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Cantada Infalível

Atrás da fachada ensolarada da série Glee bate um coração sombrio

Erik Hedegaard Publicado em 18/08/2010, às 04h09 - Atualizado em 16/07/2013, às 12h34

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Uma cena do elenco em um dos episódios. O programa também levou a uma turnê e a discos de sucesso. - Carin Baer / FOX
Uma cena do elenco em um dos episódios. O programa também levou a uma turnê e a discos de sucesso. - Carin Baer / FOX

É de se imaginar que os jovens atores de Glee sejam super-hiper-ultra interessantes. Na TV, são incrivelmente divertidos de assistir. Cantam, dançam, escondem maconha nos bolinhos que assam para vender. Eles se envolvem em tramas de extorsão que incluem roupas íntimas. Elas engravidam, mesmo sendo presidentes do clube do celibato. O seriado é maluco, um tanto ridículo e está indo tão bem que o canal norte-americano Fox o exibe em um dos horários mais cobiçados da TV norte-americana: logo após o American Idol, o mesmo programa que abriu caminho para Glee (no Brasil, a série é exibida pelo canal pago Fox). Além disso, depois de apenas 13 episódios, já se tornou uma espécie de galinha multimídia dos ovos de ouro. As covers apresentadas no seriado (como "Bootylicious", do Destiny's Child, "Imagine", de John Lennon, e "Don't Stop Believin'", do Journey) frequentemente estão entre as mais vendidas no iTunes. Seus dois primeiros álbuns entraram para a lista de mais vendidos instantaneamente, e a turnê Glee, que acontecerá no verão norte- americano, já está se esgotando. Como um crítico de TV observou, "é uma mina de ouro de merchandising!"

Naturalmente, isso empolga todos os envolvidos, embora, talvez, empolgue mais ainda o produtor executivo e cocriador do seriado, Ryan Murphy. Você pode já ter ouvido falar de Murphy. Ele é o grande gênio gay contemporâneo da TV esquisita. Em 2003, deu o pontapé inicial na trajetória de 100 episódios de Nip/Tuck. Então, em 2008, Murphy recebeu um script obscuro sobre corais de colégios, viu nele um potencial para algo diferente, apresentou-o à Fox, recebeu aprovação, contratou vários desconhecidos para os papéis principais e, com sucesso, enfrentou os confusos executivos da Fox, que, ao assistirem ao piloto, só conseguiam dizer, segundo Murphy: "Que diabo é isso? Não sei o que é. Quero me jogar de uma janela!" Desde então, o seriado venceu prêmios no Globo de Ouro e no Screen Actors Guild, ganhou um fã-clube virtual fiel composto por autoproclamados Gleeks e fez Amy Winehouse dizer: "É engraçado pra cacete!"

Por questão de sorte, acabamos na companhia de Murphy uma noite, do lado de fora do luxuoso hotel Chateau Marmont, em Hollywood. Saboreando um bife e uma taça de vinho, Murphy, 44 anos, é um personagem interessante e divertido. Começa dizendo algumas palavras sobre sua infância em Indianápolis (noroeste dos Estados Unidos). Na escola, queria desesperadamente se tornar nada menos do que o papa. "Gostava de igreja e era obcecado pela crucificação, lepra e o papa", conta. "Eu ficava em pé na igreja com os braços abertos por uma hora, fazendo penitência por meus pecados, porque você não pode ser o papa se é um pecador. As freiras disseram aos meus pais que havia algo errado comigo." Quando fez 14 anos, Murphy havia abandonado sua fixação pelo papa e começado a beber, usar drogas e fazer sexo com homens muito mais velhos do que ele. Sua primeira experiência sexual, no entanto, havia ocorrido seis anos antes: "Quando eu tinha 8 anos, um jogador de futebol de 16 me molestou. Ele era popular, e foi muito inocente. Eu me senti como Lolita de alguma forma, como se quisesse aquilo. Não foi terrível. Sempre soube que eu era gay. No ensino médio, eu me sentia amado. Eu era encrenqueiro, mas feliz."

