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Leo e seus Monstros

Ele tem uma vida de estrela e o papel dos sonhos em A Origem. Então, o que tanto preocupa Leonardo DiCaprio?

Por Brian Hiatt Publicado em 18/10/2010, às 21h25

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Mark Seliger
Mark Seliger

Ontem, Leonardo DiCaprio sonhou com monstros. Um a um, eles partiram para cima dele - "criaturas ferozes e intensas" - e, um a um, ele os dominou. O mais recente filme de DiCaprio, A Origem, se passa quase totalmente dentro de sonhos surreais, mas ele raramente se lembra dos próprios. Esse em especial o impactou. "Eu usava luvas enormes", ele explica na noite seguinte, um pouco envergonhado, "e tinha que colocar a mão na boca deles enquanto esses monstros tentavam me derrubar. Eu tinha de cronometrar perfeitamente enquanto eles giravam à minha volta - caso contrário, teria causado uma destruição em massa". Quando seu alarme tocou, às 9h45 - ele dorme até tarde quando não está fazendo filmes -, DiCaprio havia derrotado os demônios e salvado o mundo. Acordou em sua casa em Hollywood se sentindo muito bem consigo mesmo.

O ator sabe que nenhum sonho poderia ser mais improvável do que sua própria

história de vida. Ídolo adolescente aos 17, indicado ao Oscar dois anos depois, o cadáver congelado mais lucrativo na história do cinema aos 23 (em Titanic) - e fugiu de tudo isso na última década, mergulhando em atuações cada vez mais sombrias e complexas, tornando-se a "musa" pós-Robert de Niro do diretor Martin Scorsese.

Ele colhe os louros do estrelato - cerca de US$ 20 milhões por filme, namoradas top models (mais recentemente a bela israelense Bar Refaeli, de 25 anos) - sem o comprometimento artístico que normalmente o acompanha: nada de franquias, superheróis piratas ou naves espaciais. "Considerando tudo o que já aconteceu na minha vida", ele afirma, "acho que sou uma pessoa bem equilibrada que se manteve feliz, e não deixei minhas falhas se sobreporem à melhor parte de mim. Estou realizando as coisas que queria e ainda estou são".

Só que Leo pensa demais. Fica ansioso, preocupado que não está acompanhando a natureza cada vez mais corporativa de Hollywood, que os dramas ambiciosos e proibidos para crianças que prefere estejam ficando impossíveis de financiar (um motivo pelo qual ele ainda não sabe qual será seu próximo filme). É um ativista ambiental engajado que tem um medo genuíno da possibilidade de oceanos devastados e apocalipse pós-pico do petróleo.

Mas o que realmente o deixa preocupado são as pequenas coisas. Enquanto se prepara para ir para casa, ele faz um ritual de checagem: "Telefone na mão, estojo de charuto na mão, carteira e chaves do carro ali", murmura, levemente evocando seu desempenho como Howard Hughes em O Aviador. Seu estômago revira com "coisas realmente estúpidas, que não deviam te deixar nada ansioso. É louco como sua mente se torna esse banco de dados que te faz ficar preocupado com coisas tão arbitrárias. Tenho uma vida bem organizada e penso muito no que faço, e então, sabe, meu estômago fica... Daí, fico sentado, ansioso com alguma coisa ridícula. Você tem de parar e dizer a si mesmo 'Não vale a pena"'. Quaisquer que sejam os demônios que se embrenham na psique de DiCaprio, seja lá quais forem as raízes de suas preocupações, ele não revela. Ou, apesar de anos começando e interrompendo a terapia, ele ainda não saiba. Mas é difícil não concluir que você vê muito disso na tela, nos papéis para os quais ele é repetidamente atraído: caras arrogantes e encantadores que desmoronam sob pressão, figurões decadentes, mártires assombrados, velhos antes de seu tempo. "Obviamente, tenho isso dentro de mim, e só quando fui empurrado para fazer isso muito novo percebi que poderia", conta. "É uma libertação - poder encenar esses momentos é uma forma de terapia." Seus personagens acabam mutilados, torturados, viciados, insanos, lobotomizados, enviuvados; morrem em oceanos congelados ou em selvas africanas. "Faz tempo que não morro em um filme", protesta DiCaprio, citando os filmes nos quais sobreviveu: "Os Infiltrados, Rede de Mentiras, Foi Apenas um Sonho, A Ilha do Medo e A Origem." Ele faz uma pausa. "Acho que morri em Os Infiltrados."

