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José Padilha

Diretor do maior fenômeno pop brasileiro da década, o cineasta José Padilha protege a todo custo os segredos de Tropa de Elite 2, filme em que pretende, enfim, “encerrar logo esse assunto”

Por Rodrigo Salem Publicado em 18/10/2010, às 19h15

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Diretor do maior fenômeno pop brasileiro da década, o cineasta JOSÉ PADILHA protege a todo custo os segredos de Tropa de Elite 2, filme em que pretende, enfim, "encerrar logo esse assunto" - Foto André Klotz
Diretor do maior fenômeno pop brasileiro da década, o cineasta JOSÉ PADILHA protege a todo custo os segredos de Tropa de Elite 2, filme em que pretende, enfim, "encerrar logo esse assunto" - Foto André Klotz

Você nunca sabe como vai encontrar José Padilha. Conheci o diretor em 2007, quando ele me recebeu em sua produtora, na frente de uma pacata e escondida pracinha no Jardim Botânico, Rio de Janeiro. Dentro da casa, o caos. Padilha corria para todos os lados, atendia telefonemas, me chamava para almoçar no posto de gasolina e aprovava artes. Até uma ligação mudar tudo: ele recebeu o nome do sujeito que vazou a cópia não finalizada de Tropa de Elite, sua primeira ficção, para o mercado negro. "Olha aí, você está no meio do furacão agora", me disse o cara magro e agitado, sempre de boné, enquanto outros jornalistas ligavam para saber mais detalhes. O segundo encontro, em um novo escritório carioca, foi mais tranquilo. Padilha já estava com o Urso de Ouro do Festival de Berlim na prateleira e terminava seu novo documentário, Garapa. O celular vibrava com ligações internacionais. Mas nunca vi Padilha tão relaxado quanto no dia em que combinamos de nos encontrarmos em São Paulo para falar sobre Tropa de Elite 2 , a continuação das aventuras, se é que podemos chamar assim, do Capitão Nascimento (Wagner Moura) e do Batalhão de Operações Especiais (Bope) que virou um fenômeno pop, gerando hits musicais e bordões para todos os lados. Não sei se era o fato de estar em campo inimigo ou a certeza de ter tomado todas as medidas necessárias para a sequência não cair nas mãos dos camelôs na hora errada. O cineasta pacientemente fez um ensaio de fotos ("Só não faço poses") e brincou com uma das assessoras antes de entrarmos na sala de reunião par a uma longa entrevista: "Qualquer coisa, eu grito". Bem mais tranquilizador do que "Pede pra sair".

Você falou que todo mundo está tendo uma ideia errada sobre Tropa de Elite 2, que não seria um filme de polícia. Sobre o que é o filme, então?

Eu estava vindo para cá pensando exatamente isso. Como vou dar uma entrevista sobre um filme que não saiu, sem entregar o roteiro e sem repetir os assuntos do primeiro? Dei uma entrevista sobre pirataria há pouco tempo, espero que não seja uma premonição [risos]. Tudo bem, a culpa é minha de não ter o filme para mostrar...

Ele estava previsto para a gosto e foi adiado para outubro. O que houve?

Atrasou [pausa]. Aliás, não atrasou, foi um filme muito rápido. Mas agosto era uma daquelas previsões bastante otimistas, sabe? Igual a quando a gente tem um orçamento mensal, diz "vamos comprar esse carro, jantar em um restaurante caro" e se fode no final [risos].

Mas você acabou não respondendo sobre o que é Tropa de Elite 2.