Murphy continua explicando o que pensa de Glee. A trama do seriado gira em torno de Will Schuester (interpretado pelo veterano da Broadway Matthew Morrison), professor de espanhol no ensino médio que assume a orientação de um clube de coral patético, cheio de perdedores, e tenta fazer com que ele se torne digno de uma competição - apesar dos esforços malévolos da inimiga Sue Sylvester, treinadora das líderes de torcida (interpretada pela rainha dos comentários sarcásticos, Jane Lynch), que teme que o clube roube a glória de seu amado grupo Cheerios. "Mas sabe do que realmente se trata?", pergunta Murphy. "São quatro atos de maldade que se revezam e têm dois atos de doçura. É sobre haver muita alegria em ser diferente, e muita dor. Com Nip/ Tuck, eu tinha escrito tanto sobre sexo anal e vício em metanfetamina que, com esse seriado, fiz questão de dizer: 'Vamos dar um final feliz para as pessoas'".

Ele é um cara divertido de verdade e, consequentemente, achamos que o trio principal de adolescentes de Glee também seria assim - Lea Michele (como a ambiciosa Rachel Berry), Cory Monteith (como o atleta bobão Finn Hudson) e Dianna Agron (como a líder de torcida grávida Quinn Fabray). Ficamos sabendo de muitas coisas incríveis: alguns deles têm apelidos como Estrela Infantil e Frankenteen, alguns roubavam sons de carros e outros ficam inexplicavelmente ofendidos se você sugere que podem ser muito bons de cama. Mas estariam eles dispostos a nos entreter? Então pedimos, e foi aí que os problemas começaram, com mágoas, indiferenças, rolar de olhos e fungadas, como se eles estivessem prestes a representar uma cena sentimental particularmente melosa em Glee (e há muitas delas) - ou de volta às próprias paredes do inferno da escola.

Cheios de expectativa, encontramos Lea Michele, de 23 anos, em uma livraria empoeirada e antiga na Sunset Boulevard, em Los Angeles. Ela dá um grande sorriso e imediatamente nos abraça com seus braços minúsculos. O calor que irradia é contagiante, ela simplesmente é muito animada! Murphy diz sobre Michele: "Tem uma voz incrível e é um daqueles talentos raros na Broadway, na tradição da [Barbra] Streisand". Pelo menos ela é incrivelmente teatral, no sentido mais positivo da palavra, e provavelmente é por isso que se destaca tanto no seriado como a determinada e mal-entendida Rachel, uma garota que precisa de lições duras sobre o significado de jogar em equipe. Embora cada jovem em Glee tenha muitos números dentro dos muros da McKinley High em Lima, Ohio, quando Michele toma a frente, você só tem olhos para ela.

Agora, estamos andando atrás dela, completamente encantados. "Noite passada, estava vestida como um bolo enorme", conta. "Não posso dizer por que estava vestida assim, só que estava!" E continua: "Outra coisa que posso contar é que tenho um namorado. Ele é um cara de teatro em Nova York. De um jeito legal, não é de musicais, mas não vou falar mais nada!" Não faz mal. Também já houve boatos de que teria se envolvido com Monteith e com o ator Jonathan Groff , que aparecerá em Glee nesta temporada como um pretendente, mas que na verdade é gay. Mas o que nos importa é que ela tem nove tatuagens - entre elas, duas notas musicais de "Bohemian Rhapsody", do Queen, e duas borboletas - que mostram um lado mais obscuro e sensual. Gostamos tanto dela que mal podemos esperar para pedir que ela nos divirta. "Tenho muita energia!", diz. E está certa.

Ela atravessa lépida a rua e entra em uma cafeteria para tomar café e contar a história de como chegou aonde está. Tudo começou há duas décadas no Bronx, onde sua mãe ítalo-americana era enfermeira e seu pai judeu tinha uma delicatessen judaica, e a jovem Michele fazia testes como atriz infantil. "Ryan Murphy me deu o apelido de Estrela Infantil porque sou profissional desde os 8 anos", diz. "Tirei quatro anos para ter uma vida normal no ensino médio. Entrei para a equipe de debates e joguei vôlei. As líderes de torcida eram promíscuas, então minhas amigas e eu jogávamos tênis e futebol. Se fumei maconha? Não. Enfim, meu primeiro papel foi na Broadway, em Les Misérables. Tenho uma afinação perfeita."