Dicaprio gosta de pedir dois drinques por vez, um com cafeína e um com álcool. Uma espécie de equilíbrio. Agora, em um restaurante em West Hollywood, isso significa que ele tem um café e uma vodca com refrigerante à sua frente, perto de uma pilha de seus objetos: um charuto Montecristo Open Master embrulhado em plástico, óculos Carrera, carteira, BlackBerry. Cobre seus olhos azuis translúcidos, que olham para uma TV que mostra os resultados da Copa do Mundo, com um boné.

Ele perdeu a beleza delicada que inspirou Marlon Brando a resmungar "parece uma menina" - seu rosto está mais cheio e ele parece mais moreno, como se os genes italianos do pai estivessem superando os alemães da mãe. Aos 35 anos, finalmente parece ter sua idade. Há rugas em volta dos olhos e linha de preocupação entre a s sobrancelhas. "Não penso nisso - está além do meu controle", diz, rolando os olhos com a ideia de que endureceu deliberadamente na tela. Ele não é especialmente vaidoso - quando não está treinando para um papel, nem se exercita tanto, só joga basquete com os amigos. Seu cavanhaque de folga se funde com um pouco de pelos abaixo do queixo de uma forma que parecia desleixada em praticamente todo mundo, e a camisa preta está desabotoada no colarinho, expondo um peito liso e bronzeado. A aparência geral, completada por jeans, tênis Nike e meias brancas, deveria dizer "universitário envelhecido", mas há algo de elegante em sua presença. "Ele tem essa qualidade atemporal, como um Jack Nicholson ou um Al Pacino", afirma Christopher Nolan, diretor de A Origem. "Ele vai ser um astro de cinema para sempre."

Mesmo quando não está realmente dizendo muito, pode ser fascinante ver DiCaprio falar. Seus traços são incrivelmente expressivos, revelando meia dúzia de emoções em poucos segundos. "Leo é um grande ator de filmes mudos", diz Scorsese, que usou DiCaprio tantas vezes na década passada que você praticamente esperaria vê-lo tocando pandeiro em Shine a Light, documentário sobre os Rolling Stones dirigido pelo cineasta. Scorsese dá como exemplo a cena em Os Infiltrados, onde, como o policial disfarçado Billy Costigan, DiCaprio cuidadosamente circula um celular que acabou de receber uma chamada do número de um colega assassinado. "Olha o rosto dele! Ele literalmente sabe, naquele momento, que é um homem morto: Como se meteu nessa situação? O pânico e a paranoia, e a tentativa de se manter calmo, o que fazer - está tudo em seus olhos!" Na vida real, essa habilidade torna DiCaprio escorregadio. "Uso isso todo dia, o tempo todo", afirma. "Se você tem a capacidade de convencer alguém de alguma coisa, isso é algo valioso. Não que eu seja um mentiroso contumaz, mas passamos a maior parte do dia não sendo totalmente honestos, sabe?" DiCaprio leva a xícara de café aos lábios e toma um gole. "Ahhhh", diz, com teatralidade ridiculamente afetada. Mantém o rosto sério por alguns segundos, depois ri, temporariamente abaixando a guarda. "É bom e quente", continua, depois dá outro "ahhh!" À primeira vista, A Origem parece uma chance de relaxar: é a primeira vez de DiCaprio em qualquer tipo de filme de fantasia ou ficção científica em seus 20 anos de carreira, além de ser seu primeiro filme focado em efeitos especiais desde Titanic. Tudo indica que será um dos maiores sucessos de 2010. "Provavelmente será meu segundo filme mais lucrativo," ele diz, encolhendo os ombros alegremente.