Eu acho que Tropa de Elite 2 é o que me falta para falar sobre segurança pública no Brasil, mais especificamente no Rio de Janeiro. Não estou esgotando o assunto, mas estou apenas completando o que eu quero dizer, que é muito menor que a complexidade da polícia no mundo real. Em Ônibus 174, que também faz parte da equação, eu falo sobre como o Estado participa na formação da violência pelo lado dos criminosos, dos marginalizados, como os meninos de rua são maltratados, como a Febem não funciona e as cadeias estão lotadas. O primeiro Tropa de Elite é a mesma coisa, mas pelo outro lado: como o Estado administra mal a polícia, remunera baixo os policiais, tolera uma organização com enormes taxas de corrupção, treina policiais violentos e aceita tortura? Os dois filmes, juntos, dizem: a violência urbana é muito alta porque fazemos isso a nós mesmos. Já Tropa de Elite 2 tenta dizer a razão de o Estado funcionar assim. O que há por trás desse comportamento? Por que a política brasileira conduz o assunto da violência urbana dessa maneira? O filme não foca na microrrelação entre o policial e o criminoso, seja no ônibus, seja na favela. Ele foca a Secretaria de Segurança Pública, onde está a verdadeira origem do problema.

Então é verdade que o Capitão Nascimento é o Secretário de Segurança do Rio de Janeiro na sequência?

É uma pergunta difícil de responder, porque o filme se passa em cinco anos. Nascimento vira três coisas diferentes durante o longa.

O personagem é um dos poucos ícones da cultura pop cinematográfica brasileira. Não teve medo de estragar isso ao fazer a continuação?

Não, eu não tenho medo do Capitão Nascimento [risos]. Eu diria, na verdade, que houve uma falta de temor. Se você pensar, o arco dramático do primeiro filme é protagonizado pelo André Matias [vivido por André Ramiro]. Ele começa bonzinho e termina mau. No segundo Tropa, o arco é do Nascimento, então estou fazendo exatamente o que eu não faria se tivesse um respeito icônico pela figura do Capitão Nascimento. Ao mesmo tempo, não acredito que transformar um personagem com experiências de vida vai torná-lo menos icônico.

Nem mesmo sobre as frases que se tornaram parte do vocabulário do brasileiro? Você vê de milionários a pessoas humildes falando os bordões de Tropa de Elite.

Engraçado. O Bráulio [Mantovani, roteirista dos dois filmes] me ligou um dia desses, porque alguém estava fazendo uma reportagem e queria saber como a gente cria os bordões. A gente não cria porra nenhuma! Nós escrevemos o roteiro, mas se o público transforma isso num bordão não é algo que fazemos conscientemente. Eu penso no que seria uma boa frase para tal personagem. Mas é uma frase usada pela polícia. "Pede para sair" não é algo à toa, mas do Bope. Ela define toda a situação que aqueles caras estão vivendo. Eu só tento fazer um bom filme, o resto foge de meu controle.

Tudo bem, mas você não sabia o que ia acontecer antes de lançar o primeiro Tropa de Elite. Agora, a situação é diferente. Há uma expectativa do público...

Mas eu continuo sem saber o que v ai acontecer, porque eu não repeti a fórmula. Estou falando a verdade, não estou tentando ser humilde. O filme é muito diferente do anterior.

O primeiro tinha uma pegada política, mas era repleto de cenas de ação. O segundo parece ser um pouco mais engajado.

Filme político não faz público. Já filme de ação, se for bom, tem chance de ser um sucesso. Tropa de Elite era uma obra que ninguém conseguia rotular direito. Adoro mostrar que a categorização está errada. Procuro fazer o melhor filme possível.

Mas é bem mais bacana o filme sair no meio das eleições, não é?

Confesso que seria muito legal se ele saísse no meio da eleição presidencial, mas pode ser que não tenha um segundo turno. Mesmo se não acontecer, não tem problema. Outubro não tem Harry Potter!

Quando decidiu fazer o primeiro Tropa de Elite, você chamou a equipe que coordenou a s cenas de ação de Falcão Negro em Perigo. Mas lembro que você também falou que "ia aprender para fazer sozinho". Você aprendeu tudo para o segundo filme ou chamou os americanos?

Chamei, eu sou burro e demoro pra caralho para aprender. Então, trouxe a equipe para mais umas aulas. As cenas de ação de Tropa de Elite 2 são diferentes, porque parte do filme se passa no presente e tenho outro equipamento par a brincar. M as não come ti o erro de ficar comparando as sequências de ação dos dois filmes. Não entrei nessa de achar que Tropa de Elite fez sucesso por causa delas.