Em seguida, conta sobre conseguir o papel em Glee. Em uma visita à Califórnia, foi parar em um jantar com Murphy, fez um teste no ano seguinte para o papel de Rachel, conseguiu e perguntou a Murphy: "Lembra de mim?", e a resposta foi afirmativa, pois ele havia escrito a personagem pensando nela. Francamente, soa como qualquer outra história de sucesso em Hollywood e começamos a devanear sobre a boazinha Michele na escola, e o que um cara na escola pode dizer para ela se soltar. Embora não tenhamos noção, tentamos. "Então...você faz xixi no chuveiro?" Ela congela. Por um segundo, parece que sua sobrancelha grossa e negra poderá cair com o choque. Em seguida, Michele se recompõe. "Não falo sobre coisas assim", responde com um traço de brio. Por acaso, também não fala sobre o que usa para dormir ("Isso é particular!"), ou se prefere tangas ("Uso cueca, ok?"). No entanto, revela que tem medo do escuro e dorme com a luz acesa e a TV ligada (no canal E!) e que abriu mão do sobrenome verdadeiro, Sarfati, porque tiravam sarro dela. Então, um pouco mais tarde, diz: "Tenho uma vida tranquila. Vou trabalhar, faço ginástica. As pessoas podem me achar um tédio, mas realmente não me importo, porque não sou um tédio, porque você está comigo e sabe que não sou". Sabemos? Sabemos mesmo? Frustrados, balançamos as mãos e exigimos uma prova honesta. "Entretenha-nos!", gritamos. "É o meu ganha pão," diz firmemente. "Vamos só tomar café."

"Não, você tem de nos entreter!"

"Isso não vai acontecer. Fiz um bom trabalho em te divertir na última hora, você não vai me pedir de novo, né? Dá um tempo." Não podemos. Estamos cansados de ouvir que ela cresceu assistindo Galera do Barulho, Party of Five (O Quinteto, na TV aberta brasileira) e Melrose Place e como paga o aluguel três semanas adiantado. "Ok", finalmente diz. "Consigo fazer minha língua virar uma banheira." Com isso, mostra a língua, rosa e úmida, e realmente a transforma em uma banheira, bem profunda, ao achatá-la de algum jeito e dobrar as bordas em ângulos retos. Então, franze a testa e diz: "Ih, você está com nojo!" Mas não é o caso. A verdade é que achamos isso desconcertante e não sabemos o que pensar. Um pouco depois, nós nos levantamos para ir embora, com um último pedido para Michele. "Por favor, não conte aos outros as perguntas que fiz hoje", dizemos. Ela promete não contar, mas estamos em território escolar agora e, na escola, como todos sabem, promessas são feitas para serem quebradas, frequentemente com resultados funestos e dolorosos.

Cory Monteith abre as portas de uma loja de instrumentos musicais, na Sunset Strip, em Los Angeles. Embora seja canadense, parece totalmente americano, alto, entusiasmado, com um sorriso aberto e olhos castanhos; em uma multidão de milhares de rapazes bonitos fazendo teste para uma propaganda da Gap, seria um deles. Segundos mais tarde, faz algo que diz muito sobre ele em questão de honestidade e pureza. Querendo testar uma bateria, instantaneamente dá ao balconista sua carteira de motorista, como garantia contra perda, roubo ou destruição. O balconista recusa.

De volta à rua, entra em seu Honda Civic incrementado, com janelas escurecidas, e sai alarmantemente rápido, em direção a seu lugar preferido para tomar café da manhã, em West Hollywood. Até o momento, sabemos poucas coisas sobre Monteith. Como Finn em Glee, faz um atleta que enfrenta seus colegas do time de futebol americano para se juntar ao clube de coral, tem um problema com ejaculação precoce e não é exatamente inteligente. O que fez Monteith ser notado para o papel foi um teste em vídeo, enviado pelo correio, que o mostrava fazendo um solo de bateria com alguns potes Tupperware virados. Tem 27 anos e é o mais velho dos alunos de Glee. Cresceu em Victoria, Columbia Britânica, onde foi criado pela mãe solteira, abandonou a escola na 9ª série e teve empregos como reparador de telhados e recepcionista do Walmart.