Só que este é um filme de ação complexo e cerebral, e seu personagem tem segredos obscuros que estão destruindo-o. "É uma jornada catártica, uma enorme sessão de terapia", a firma DiCaprio, que passou dois meses destrinchando o roteiro com Nolan, adicionando camadas ao personagem, frequentemente desfavoráveis. "Leo quer explorar a verdade do personagem, independentemente do custo à sua imagem", conta Nolan. "É o oposto do que se espera de um astro de cinema."

O que é mais adorável na presença recente de DiCaprio na tela é que ele obviamente não se importa se você o ama. Mas, ao mesmo tempo, criou uma personalidade pública tão digna e controlada que beira a amargura - como se não fosse mais o cara que ia abaladas constantemente com amigos como Tobey Maguire e Kevin Connolly (colunas de fofocas chamavam o grupo de "Pussy Posse" [algo como " bando d a b oceta" ], um termo que ele detestava e jura que nunca usou). Leo exige uma conexão emocional intensa com seus papéis - e recusou atuar n as franquias Homem-Aranha e Star Wars exatamente por esse motivo. "Amo ficção científica, mas tenho dificuldade em ter empatia por personagens em uma galáxia muito distante", conta. O sucesso de Titanic lhe deu alforria disso tudo, e Leo está determinado a usá-la sabiamente. "Escolher filmes é a única coisa na minha vida na qual não há comprometimento", ele afirma. "Não estou nem aí. Não mesmo, porque eu ficar ia triste demais em fazer algo no qual não acredito."

Na semana seguinte, Dicaprio está dirigindo seu Lexus preto - quer dizer, estaria dirigindo se suas mãos estivessem no volante. Em vez disso, ele gesticula amplamente enquanto discute um de seus muitos projetos ambientais - uma campanha para tornar tigres os maiores exemplos de espécies ameaçadas de extinção ("Há apenas 3.200 deles na vida selvagem, e eles são estrelas, tipo o Tom Cruise dos animais") - ocasionalmente se lembrando de manter o carro na pista. Desde que terminou de rodar A Origem há nove meses, DiCaprio não trabalhou em um filme. "Não tenho problema nenhum em não trabalhar", afirma. "Se não posso fazer os filmes que quero, vou fazer outra coisa."

A atual folga de DiCaprio é uma de suas mais longas desde um intervalo de dois a nos a pós Titanic, quando u sou s eu tempo livre d e forma um tanto diferente. "Eu me diverti muito quando era jovem", diz, com um sorriso amplo e nostálgico que sugere que nem imaginamos o quanto. Ele tem pena dos Zac Efrons e Taylor Lautners do mundo. "Consegui ficar louco e não sofri tanto quanto as pessoas sofrem agora, tendo de ser tão cuidadosas a ponto de perder a credibilidade. Não me importava o que os outros pensavam. Quanto mais gente dizia 'Leo não está trabalhando, está por aí com os amigos', mais eu queria fazer isso. O mundo era nosso parque de diversões."

"E também se tratava de evitar o furacão da possível queda", ele acrescenta. "Era algo como: 'Uau, que sorte de eu não ter andado com aquele grupo ou não ter feito a quilo'. Meus dois principais concorrentes no início de carreira - um se enforcou e o outro morreu de overdose de heroína... Nunca curti drogas. Não há casos em que estou deitado numa poça do meu próprio vômito em um quarto de hotel. Tome um drinque, fume um cigarro, isso é suficiente. A vida é excelente, não jogue tudo fora."

