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Conexão Inglaterra-Japão

BXI, o novo projeto do vocalista inglês do The Cult, conta com integrantes do cultuado trio japonês Boris

Por Ricardo Franca Cruz Publicado em 26/10/2010, às 15h48

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BXI: a união dos vocais de Ian Astbury com o metal avant garde do Boris - Divulgação/Miki Matsushima
BXI: a união dos vocais de Ian Astbury com o metal avant garde do Boris - Divulgação/Miki Matsushima

Em abril deste ano, enquanto articulava planos para um lançamento do The Cult em formatos não tradicionais, Ian Astbury gravava em Tóquio as vozes de três canções inéditas que agora compõem um EP feito em colaboração com o cultuado e multifacetado trio japonês Boris. Intitulado BXI, o projeto traz ainda em sua estreia homônima uma versão de "Rain", clássico do Cult, na voz doce e psicodélica da guitarrista Wata.

Apesar da união um tanto inusitada, o resultado da parceria entre o icônico cantor britânico, que também encarna Jim Morrison no Riders on the Storm, a versão atual e sem graça do The Doors, e uma das mais experimentais bandas do metal destes tempos, soa pouco estranha aos ouvidos. Como se o próprio Boris, em constante mutação (ou seria evolução?) dentro de rótulos como drone, doom, sludge, stoner e heavy, tivesse puxado o freio de mão para soar mais acessível.

Atsuo, o performático baterista do trio oriental, discorda. Sentado ao lado de Astbury no café de um hotel simples no Brooklyn, em Nova York, de óculos escuros e com um tradutor para que pudesse expressar exatamente o que pensa, ele conta que não há objetivos no momento da criação musical. "Quando trabalhamos em novas músicas não temos ideias pré-concebidas sobre como elas serão ou como iremos direcioná-las, se elas serão para este ou aquele projeto." Além de Atsuo e Wata, a banda conta com um guitarrista, Takeshi, que muitas vezes, ao vivo, toca um instrumento de dois braços - um braço de guitarra de seis cordas, outro de baixo de quatro cordas -, que já virou uma das assinaturas do Boris.

Com o nome extraído do título de uma música do eterno duo (às vezes trio e ultimamente quarteto) Melvins, a mais inovadora, criativa e pesada banda da cena grunge, os japoneses têm uma discografia bastante heterogênea, em que se destaca a adoração pelos amplificadores valvulados e pelo sustain natural das guitarras vintage, a utilização de longos compassos permeados por ruídos e microfonia e a total não relação com o formato pop ou tradicional de canções, com introdução, ponte, refrão, solo. Não há caminhos previsíveis na música do Boris, mas elementos mais convencionais estão nas composições do BXI, apesar de as canções apresentaram, de leve, alguns dos elementos abstratos (longas pausas, ruídos) que caracterizam o trio. Mais uma vez, a discordância. Astbury diz: "Acredito que rotular como simplesmente 'abstrato' traz uma imagem errada da música do BXI e, consequentemente, do Boris. É um rótulo fácil, mas que passa longe da real essência. E a real essência da música do Boris é a emotividade, algo mais profundo que a emoção." É possível traçar algum tipo de paralelo entre Boris e The Cult? Astbury brinca - "The Cult é meu emprego, BXI é minha curtição" -, mas diz que não. "The Cult é mais, vamos dizer, 'coração & cérebro'. Ao mesmo tempo, tem mais a ver com músculos, com um tipo de guitarra mais direta do rock 'n' roll. É uma banda em que todos nós seguimos o guitarrista. E o BXI, e também o Boris, são mais emotivos, estão conectados com outras partes do nosso ser. Eles seguem o que os estiver guiando no momento. É difícil de explicar em palavras, de traduzir a linguagem e os processos que nos levaram a estas músicas. Você ouviu o disco?" Digo que ouvi e que achei muito interessante a união dele, um cantor tradicional de hard rock, com uma banda tão moderna e inusitada como o Boris. E explico perguntando: o que os motivou a gravar essas músicas? Uma vontade de popularizar o metal avant garde do Boris por meio de um cantor bastante conhecido, ou uma tentativa de modernizar Astbury colocando-o ao lado de uma conceituada banda que passa longe do mainstream da música pesada? O cantor e o baterista se entreolham e caem na gargalhada. "É muito mais simples que isso tudo", diz o inglês. "Nós queríamos fazer algo juntos, simplesmente. Não sabemos no que vai dar e não há uma preocupação nesse sentido. Sabe por quê? Porque fizemos o que queríamos fazer. Isso é o mais importante. E também o mais divertido." Atsuo, observando atentamente cada palavra que sai da boca do parceiro de projeto, completa, se aprofundando nos domínios da mente e da alma musical: "Quando você ouve pela primeira vez uma canção pronta, em sua forma final, você percebe que ela tem luz própria. É assim com o Boris e foi assim com o BXI, os processos não mudam: há pouca consciência do que estamos fazendo ali, no estúdio, naquele momento de criar. Por isso não há como pensar em negócios, entende? Para nós, cada canção tem o seu próprio mistério. Estas que se transformaram no disco do BXI pediam uma voz e nós entregamos a elas o Ian."

