a si mesmos, na verdade. Um fala alguma coisinha, outro fala outra coisinha. Mas nenhum deles começou sistematicamente a atacar os pontos dos outros para fazer com que o eleitor pense nas falhas. O que aconteceu até agora foi por acaso. A campanha não começou a engrenar.

E o que falta para isso?

Do lado de Serra, a lacuna está na vaga de vice. E, do lado de Dilma, nas alianças estaduais. É o caso do tumulto em Minas Gerais. Lula quer a candidatura de Hélio Costa para pegar o palanque do PMDB. E os petistas estão putos com isso. O mesmo ocorre no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde o senador Aloizio Mercadante (PT) já entra superenfraquecido como candidato a governador. A verdade é que Lula fez uma série de concessões para tentar garantir a candidatura da Dilma e enfraqueceu as bases. Mas ambos ainda têm tempo para definir as estratégias.

Há a necessidade de transformação em Serra "paz e amor" para que ele tente se desfazer da imagem de arrogante e carrancudo que existe nos bastidores políticos?

Isso tem que ser feito. E não só para uma opinião pública mais esclarecida. Embora nem todo mundo tenha essa imagem dele, muito da classe política, sim. Até os aliados. Por isso ele teve de começar a mudar.

E a roupagem autoritária de Dilma?

É semelhante. Dilma começou a transformação da imagem de quadradona. Foi ao cabeleireiro e mudou o visual. Tem de parecer menos mandona e mais simpática. Ouvi falar que uma das preocupações dos marqueteiros do PT era a de refazer o visual de Dilma desde a saída do ministério para evitar o surgimento de boatos de que ela pudesse ser homossexual. Portanto, eles se apressaram em feminizá-la. Dilma, na verdade, sempre foi uma tecnocrata. Nunca se vestiu para o público. Se vestia para reuniões com executivos, em área inversa às mulheres: da engenharia, no setor elétrico. Devia ser todo mundo homem. Menos ela. Não ficava muito tempo se maquiando. Agora, tem que entrar na campanha, não pode aparentar um ser machão, como nos tempos em que enfrentava um universo predominantemente masculino.

Mas uma transformação muito significativa não pode acabar parecendo uma mutação, ou seja, prejudicial à figura dos dois?

O processo é gradativo justamente para evitar essa resposta negativa. Ela não entrou no cabeleireiro e saiu maravilhosa. Ela foi mudando aos poucos, se você reparar. Serra também, em seu estilo. Há um ano ele parecia estar trancado no Palácio dos Bandeirantes. Ninguém queria convidar Serra para um jantar ou coisa assim. Agora ele sai, aparece e está sorridente em todos os lugares.

Algum dos dois já alcançou um patamar de beleza e agradabilidade que dê resultado?

Não. Mas penso que um está dando graças a Deus pelo outro. Porque como nenhum dos dois tem condição de chegar a esse patamar, esse não vai ser um fator decisivo. Esse era um dos problemas de Lula quando enfrentou Fernando Henrique Cardoso. Por isso, Lula também sofreu uma transformação, aparando a barba, resolvendo os dentes, vestindo um terno de grife. Essa era uma comparação de campanha difícil para ele. Agora, no entanto, os dois são feinhos.

Então, se esta é a eleição dos feios, os candidatos poderão, pelo menos, elevar o nível da discussão?

A Rolling Stone foi quem disse isso! [ri]. Vamos dizer que, em matéria de beleza e supersimpatia, o patamar não vai ser muito alto para nenhum dos dois candidatos. Portanto, eles não têm que se preocupar com isso.

Nesse sentido, a entrada de um vice "senhor simpatia" faria diferença?

Aí sim. Um vice que tivesse essa característica seria fundamental. O candidato principal poderia continuar sendo o sério.

Com base no que o senhor está falando, podemos afirmar que esta será a eleição mais bizarra da história do Brasil?

Bizarra vai ser quando soubermos quem serão os vices. Porque pode dar coisas superesquisitas. Não sabemos quem será o vice de Serra. Pode ser até alguém do DEM, o que seria impressionante. Nesse caso, seria um cara que era de centro-esquerda, dos cardosistas, que não chega a ser covista, com um cara da extrema direita. Seria uma hipótese. No cenário, do lado de lá, é incrível pensar a Dilma com o deputado federal Michel Temer (PMDB-SP), talvez o mais fisiologista do país que ainda não morreu. Aí, sim, teremos uma eleição bizarra. E haverá um eleitorado que não terá quem escolher.

A candidatura da senadora Marina Silva (PVAC) conseguiria ganhar espaço diante desse possível cenário?

Sim. Por isso é que a candidatura da Marina é superinteressante. Talvez ela não emplaque. Mas entendo que por essa dinâmica ela vai receber muitos votos. Se tiverem que votar em Dilma ou Serra no segundo turno, vão votar em Marina no primeiro. Seria até mesmo um voto de protesto.