Ele esperava e star c asado e com filhos nesta idade, m as sua carreira, " esta montanha-russa", tomou conta. "Eu me sinto como se tivesse 70 anos sentado aqui", diz DiCaprio, começando a falar com uma voz idoso: "'Não tenho família, não tenho fi lhos. Este grande monstro de Hollywood me comeu e me cuspiu', Não é o caso. Tudo acontece no tempo certo", Ele não fala sobre Bar Refaeli ou sua antecessora, Gisele Bündchen, e as poucas respostas que dá sobre o assunto são enxugadas quase o suficiente para aparecer em uma revista para adolescentes:

1) Correr atrás de mulheres era mais divertido antes de Titanic. " Eu tinha mais sucesso em conhecer garotas antes disso. Minhas interações com elas não tinham nenhum estigma por trás, sem falar que não havia a percepção de que ela só falava comigo por um motivo."

2) O festival de maravilhas genéticas que é sua vida amorosa não impede que ele ache garotas comuns mais bonitas. "É claro que não", diz, talvez um pouco enfaticamente demais.

3) "Quem eu namoro sempre depende extrema mente da personalidade além da atração. Tem de ser as duas coisas, caso contrário não vai durar de jeito nenhum." DiCaprio diz que não se sentirá um adulto de verdade enquanto não se acalmar. "Isso vai acontecer, é só uma questão de quando e como. Alguns dos meus amigos têm dois filhos e sua vida mudou. Esse vai ser um salto enorme."

Crescendo em bairros difíceis a o leste de Holly wood, DiCaprio era, conta, "essencialmente um a não com a maior boca do mundo". Tem 1,85 m, mas s ó chegou perto dessa altura a os 16 anos. Enquanto isso, apanhou mais do que devia nos playgrounds. "Eu retrucava qualquer pessoa e sempre estava disposto a brigar, e, quando você diz para um garoto três anos mais velho para ir tomar naquele lugar, acaba apanhando."

Nunca foi diagnosticado com déficit de atenção, mas era definitivamente hiperativo, incapaz de se concentrar na escola. Irritante também. "Eu era um inútil, sem dúvida nenhuma", diz DiCaprio, soando um tanto orgulhoso d isso. " Nem tanto p ara meus pais, mas para qualquer autoridade, e com certeza para outros garotos. Precisava ser ouvido e era pequeno demais para conseguir qualquer respeito."

Os pais hippies de DiCaprio se separaram quando ele era criança, mas continuaram próximos, na maior parte do tempo vivendo no mesmo bairro, a um quarteirão de distância. Sua mãe, Irmelin, era secretária forense. O pai, George, era uma figura importante na cena de quadrinhos underground que passou a ganhar a vida como distribuidor para grandes lojas de HQ. Nos anos 70, George escreveu uma série de histórias obscenas e bastante elogiadas chamada Greaser. "George foi um dos melhores que existiram," afirma Harvey Pekar, lenda dos quadrinhos, que Leo se lembra de ver dormindo no sofá do pai (Pekar deu o depoimento três dias antes de morrer). "É um ótimo cara - priorizava Leo tantas vezes." Na época, George também era bastante amigo do escritor C harles B ukowski (empurrava Leo no carrinho para visitá-lo) e do psicólogo Timothy Leary, que celebrou seu segundo casamento.

Quando criança, DiCaprio ia com seu pai a lojas de quadrinhos por toda Los Angeles. Com isso, virou fã de personagens inadequados para sua idade, como o Checkered Demon de S. Clay Wilson, um diabo chifrudo cujas aventuras frequentemente eram pornográficas. "Eu escondia aquilo dentro de um exemplar do Homem de Ferro," lembra DiCaprio. Leu muitos quadrinhos da Marvel também - para alguém que evita filmes de super-heróis, ele conhece muito sobre os personagens: jogando gamão certa noite, diz "Bamf" cada vez que move uma peça - uma referência obscura e extremamente nerd a uma onomatopeia típica das histórias dos X-Men.

Seus pais nunca tinham muito dinheiro, e seu bairro era perigoso o suficiente para DiCaprio ter de sair sozinho. "Era ruim - eu ficava muito em casa", conta. "Minha mãe sempre diz que eu exagero, e respondo: 'Mãe, você está totalmente enganada'. Saía para comprar doce e havia um cara parado ali com qualquer droga que você possa imaginar no casaco. E também havia todas as prostitutas saindo do hotel."