"Tenho um passado meio obscuro, digamos", conta, e começa a falar sobre como começou a beber no início da adolescência e parou aos 19. Antes, tinha sido muitas coisas, lutador de kung fu, baterista de rock e um cristão convertido que queria ser pregador. Como abstêmio, decidiu cimentar sua recém-descoberta sobriedade ao se mudar para o norte do Canadá, para a cidade de Nanaimo. Ali, começou a consertar telhados, e também fez sua primeira aula de interpretação, o que o convenceu a se mudar para Vancouver, onde passou os meses seguintes dormindo no chão da casa do professor de atuação e arranjando papéis onde encontrasse. Então, veio a fita que gravou para o teste de Glee. Depois de enviá-la, recebeu uma ligação de um diretor de elenco de Glee sugerindo que fosse imediatamente para Los Angeles. "Ainda fico absurdamente chocado", diz. "Acho que a qualquer minuto vou ser enviado de volta ao Canadá, algemado por ter roubado o som daquele carro."

"Roubado som de carro?"

Ele suspira. "Olha, abandonei a escola aos 14 anos para ficar vadiando com meus amigos e viver uma vida de crime e ignorar figuras de autoridade."

"Já foi preso?"

"Claro."

"Por crimes ou bebedeira e desordem?"

"Ambos. Quer dizer, não matei, não machuquei ninguém." É bom ouvir isso, claro. Matar pessoas provavelmente seria ir longe demais, mas seria bom ter mais detalhes.

"Você quebrava janelas para roubar o som?"

"Especificamente", diz. "Não consigo me lembrar, mas você tem de fazer o que tem de fazer, cara."

Então, sorri, e é um sorriso dissimulado, quase malandro. É um pouco chocante de se ver. Por algum motivo, faz Monteith não parecer o bom garoto de Glee, mas um Monteith diferente, desconhecido. Tudo em um piscar de olhos. Quase instantaneamente volta a seu normal íntegro e saudável. "Havia substâncias ilegais envolvidas?"

"No momento, estou ligado a Glee e acho que seria ruim para o seriado termos essa conversa." Novamente, dá aquele sorriso. De repente, é bastante aparente que ele é muito mais que um baterista bonitão. Alguns minutos depois, pedimos para que nos divirta. Ele dá aquele sorriso novamente, desta vez como se tivesse sido preparado para o pedido por algum fofoqueiro. Ele vira alguns copos e usa garfo e faca para fazer uma versão de seu teste para Glee. É decepcionante, mas deixamos passar. Temos outras perguntas para ele. "Você já deu uns amassos em alguma colega do seriado?"

"Não. Não dá para misturar negócios e prazer."

"Já deu amassos em outro homem?"

"Não! Isso é intenso, cara, não é uma pergunta que estava esperando."

"Então, cada dia é uma mulher?"

"Não, cara, tento ficar longe disso. Tento me comportar com maturidade."

"Você era uma espécie de vigarista quando moleque, um trapaceiro?" Há uma longa pausa. Monteith parece lutar contra algo.

"Muitos garotos em situações como a minha são", finalmente diz. "Você se dobra desde muito novo, é um camaleão. Eu me adaptava a qualquer ambiente. Quando me mudei para Los Angeles, não gostei, mas agora acho um lugar bem legal. Eu me misturo bem aqui, gosto disso. É uma cidade de camaleões. O que precisar ser, sou, e sou eu, e não sou eu", tenta explicar. "Sabe o que é engraçado em ser um camaleão?", continua. "Se você falar convincentemente com alguma empolgação, uma grande parte da população acreditará em você, mesmo se o que você disser for algo completamente nonsense."

Entre o elenco e a equipe, Monteith tem um apelido, Frankenteen, dado por Murphy. "É porque sou grande e estranho", afirma, "e não sou adolescente, mas estou fazendo o papel de um. Sou como o adolescente montado." E sabe quando, no começo, na loja de instrumentos, Monteith ofereceu rapidamente sua carteira de motorista como caução pelas baquetas? Naquele momento, o gesto pareceu ter algo a ver com pureza e honestidade, mas agora parece que é o que se espera que peçam dele e ele queria ser mais rápido do que o balconista, mas estava errado. Não é perfeito, mas nenhum Franken-algo é.