Com três faixas inéditas - "Teeth and Claws", "We Are Witches" e "Magickal Child" - e a versão de "Rain", do disco Love, do Cult (eu juro que ouço a japonesinha cantando "lain", no final), o EP do BXI é, como haveria de se esperar, bastante maduro e seguro. Afinal, estamos falando de profissionais com décadas de serviços prestados à boa música. O selo norte-americano Southern Lord, baseado em Los Angeles e criado pela dupla que, entre outras atividades, incorpora o sinistro e performático duo Sunn O))), Greg Anderson e Stephen O'Malley, assina embaixo dos experimentalismos dos japoneses. Não por coincidência, é em um show do Altar, projeto em forma de CD e show que une Boris e Sunn O))) (com uma faixa cantada pela fantasmagórica Jesse Sykes), que o BXI fez sua primeira apresentação completa ao vivo.

O dia exato é 7 de setembro deste ano, e o local é o Templo Maçônico do Brooklyn, em Nova York, famoso pela falta de limites legais ao barulho que é feito no pequeno palco. Na noite anterior, o trio Sleep, em sua turnê de reunião que havia tocado um dia antes também no festival ATP, testou os limites da capacidade acústica do local em pouco mais de duas horas do mais puro e verde stoner rock já feito pelo homem. Mas o BXI, ao contrário do Sleep, do Altar e mesmo do Sunn O))), não quer deixar ninguém surdo, e sim apresentar suas três canções inéditas da maneira mais coesa possível para uma banda que nunca ensaiou. "Na verdade, tocamos um pouco na passagem de som, mas é impossível dizer como as músicas soarão ao vivo", diz Atsuo. Plugados em 18 amplificadores vintage, os lendários Model T de 100 watts da marca Sunn O))) (de onde o duo de Anderson e O'Malley emprestou o nome; mais tarde, durante o show do Altar, estes amplis ligados juntos sugariam toda a energia do local causando um blecaute no palco), as guitarras do BXI soam gentilmente gigantes. Mas não maiores que a ainda poderosa voz de Astbury.

Ao contrário do que se conhece da performance do frontman do Cult, Ian Astbury é contido no palco maçônico, como se a música do BXI fosse, também, menos carente de uma reação física catártica como é o rock 'n' roll. Há uma explicação, segundo o próprio (que nem comenta o fato de estar envelhecido e muitos quilos mais gordo): "A música do BXI me permite revelar um lado meu extremamente íntimo e pessoal, especialmente 'Magickal Child', que revela muito sobre minha personalidade." A faixa em questão, uma quase épica longa camada de nuances românticas que deságuam em um tipo cadenciado de doom, mas sem os acordes malignos característicos deste estilo criado a partir, claro, do Black Sabbath e sua lendária canção homônima, prepara a plateia para o fim. Literalmente. É com "The End", dos Doors, que eles encerram a curta apresentação. O esquelético e cabeludo Atsuo, menos contido e bem mais poser que Astbury, pula na bateria cada vez que a soca com as baquetas. Do público, dá pra sentir o quão ele se deixa levar pelas próprias emoções, num misto de devaneio e liberdade. Talvez, tenha a ver com o que ele dissera em japonês na entrevista do dia anterior, sendo prontamente traduzido: "Acho que o nosso processo é não ter processo. Musicalmente, eu me sinto livre. Livre, inclusive, para pode cansar das coisas." Planos para o futuro? O japonês olha para Astbury e responde com a mão no ombro do amigo: "Tenho certeza que mais coisa vai sair desta colaboração. Não sei o que será, mas quero muito ver o que faremos no futuro, que direções iremos tomar, como iremos soar".