Mas com chance de surpreender os favoritos?

Pode ser uma surpresa. Mas acredito que não ganhe espaço, por não ter o poder partidário por trás dela. E também porque, até o momento, ela não fez uma campanha crítica. Só agora começa a lançar opiniões contrárias à política diplomática de Lula, como na questão ambiental. É uma pessoa a ser olhada, não porque será um desafio muito grande, mas porque pode ser uma candidata que atraia os desafetos do PT. Escolhendo Temer para vice de Dilma, será uma chapa difícil de engolir. E o petista tem um voto muito mais consciente. Quando chega o primeiro turno, vota à esquerda,mas não necessariamente à esquerda Dilma. Pode ser Marina. Por outro lado, é uma situação que não ocorre entre os tucanos. Eles não vão votar na Dilma porque não gostam do Serra ou de seu vice.

Nesse ponto, qual é o impacto da saída de Ciro Gomes do páreo?

Ciro Gomes parecia estar tirando votos dos dois, Dilma e Serra. Não é que ele prejudicava um dos dois especificamente. Mas, do jeito que ele saiu, prejudica mais Dilma. Ciro tentou sinalizar que estaria disponível a ser convidado para vice. Seria uma alternativa interessante para ambas as chapas, por ser nordestino. Ciro provocaria uma abertura maior de possibilidades.

Como Dilma conseguirá tirar o atraso em sua preparação como candidata, já que é sua primeira vez nas urnas?

Dilma deve passar os fins de semana sendo treinada, já que nunca teve que debater, por exemplo. Tem que aprender que a dinâmica dos debates é muito rápida. E esse é um grande defeito dela, por ser uma questão que só se aprende na prática. O marketing político faz esse tipo de treinamento com os candidatos, até com os mais experientes. Nessas aulas, eu já vi gente dizer: "Eu acho que o senhor é homossexual". O objetivo é pegar o candidato numa situação inusitada. E, depois que a pessoa responde, vem o alerta: "É preciso ter calma, serenidade e malícia". As campanhas sempre são cheias de surpresas.

O foco não está muito centrado nos candidatos e pouco nas necessidades do Brasil, inclusive nesta conversa?

Na verdade, iremos eleger candidatos que já foram escolhidos pelos partidos. E, por isso, as necessidades sempre estarão em segundo plano. Os candidatos já vêm com a bagagem partidária, os compromissos políticos, profissionais e interpessoais entre eles. Dentro desse quadro é que aparece o essencial. Cada um vai apontar as necessidades, da forma que lhe permitam falar. Em algumas coisas, PT e PSDB são idênticos, variando apenas na forma de propor soluções, como na política econômica e nos projetos sociais, por exemplo. Há problemas habitacionais nos estados e no plano federal, e ambos trabalharam nesses casos.

O eleitor não quer saber de propostas para o futuro?

Não acredito. Pelo menos, nesta eleição. O país está muito bem e o futuro desejado é continuar como está. No caso de Barack Obama, nos Estados Unidos, o país estava superdividido por uma guerra que não acabava e a economia dava sinais de crise, com a quebra do Lehman Brothers. O eleitor sentia uma necessidade de visão de futuro, de quem iria consertar o que Bush estava deixando para trás. No Brasil, Lula deixa o país em razoável sucesso. As pessoas vão se importar muito mais com quem dará uma continuidade a esta boa onda.

Então, debater plano de governo só dá votos em momentos de crise?

Exatamente. Esta eleição será marcada pelas personalidades e pela credibilidade, ou seja, quem o eleitor acredita que vai promover melhorias na continuidade.

Nesse sentido, o cidadão parece satisfeito com os parâmetros gerais do governo. Isso vai contra a candidatura de Serra?

Ele tem que encontrar falhas no governo Lula e fazer com que os eleitores queiram as mesmas coisas, em termos de políticas boas, mas com outro partido. Não se pode dizer muita coisa contra a política de governo atual. Serra terá que falar que é mais capacitado sem dizer que Dilma é desqualificada, apenas por nunca ter sido eleita.

Lula, por sua vez, não se pergunta: "Se eu soltar a mão dela, onde iremos parar?"

Esse é um problema a ser resolvido no curto prazo, já que Lula não poderá conduzir a campanha. Já descobriram que ela tem dificuldades de ser espontânea sem pisar em algum tomate. Portanto, ele terá de se desdobrar para ensiná-la. Já Serra é um político timbrado. Quando resolve pisar no tomate é porque quer andar naquela horta. Dilma vai pisar no tomate por falta de experiência. As provocações serão inevitáveis nesse sentido. E Lula ainda continua com o deputado Michel Temer.