DiCaprio se irrita com a ideia de que possa ter se ressentido com os pais por ter sido criado por eles nesse ambiente. "Eles sempre me protegeram muito," afirma. "Não poderiam ter sido pais melhores. Graças a Deus nada de ruim aconteceu." Leo reconhece que eles o ajudaram a sobreviver à fama sem se autodestruir. "Meus pais me deram liberdade total. Não tinha nada contra o que me rebelar, então não fiz isso".

Sem motivo algum, Dicaprio começa a cantar o tema do seriado Cheers. Tem meio copo de cerveja Hoegaarden em uma mão, um charuto pela metade na outra e está no pátio externo do Goal, um bar de esportes chique de West Hollywood do qual um dos donos é seu velho amigo Jonah Johnson, que foi seu assistente pessoal durante A Origem. Momentos atrás, outro grande amigo, o ator Lukas Haas, que começou a carreira como o garoto Amish no filme A Testemunha, derrotou DiCaprio em um jogo de gamão. Os dois se chamam muito de " bro" ("mano"). "Com as pessoas com quem sou próximo", conta DiCaprio, "ainda sou um inútil".

Após cantar a música, ele começa um monólogo falsamente sério. "Qual é a ' Nona Sinfonia' dos temas de seriados dos anos 80?" Há 'Movin' on Up', e 'Welcome Back, Kotter', mas elas não têm o peso de Cheers, a profundidade emocional, a infl uência de tristeza, v ida, felicidade, tudo incluído em uma área onde um homem pode tomar uma cerveja."

O próprio DiCaprio foi astro de um seriado dos anos 80, Growing Pains - embora tenha sido no início dos anos 90, quando o programa estava sufi cientemente desesperado para colocá-lo no ar como um garoto sem-teto bonitinho que se muda para a c asa da família Seaver. De maneira improvável, DiCaprio foi direto de Growing Pains para o papel principal em Despertar de um Homem (1993), contracenando com Robert De Niro. Ele ainda é grato aos produtores do seriado por não o amarrarem a seu contrato, o que lhe afastaria do filme que mudou a trajetória de sua carreira. DiCaprio não entendeu inicialmente o tamanho do salto que estava dando. Recentemente, encontrou Ellen Barkin, que fez sua mãe no filme. "Ela lembra que almoçamos depois de um dos testes finais, e eu estava agindo como se já tivesse ganho o papel. Ela pensou: 'Quem é esse menino, por que está agindo como se os testes já tivessem terminado?'."

Quando conseguiu o papel, Leo percebeu que era hora de ficar sério. "Pude assistir a Robert De Niro - seu foco, sua capacidade de improvisação, todos os detalhes minúsculos. Nunca tinha visto nada parecido." Na época, DiCaprio aprendeu rapidamente sobre história do cinema, passando três meses vendo filmes na pequena TV em seu quarto, andando de skate até a videolocadora para a lugar mais. "Não tinha visto Touro Indomável, não tinha visto Taxi Driver, então, bam!, comecei a assistir a esses filmes. Fico impressionado, penso nas pessoas que os influenciaram - James Dean, Montgomery Clift, Marlon Brando e todos esses caras vulneráveis dos anos 50 que abriam o c oração na tela, tocando jazz pela primeira vez como atores. Eu disse para mim mesmo: 'Esses são o tipo de filme que quero fazer, o tipo de trabalho que quero alcançar'. E isso não mudou."

Sentado na parte de fora e m uma noite fresca, DiCaprio está totalmente visível para os passantes, que nos interrompem várias vezes enquanto fumamos e conversamos. DiCaprio lida com isso graciosamente, mesmo quando um homem lhe pergunta, do nada, se ele j á f oi a u ma p izzaria e m B oston. Quando DiCaprio faz contato visual com um grupo de garotas bonitas de 20 e poucos anos, elas param. "Não somos aquele tipo de meninas", uma delas diz, pedindo uma foto para uma amiga que, dizem, passou por uma cirurgia no cérebro naquele dia. Ele posa. Mais tarde, uma cinquentona bem vestida se aproxima, fala "Amamos você" e vai embora.

