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Superpoderosas, as mulheres que governam estados brasileiros

Contrariando as estatísticas da participação feminina na política nacional, pela primeira vez na história três estados brasileiros - com forte herança machista - são governados por mulheres. O que isso significa?

Gustavo Krieger Publicado em 22/09/2008, às 18h06

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Ana Julia Carepa (PT), Yeda Crusius (PSDB) e Wilma de Faria (PSB) - C. Sodré/Divulgação; J. Bernardes/Divulgação; Sérgio Castro/AE
Ana Julia Carepa (PT), Yeda Crusius (PSDB) e Wilma de Faria (PSB) - C. Sodré/Divulgação; J. Bernardes/Divulgação; Sérgio Castro/AE

Uma arquiteta paraense de 49 anos que virou bancária, militante sindical e depois política. Uma professora de 61 anos do Rio Grande do Norte que trocou a elite política do estado pela liderança do partido socialista. E uma economista paulista de 62 que encontrou no Rio Grande do Sul os caminhos da militância e do poder. Juntas, essas três mulheres tão diferentes formam um dos fenômenos políticos mais interessantes do Brasil. Ana Júlia Carepa (PT), Wilma de Faria (PSB) e Yeda Crusius (PSDB) são o trio de governadoras que assumiram, em 1o de janeiro, o comando de seus estados. Pela primeira vez na história, três estados brasileiros são governados por mulheres ao mesmo tempo. E são três estados, Pará, Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul, com forte herança machista.

Logo depois da vitória, as três admitiram que tiveram de agüentar muito preconceito e ataques machistas durante a campanha. Em uma entrevista na véspera da posse, Ana Júlia contou que os adversários produziram adesivos para carros com a frase "Xô, Galinha", dirigida a ela. "Fui muito atacada, especialmente no segundo turno, por ser mulher e separada. Fui chamada de puta e vagabunda." Ela, que tem namorado mas não quis casar-se novamente, conta que sofreu muitos ataques pessoais. Para piorar, tem nome de personagem de música da banda Los Hermanos. Durante a campanha, os adversários produziram várias versões da canção, sempre colocando na letra insultos à candidata.

Mesmo depois de dois mandatos como prefeita de Natal e um como governadora, Wilma de Faria diz que ainda sofre preconceito por ser divorciada. E isso porque ela separou-se há 16 anos e ainda por cima tem o ex-marido como aliado político. Depois de eleita, ela declarou que "as mulheres na política, quando se separam, são consideradas fora do padrão tradicional".

Yeda Crusius contou ter enfrentado preconceito em dobro. Além de mulher, não nasceu no Rio Grande do Sul. O fato de ser paulista e, portanto, meio "estrangeira", foi explorado pelos adversários. A candidata transformou o ataque em discurso. Durante toda a campanha, martelou o fato de que escolheu viver no Rio Grande do Sul e que lá nasceram seus filhos e netos. O apelo à família deu certo.

Nenhuma das três é militante feminista ou fez das questões de gênero o principal foco de sua história. Mas ao longo de toda a campanha, seus marqueteiros trabalharam o fato de serem mulheres e exploraram a idéia de que existia um jeito feminino de fazer política. Meio indefinível, esse jeito teria como principais características um cuidado com programas sociais e honestidade. Yeda declarou que "num ano em que o Brasil foi dominado por escândalos e denúncias, as mulheres na política não foram atingidas. O eleitor quis premiar isso".

Em outra coincidência, as três venceram disputas acirradas contra candidatos com ligações políticas mais antigas e sólidas. As vitórias vieram no segundo turno, depois de campanhas tensas e difíceis.

Yeda, Wilma e Ana Júlia ainda são exceção na política partidária, um mundo dominado pelos homens. As mulheres são maioria entre os eleitores. Nas eleições de 2006, havia 64.888.283 mulheres habilitadas a votar. Isso significava 51,5% do eleitorado. Mas os números se invertem dramaticamente quando se examina quem está do outro lado do palanque. Um pouco mais de 19 mil brasileiros lançaram-se candidatos a algum cargo nas eleições do ano passado. Entre eles, cerca de 2,6 mil mulheres, menos de 14% do total. Isso porque a lei determina que os partidos reservem 30% das vagas para mulheres que queiram ser candidatas.

Entre os eleitos, o desequilíbrio é ainda maior. Foram só três governadoras, no Brasil inteiro. No Senado, das 27 vagas em disputa, só quatro foram conquistadas por mulheres. Na Câmara dos Deputados, elas ocuparam 46 das 513 cadeiras. E em todas as Assembléias Legislativas do país, foram eleitas apenas 123 mulheres - dez a menos que em 2002.

