Rolling Stone
Busca
Facebook Rolling StoneTwitter Rolling StoneInstagram Rolling StoneSpotify Rolling StoneYoutube Rolling StoneTiktok Rolling Stone

Oliver Stone

O diretor discute a música de seus filmes e as mazelas do mundo financeiro

Por Eduardo Graça Publicado em 18/10/2010, às 19h43

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
<b>JOGO SUJO</b> Oliver Stone retornou suas lentes ao universo do mercado fi nanceiro, o qual descreve como "podre" - Nino Muñoz / Divulgação
<b>JOGO SUJO</b> Oliver Stone retornou suas lentes ao universo do mercado fi nanceiro, o qual descreve como "podre" - Nino Muñoz / Divulgação

São onze da manhã em Santa Mônica (Califórnia) e aguardo por Oliver Stone no andar de baixo de uma suíte de um luxuoso hotel à beira-mar. Quando encontro o cineasta, regente de obras contestadoras como Platoon (1986) e JFK (1991), ele parece ávido por dividir a experiência de revisitar outro clássico seu, Wall Street - Poder e Cobiça (1987), o raio x mais exato do mundo yuppie e do mercado financeiro nos anos 80. Em Wall Street - O Dinheiro Nunca Dorme, Michael Douglas está de volta ao papel que lhe rendeu o Oscar de Melhor Ator, o maquiavélico executivo Gordon Gekko, agora às voltas com a maior crise dos Estados Unidos desde a Grande Depressão. "Ele é um personagem singular", diz Stone. "Quando voltamos ao Distrito Financeiro para filmar, mais de 20 anos após Wall Street, os funcionários da Bolsa e os operadores o tinham como um ícone. Fiquei pensando se não haviam compreendido o filme."

Você começa o filme nos anos 80, com um Frank Sinatra otimista cantando "Fly Me to the Moon", e passa para a faixa mais assustadora do disco de David Byrne e Brian Eno (Everything That Happens Will Happen Today, de 2008) lançado no meio da crise financeira global.

É, "Home" é barra-pesada, não é? Bem, "Fly Me to the Moon" era uma espécie de provocação. Sinatra estava no ostracismo no fim dos anos 70, tinha o peso de ser um artista republicano, fora de moda. E associo a música ao otimismo ingênuo dos anos 50 em Nova York, que casava bem com o personagem interpretado por Charlie Sheen no primeiro filme, um homem que só es tá interessado em dinheiro. Já "Home" reflete o casal vivido por Shia [LaBeouf] e Carey [Mulliele gan, namorados na vida real], mais idealistas. Os dois estão no mercado, mas interessados em ajudar as pessoas - ela com um site que lembra o WikiLeaks, que fiscaliza corruptos no mercado financeiro, ele com um projeto de energia alternativa.

Você vê esta nova geração como mais humanista?

Pode ser que eu esteja errado, mas sim, há mais idealismo. E "Home", bem, eu usei no filme outras músicas desse disco. Adoro Byrne. O disco saiu no momento em que Wall Street implodiu, e se você prestar atenção às letras... é uma revelação! Usei músicas de Byrne e Eno no primeiro filme, e hoje eles estão mais velhos e sábios, sem estarem envelhecidos. Faz sentido?

Sim. E uma das imagens típicas para quem vive em Nova York é a de Byrne zanzando de bicicleta...

Músicos são artistas que envelhecem sem ficar velhos. Quase sempre. Eu os in vejo. Não sei se o leitor da Rolling Stone vai chiar, mas Everything That Happens... me toca hoje mais do que os discos do Talking Heads. Também usei "Sleeping Up", que é do In Spite of Wishing and Wanting (1999), um disco obscuro do Byrne que é fenomenal.

Vocês conversaram sobre a trilha de Wall Street 2?

Sim, ele veio me ver de bicicleta, como você pode imaginar [risos]. Ele é um cara estranho. E prolífico. Ele faz coisas que pouca gente sabe, composições de música medieval, todo o trabalho na gravadora Luaka Bop, mas o problema dele, para a cabeça do norte-americano, é que Mulli ele não se fixa em um gênero, está sempre experimentando e se lixando para sucesso. Ele foi tão informal em nosso papo: "Ah, você gostou do disco? Pode usar, claro!" F oi assim também com o Wall Street original, em que usamos " This Must Be the Place (Naive Melody)", que encerra o Speaking in Tongues [do Talking Heads, de 1983] e também é a trilha dos desfechos de meus dois Wall Street.

Essa música é parte otimista, parte premonitória, certo? E embala a cena final, uma festa de família em que vemos suspeitas bolas de sabão pelo céu.

É aquela questão: teremos outra bolha? Voltaremos a sofrer? Acho que sim. Wall Street, para mim, é como um câncer . M as, ao mesmo tempo, se você levar o mundo financeiro totalmente a sério, cairá em depressão. Não queria nem fazer um livro nem um documentário expondo a podridão de Wall Street. Minha ideia foi fazer uma obra humanista com Wall Street de fundo.

Seria uma Wall Street diferente da de 1987, não?

Sim, Nova York mudou muito. O ataque terrorista de 2001 [mote para o filme As Torres Gêmeas, 2006, de Stone ] virou a cidade de pernas para o ar. De lá pra cá, Nova York cresceu, ficou mais rica, mais gananciosa, investiram-se bilhões para a cidade se reinventar como capital financeira do mundo globalizado. Os prédios ficaram ainda mais belos, a construção não para. Os ataques terroristas não derrubaram a cidade. Infelizmente, também não mudaram a maneira como os negócios são feitos no Distrito Financeiro.

Como foi trabalhar de novo com Michael Douglas?

É um grande ator, melhor do que antes. Michael é um réptil, mas um réptil charmoso, sabe ? Se você assistir a Wall Street, vai perceber que ele está até bem, mas não v ai fundo no personagem, né? Sua atuação em 198 7 foi r asa. Ele é bom, mas raso. Agora, é um homem que viveu a vida, envelheceu, sofreu, foi à prisão. Ele sabe e sente o que é aquilo. E teve, como você sabe, problemas pessoais [o filho de Douglas, Cameron, cumpre detenção por tráfico de meta-anfetamina]. E isso aparece na tela.