No pico da titanicmania, DiCaprio nem estaria seguro em um local tão exposto. Na época, voou para o Japão com apenas um guarda-costas e encontrou 25 mil adolescentes esperando por ele no aeroporto. Em casa, seis minivans cheias de paparazzi o seguiam a todo lugar, m as ele nunca levou isso muito a sério. "Era como se houvesse uma entidade separada", diz. "Algo como: ' Tenho meu próprio segredo, porque estou vendo o apego das pessoas a esse personagem, mas também estou dentro de mim mesmo, sabendo que estão falando de outra pessoa'. Sem querer usar uma referência de James Cameron, mas era um pouco como estar em um avatar." Ele se encolhe. "Isso vai soar desaforado, como: 'Ah, eu era uma porra de um avatar'. Esquece isso, já estou passando mal."

Está ficando tarde e DiCaprio tem de ir para casa arrumar as malas para uma viagem por vários destinos, junto com pelo menos um de seus manos. A primeira parada é a África do Sul, onde, diz-se, atazanará M ick Jagger com uma vuvuzela durante a Copa do Mundo. Seu amigo Vincent Laresca, que atuou em Romeu + Julieta com ele, tenta convencer DiCaprio a beber mais em um bar ali perto. " Um pouquinho de Truzy?", pergunta Laresca. "Alguns drinques de cavalheiro?"

"Vou descansar, cara", diz DiCaprio. "Estou exausto." Laresca balança a cabeça, sorri, olha para mim e diz: "Ele está ficando velho".

Há pouco tempo, Dicaprio quase morreu. Estava em um tour ecológico nas Ilhas Galápagos, mergulhando. " Estava seguindo um cardume de arraias douradas que s e encontraram com 30 arraias pintadas", ele lembra, tomando um gole de cerveja. "Estava tentando tirar umas fotos com uma câmera antiga."

Leo ficou empolgado e se afastou do grupo. "Olhei para baixo, porque estava fazendo muito esforço, e acho que os tanques não foram amarrados direito, e tinha, tipo, 40 libras de pressão." Ele tinha apenas mais um respiro de ar sobrando e estava profundo demais para voltar à superfície sem passar mal. Com a última dose de ar, conseguiu voltar para os outros, que dividiram oxigênio com ele até todos poderem voltar. "Tudo o que você pensa na hora é: 'Me tira desta situação'." E depois? "Isso t e deixa empolgado de novo por estar vivo", diz. "Odiaria morrer. Tento avaliar as diferentes maneiras possíveis de não morrer, limitar as coisas que me colocariam em perigo, mas não há como controlar tudo, porque acidentes acontecem."

DiCaprio tem certeza de que, quando morrer, não irá para o céu de Titanic. "Há uma estatística insane que d iz que 70% d as pessoas a creditam em a njos", conta. "Não sou ateu, sou agnóstico. Honestamente, penso no planeta, não em minha alma espiritual específi ca fl utuando por aí. Sei que soa levemente ecochato, mas penso na ideia de que haverá uma extinção em massa, e depois outra coisa evoluirá."

Extinção em massa à parte, DiCaprio ainda está lutando por um tipo de imortalidade. Ele gosta da frase "A dor é temporária, filmes são para sempre" e se lembra com carinho de dias difíceis de filmagem. Um dos mais brutais foi a cena final d e O Aviador, na qual Howard Hughes tem um colapso, murmurando a frase "O caminho do futuro" repetidamente. DiCaprio se lembra de gravar a cena pelo menos 45 vezes; Scorsese diz que foram 20. "Quando se faz algo assim, você se sente exausto, emocional e mentalmente. Fica sentado no hotel como um zumbi depois", diz, com o s olhos brilhando. "Mas a sensação é boa, é o tipo bom de dor, porque você sente que foi um dia de trabalho incrível, e sabe que aquilo nunca desaparecerá."