Essa não é uma característica exclusiva do Brasil. Um levantamento produzido pela Inter-Parliamentary Union analisou a composição do parlamento de 189 países. Em apenas 20 deles as mulheres ocupam mais de um terço das cadeiras. Mas o Brasil não precisava ir tão mal. Nesse ranking, ocupamos a 102a posição, a pior da América do Sul. Em toda a América Latina, as mulheres brasileiras só têm uma participação política maior que a da Guatemala e a do Haiti.

O estudo foi divulgado no Brasil por Almira Rodrigues, pesquisadora do Cfemea, uma das ONGs mais importantes de estudos sobre gênero no Brasil. Ao tentar explicar a baixa participação das mulheres no poder, ela disse que ainda existe na sociedade brasileira uma cultura patriarcal, "que associa o homem ao espaço público e as mulheres ao espaço privado". A política partidária, um assunto público, seria considerada coisa de homem.

"A representação política como uma atividade masculina carrega alguns paradoxos", escreveu Almira. "Nas pesquisas de opinião, fica evidenciado que as mulheres gozam de uma imagem melhor, em termos éticos e de integridade no trato com a 'coisa pública'. Entretanto, a maior parte dos eleitores, tanto homens quanto mulheres, afirma que nunca votou em mulheres para cargos públicos." Para ela, "isso sugere a influência de variáveis, como desconfiança ou resistência em desmontar a associação entre o homem e o espaço público". As três governadoras eleitas em 2006 desafiam esses conceitos, mesmo que não tenham empunhado a bandeira do feminismo em suas campanhas.

Ana Júlia de Vasconcelos Carepa elegeu-se governadora do Pará pelo PT com 1.673.648 votos, pouco menos de 300 mil a mais que o ex-governador tucano Almir Gabriel. Na prestação de contas à justiça eleitoral, declarou ter gasto R$ 5,2 milhões na campanha - R$ 2 milhões a mais que seu adversário.

Desde cedo, a nova governadora acostumou-se a disputar espaço com os homens. Única mulher entre os sete filhos de um engenheiro civil e uma dona-de-casa paraenses, teve de impor-se entre os irmãos.

Ex-atleta de natação do Clube do Remo de Belém, formou-se em arquitetura pela Universidade Federal do Pará. Foi na faculdade, no final dos anos 70, que descobriu a militância política. Entrou no movimento estudantil e destacou-se como uma militante entusiasmada, do tipo que comprava briga com a polícia, a reitoria e os adversários das outras correntes. Boa de palanque, destacou-se nas assembléias estudantis. Sua primeira vitória veio com a eleição para a presidência do Centro Acadêmico Livre da Faculdade de Arquitetura.

Na época, pertencia ao Partido Revolucionário Comunista, o PRC. Como o nome indica, era uma pequena organização clandestina de extrema esquerda. Os principais líderes eram José Genoíno e Tarso Genro. Ao longo dos anos, principalmente depois da chegada do partido à Presidência da República, os dois passaram por um processo de transformação política. Acabaram na "ala direita" do PT. Ana Júlia mudou menos. Continua vinculada à turma mais radical do partido. É muito próxima da Democracia Socialista, uma das correntes esquerdistas do PT.

Desde a faculdade, Ana Júlia ganhou fama de ser boa de briga e boa de voto. Consolidou o perfil na militância sindical. Em 1983 passou no concurso do Banco do Brasil. Logo estava integrada à agitação sindical e ajudou a fundar a CUT no Pará. Fundadora do Movimento das Mulheres do Campo e da Cidade, iniciou uma longa história de lutas ao lado do Movimento dos Sem-Terra e de outras organizações camponesas do estado, onde estão concentrados alguns dos mais graves conflitos agrários do país.

A partir de 1992, ingressou de vez na política. Desde então, disputou todas as eleições municipais e estaduais do Pará. Em alguns casos perdeu, mas, mesmo assim, ajudou o partido a marcar posição. No entanto, na maioria das vezes, ganhou cargos importantes. Em 92, elegeu-se vereadora em Belém com a maior votação entre os candidatos do PT. Em 94, pulou para a Câmara dos Deputados. Dois anos depois, renunciou ao mandato para assumir o cargo de vice-prefeita da capital paraense e a Secretaria Municipal de Urbanismo. Em 98, disputou o Senado, mas foi derrotada. Dois anos depois, voltou à Câmara de Vereadores em Belém. Dessa vez, obteve a maior votação já recebida por um vereador no estado. Era um prenúncio do que viria em 2002. Ela bateu outro recorde e tornou-se a senadora mais votada da história do Pará.