E qual é a grande cena de ação da continuação?

Tem uma que achei bastante legal, por que, quando expliquei para os americanos o que eu gostaria de fazer, eles falaram que precisaríamos de uma semana para finalizar. Mas terminamos em um dia, com duas equipes trabalhando separadas, uma no helicóptero e outra em terra. É a mesma sequência, mas vis ta de dois ângulos completamente diferentes. Ficou incrível. Também gosto muito da cena que fizemos em estúdio, da rebelião em Bangu 1. F oi uma experiência profissional diferente.

Você precisou interromper as filmagens por causa das enchentes no Rio. O fato do longa se passar n o presente não o deixou suscetível a mudanças constantes no roteiro?

Eu não me impressiono muito com políticas de curto prazo e sei que elas não vão transformar radicalmente a sociedade a ponto de o meu filme não representar a realidade atual. O filme não é sobre tráfico, como estão dizendo, mas sobre o fundamento da violência urbana.

Logo depois do primeiro filme se tornar um tremendo sucesso, boatos de uma série pipocaram por todos os lados. Mas não rolou nada. O que houve?

Havia um monte de propostas circulando e a gente conversou com várias emissor as para uma minissérie do Tropa de Elite , mas vi que não teria o controle e o tempo de execução era tão longo que ia a trapalhar os outros projetos que eu tinha. E, conversando com Wagner [Moura] e Bráulio, chegamos a conclusão de que, se a g ente fosse fazer alguma coisa com um personagem com um poder tão grande de comunicação, precisaríamos comunicar algo que interessasse. Queria encerrar logo esse assunto, fechar a tampa.

Você está dizendo que Tropa de Elite 2 fecha a tampa? Não há espaço para outro filme, série, nada?

Vou fechar a tampa. Acho que você vai entender quando vir o filme.

Quando nos encontramos, ano passado, você estava escrevendo um thriller passado na tríplice fronteira para um grande estúdio norte- americano. Você ouviu falar que a Katherine Bigelow (Diretora de Guerra ao Terror) está com planos parecidos?

Ela fez um ótimo filme, mas não sei se conseguirá fazer um longa sobre a tríplice fronteira. Eu tentei fazer nos Estados Unidos, mas não é fácil adaptar o roteiro de forma a mostrar o que acontece por lá com os desejos do estúdio. Eu não consegui, não chegamos a um resultado que eu gostasse e o estúdio gostasse em termos comerciais. Terminamos como bons amigos. O projeto era sobre tráfico, mas com enfoque no terrorismo par a ser vir ao público americano. Eu tinha inventado uma sequência muito legal. Estou quase ligando par a Katherine Bigelow para sugerir isso.

Ela g anhou o Oscar por Guerra a o Terror. Quem sabe?

Sabia que ela queria adaptar Tropa de Elite para Mercado o americano?

Sério? Como foi isso?

Foi antes de Guerra ao Terror. Temos amigos em comum e ela teve essa ideia, mas não rolou. Não acho que seja um filme adaptável para os Estados Unidos. Mas ela é muito inteligente, talvez tenha visto uma maneira de executar que eu não tenha vis to. Quem sabe uma polícia de Dallas que invade o México para matar traficantes. Não dá par a ser politicamente correto, porque o Bope não é politicamente corre to. E quantos filmes a gente vê politicamente incorretos hoje em dia? Cada vez menos. Borat, talvez [risos].

Você acha que a pirataria prejudicou muito Tropa de Elite?

O Ibope mediu quantas pessoas acima dos 16 anos tinham assistido ao filme. O resultado ? 11 milhões viram Tropa antes da abertura nos cinemas. O instituto perguntou quantos iriam ao cinema e 6 milhões poderiam ter ido se não tivessem visto o longa. Mesmo com um índice de erro de 2%, perdemos mais de um terço do público [Tropa de Elite fechou com 2, 5 milhões de espectadores].

Para finalizar, por que Tropa de Elite 2?

É uma boa pergunta [risos]. Quero que as pessoas questionem mesmo, porque a resposta será dada na estreia.