Um pouco mais tarde, saímos par a encontrar Dianna Agron - a Quinn de Glee, a líder de torcida grávida que vira membro do clube e ex-presidente do grupo de celibato da escola - no terraço de um hotel com vista para a cidade com todas as suas luzes majestosas, inquietantes e brilhantes. Logo, ela sai de um elevador. Seus lábios são de um vermelho-vivo e o vestido lembra um dos anos 50. Tem 23 anos e seu pai foi gerente-geral dos hotéis Hyatt, dois dos quais foram sua casa, como a personagem Eloise. Foi estudante com honras e sua carreira de atriz começou quando ela se mudou para Hollywood aos 18 anos e conseguiu papéis em seriados como Heroes, depois do qual recebeu ofertas para "filmes de terror, nudez" e recusou todas. Sua carreira quase foi preterida pela de escritora: no tempo livre, escreveu um roteiro sobre um homem que não consegue dizer "eu te amo" e o vendeu imediatamente. Então, veio Glee. "Quando escolhemos Dianna como Quinn, ela acabou com o papel para mim", conta Murphy. "Era para ser a maldita Cybill Shepherd em A Última Sessão de Cinema, digamos, mas ela a humanizou. Então, agora sua personagem tem uma consciência, uma alma e grande vulnerabilidade."

Algumas pessoas podem achar essa trajetória aparentemente fácil incrivelmente irritante, mas não é que Dianna não tenha sofrido na vida. Seu namorado de escola a traía constantemente, até que um dia ela criou coragem e disse a ele: "Foi bom andar em seu Mustang, encontre outra para rodar pela cidade". Além disso, foi a última escolhida para Glee, então os outros já haviam ficado amigos quando chegou, o que fez ainda mais terrível estar no set um dia, quando Monteith, sentindo cheiro de pum, colocou a culpa nela em altos brados. "Queria matar ele!", diz Agron. "E é por isso que nunca namoramos. Talvez. Não sei. Não que eu faça alguma alusão a isso. Nunca namoramos. Ele é como meu irmão!" Ela sabe tudo sobre nossa linha de questionamento escolar e veio preparada para enfrentar cada ataque nosso. Desde o início, não parece bom. "Não falo palavrão", afirma. "Não vou muito a festas. Já fumei, mas não sou fumante. Não fico por aí sendo insolente e arrogante. Sou uma garota boa. Olha este vestido rosa vintage de US$ 12 que estou usando. É como me visto todo dia. Já fiquei com uma garota? Alguma vez? Ai, meu Deus. Não sei. Talvez?" Não parece algo saído de uma revista adolescente? Sim, mas os jovens de Glee conseguem ser ainda mais "adolescentes". Ok, então talvez não seja prudente para eles soltar o verbo, mas seria tão ruim se abrirem um pouco mais? Ou a Fox lhes instruiu a serem limpinhos? Fazemos essa pergunta a Dianna. "Bom, fazemos o papel de colegiais", responde, "então, você não quer nos ver fazendo propaganda de muitas coisas".

Neste momento, estamos anestesiados. Desanimadamente, pedimos que nos entretenha. Ela se recusa, mas diz: "Ok, ruja como um tigre". "Quem, nós?" Ela confirma e rugimos, alto, e depois disso ela também ruge, suavemente. Nós nos sentimos meio derrotados. "Já teve uma transa de uma noite só?" "Na real, não. Só tive três namorados. E três carros." Um pouco mais tarde, Dianna graciosamente nos oferece uma carona até nossa próxima parada. Embora uma parte de nós admire profundamente o que ela diz ser, a outra não consegue deixar de acreditar que seja totalmente sacana, mas não o tipo que seu namorado filho-de-ator-famoso esperava que ela fosse. Ela é uma certinha nota dez, e tudo bem com isso também.

E esta basicamente é a história dos jovens de Glee. Exceto pela parte terrível. Ela começa de forma inocente, com uma conversa de fim de tarde no Chateau Marmont com Jane Lynch, a inestimável e cáustica Sue Sylvester em carne e osso. Jane, 49 anos, passou a última década criando uma persona cômica de muitos tons estranhos, como uma tratadora de cães lésbica supermasculina em Melhor do Show (que a tirou do mundo de papéis pequenos e dublagens), uma estrela pornô que virou cantora folk em A Mighty Wind e uma ex-viciada que vira chefe de um programa de mentores em Faça o Que Digo, Não Faça o Que Falo. Comendo uma salada Caesar, ela nos conta um pouco sobre si mesma. Foi criada nos subúrbios ao sul de Chicago, gostava de beber e dirigir quando jovem ("Era cultural! Todo mundo fazia isso!"). Sempre soube que era diferente, o que acabou significando que era gay. Formou-se em teatro na faculdade e na pós-graduação, entrou para a trupe de comediantes Second City. Conseguiu seu primeiro grande papel no cinema em O Fugitivo, em que Harrison Ford lhe deu um conselho que segue até hoje: "Não importa o quão inteligente você seja, se fica parada de boca aberta, parece estúpida. Feche a boca". Ela também, claro, já fez sexo com um homem e acha o pênis "uma das melhores coisas que existem".

Em seguida, diz "não sou sua macaca" quando pedimos para que faça algo divertido. Sim, claro, os garotos acabaram de sair da escola. Com que frequência troca de roupa íntima, quantas vezes faria sexo em um mundo ideal, se faz xixi no chuveiro - tudo isso "não é da sua conta". Estamos nos sentindo humilhados. Isto é meio que o ensino médio, então, por favor, entre nessa. Mas ela não aceita. Então, perto do fim, Lynch menciona que tem um temperamento terrível. Pedimos um exemplo. Ela obviamente sabe como alguns dos atores se sentem a respeito de nós. Ela inclina-se para a frente. "Por que você faz perguntas tão estúpidas?", solta, profundamente dentro de sua personagem. "Você se excita com isso? Vai para casa, pensa nisso e se masturba? Rimos, batemos na perna e pedimos mais, mas na verdade estamos pasmos. Essa foi uma leitura totalmente errada de nossas intenções. Não foi legal. Pouco depois ela se levanta e vai embora.

Nós a vemos sair. Não dá para evitar gostar dela, ela é completamente Sue Sylvester. Admiramos isso em uma mulher. Nós a vemos mais uma vez, no lote da Paramount, onde Glee é gravado, enquanto caminhamos com Chris Colfer, o gay de 19 anos que interpreta o gay Kurt no seriado. Ela olha para Colfer e diz: "Você não tem que responder nada que não queira". De sua parte, Colfer parece apenas confuso. Talvez não tenha sido informado - provavelmente porque só pensamos em falar com ele há algumas horas, quando nos ocorreu que Kurt é a verdadeira alma do seriado. O que Kurt parece ser é metade Murphy, que teve uma ótima experiência na escola apesar de ser gay, e metade Colfer, que teve uma experiência exatamente oposta na escola em Clovis, Califórnia. Sozinho em meio a todos os arcos de personagem até o momento, sua trajetória de saco de pancada dos atletas a pequeno herói assumido do futebol americano é significativa. É uma história que agradou ao público e, graças a isso, o papel de Colfer será ampliado na próxima temporada.

"Eu era um pouco estranho na escola", conta Colfer. "Em uma época, estava 18 quilos acima do peso, tinha sardas, e emagreci porque achei que ficaria mais popular, mas o que aconteceu foi que passei de gordo perdedor a magrelo perdedor." Ele suspira. "Meu grupo mais íntimo de amigos eram as tias da cantina." Entramos no trailer de Colfer e sentamos. Ele se senta à nossa frente, um rapaz magro com um rosto agradável e quase feminino e uma voz impossivelmente aguda que quando se ouve na TV só consegue pensar: "Realmente sou assim? O que há de errado comigo? Pareço um esquilo! Mas todas as minhas desvantagens se transformaram em vantagens", continua. "Depois do meu primeiro teste, eles me chamaram de volta para ler para um novo personagem que criaram chamado Kurt. Consegui o papel, e me disseram que o haviam escrito especificamente para mim! É surreal. Agora minha voz é quase minha marca registrada. É um milagre, e realmente reflete o que sou."

"Você já teve notícia de alguém que te causou problemas na época da escola?"

"Já", diz. "É interessante como as pessoas se esquecem de suas ações, mas eu não. Peguei nomes e números de identidade. Sabe aquela coisa de esquecer e perdoar? Nada disso, não para mim. Você pega o rancor e o alimenta e, depois, usa. Não esqueço." Não dizemos nada. Estamos encantados. Bem à nossa frente está o Glee encarnado, a coisa verdadeira, toda a experiência disso do começo até um grand finale, vivido totalmente e resolvido inacreditavelmente. Além disso, Colfer sendo Colfer é tão divertido que nos esquecemos de pedir para que nos entretenha. Ele é ótimo, está tudo ótimo. Estamos felizes.

No dia seguinte, voltamos ao set para ver a filmagem de um número de dança. Todos estão em um auditório, com os alunos sentados em bancos, incluindo Michele, Dianna, Monteith e Colfer, com quem passamos tanto tempo e sobre quem fizemos tantas perguntas. Nos bastidores, há muita coisa acontecendo. "Ouvi que algumas de suas perguntas foram bem ousadas", um produtor do seriado nos diz. "Bom para vocês." Mas essa é a perspectiva de um adulto. De outra parte, vem a informação de que aparentemente aborrecemos alguns deles o suficiente para ficarem chorosos e dizerem coisas como: "Por que alguém quer saber se faço xixi no chuveiro?" Temos nossos motivos, mas não vamos justificar nossas ações mais do que já fizemos.

Em vez disso, assistimos Matthew Morrison, 31 anos, em preparação para uma cena. Conversamos com ele ontem, quando nos contou sobre seus anos de escola em Los Alamitos, Califórnia (no último ano, foi rei do baile de formatura), sobre por que escolheu Nova York para satisfazer suas ambições de ator ("Simplesmente tinha muito respeito pelos atores de Nova York - [Marlon] Brando, James Dean, Alec Baldwin..."), sobre suas raízes no teatro ("Fiz a Broadway por muito tempo") e sobre sua época como membro da boy band LMNT ("Um dos piores anos da minha vida"). Não menciona a ex-noiva, que escreveu em seu blog: "Matthew não tem culpa de achar que MONOGAMIA era uma árvore!" Nem tentamos pedir para que nos entretenha. Só que ele é bastante divertido, mostrando-se um ótimo dançarino com um queixo invejável e fotogênico, enquanto interpreta "Ice Ice Baby", de Vanilla Ice. Logo, o resto do elenco se junta a ele. Depois disso, vem o intervalo.

Na saída, nosso quarteto de Glee nos dá um 'olá' obrigatório, vai se sentar em cadeiras marcadas com seus nomes e nos ignora solenemente. Não ficamos muito longe. Andamos para lá e para cá, passamos por eles na área do bufê. Eles riem entre si, mas não nos convidam a participar. Em um momento, Michele passa por nós e nem nos olha. Então, Dianna, no telefone, olha em nossa direção e nos ignora. Estamos nos sentindo incrivelmente esquisitos e desconfortáveis. Na verdade, estamos nos sentindo exatamente como os personagens de Glee se sentiam antes de entrar para o clube de coral e se encontrarem. Sozinhos, ínfimos, indesejáveis, tristes, excluídos. Estamos nos sentindo totalmente estranhos e apavorados. Poderíamos ir até eles, mas não sabemos como. São um grupo, uma panelinha - e nós somos apenas nós. Não estamos mais na escola, todas as teorias já se foram. É uma droga ficar aqui, de verdade. Nossa pele dói, não é brincadeira, e nos sentimos particularmente traídos por Colfer. O que fizemos a ele? Só que entendemos - está com o primeiro grupo de amigos que fez na vida, e os está defendendo. Até que é bonito. Só queríamos que a situação fosse diferente. Agora, estamos começando a nos arrepender de nossa linha de questionamento. Esta é a vida real. Agora, tudo o que mais queremos é que eles gostem de nós.