Quem vê Ana Júlia, hoje, à frente do governo do Pará, nem imagina que ela não queria disputar as eleições do ano passado. Todas as pesquisas indicavam ser impossível vencer o ex-governador Almir Gabriel. O estado vivia há 12 anos sob a hegemonia do PSDB. Foram dois mandatos de Gabriel e um do sucessor escolhido por ele, Simão Janene. Ana Júlia só foi convencida a entrar na briga porque não tinha nada a perder. Seu mandato de senadora só se encerrava em 2010. Ela iniciou a campanha em desvantagem nas pesquisas e ainda por cima tinha apenas a metade do tempo do adversário para fazer propaganda na televisão. Por muito tempo, pareceu que Almir Gabriel seria eleito no primeiro turno. O quadro só mudou na reta final da campanha.

Quando o jogo político começou a esquentar, a senadora sofreu um acidente. Quebrou a perna ao cair de um palanque improvisado na carroceria de um caminhão. Passou 17 dias de cama e fez o resto da campanha em uma cadeira de rodas e com a perna engessada. A imagem acabou tornando-se o cartão-postal da campanha.

Dois apoios foram decisivos em sua vitória. O primeiro, ela faz questão de proclamar. O presidente Lula obteve 60% dos votos paraenses. Seu prestígio ajudou a aumentar a votação de Ana Júlia. O segundo apoio é um assunto mais delicado. O deputado federal Jader Barbalho (PMDB) foi uma força decisiva para a vitória petista. Jader, para quem não lembra, é aquele político que chegou a ser presidente do Senado, mas teve de renunciar depois de ser pego em um gigantesco desvio de verbas da Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia, a Sudam. Chegou a ser preso e algemado, mas deu a volta por cima e continua a ser uma peça decisiva na política do Pará.

No primeiro turno, lançou seu primo José Priante como candidato a governador. Ele não tinha a menor chance, mas ajudou a levar a eleição para o segundo turno. Aí, Jader e sua turma embarcaram de vez no palanque do PT. Quando a governadora anunciou sua equipe, o apoio foi recompensado. O PMDB de Jader ganhou três secretarias de estado. Os peemedebistas abocanharam as pastas de Saúde e de Obras, além da Companhia de Saneamento do Pará. Coincidência ou não, cargos que controlam alguns dos maiores orçamentos e contratos do estado.

A posse de Ana Júlia foi cheia de simbolismo. Ela chegou de muletas ao prédio da Assembléia Legislativa. Dentro do palácio, a recepção dos deputados engravatados foi protocolar. Do lado de fora, mais de 3 mil militantes garantiam o clima de festa. A nova governadora gastou menos de dez minutos no discurso aos parlamentares. Não houve a tradicional fila de cumprimentos depois do pronunciamento. Ana Júlia deixou o prédio e, dentro de um carro aberto, deu a volta na Praça Dom Pedro II, que fica em frente à Assembléia. No meio da praça estava montado o palanque para a transmissão do cargo e entrega da faixa oficial. O governador que saía, Simão Janene, demonstrou sua contrariedade em silêncio. Dispensou o discurso. Ana Júlia não. Em frente aos militantes, falou por mais de meia hora, num discurso inflamado, cheio de críticas às elites do estado. De lá, seguiu para outra festa popular, onde mais de 10 mil pessoas esperavam, animados por shows de bandas locais.

No dia seguinte, ao dar posse aos secretários, fez questão de comparecer à cerimônia de transmissão de um cargo em particular: a Secretaria de Transportes. Fez isso por motivos pessoais. Levou com ela o pai, Arthur Carepa. Ex-funcionário da pasta, ele chegou a ser secretário, mas foi afastado durante o regime militar acusado de corrupção. Ana Júlia garante que tudo não passou de perseguição política e levou o pai, para que ele voltasse à repartição "de cabeça erguida".

O clima de festa da posse, no entanto, não durou muito. No dia seguinte, assumiu seu gabinete, uma sala blindada para evitar que as conversas reservadas chegassem a ouvidos indiscretos. Já era hora de encarar os problemas. No Pará, eles são muitos.

O principal é uma bomba-relógio. No ano passado, a justiça do trabalho determinou a demissão de 22 mil funcionários públicos temporários. Era uma decisão necessária. Contratados sem concurso, eles estão fora da lei. Quando era governador, Simão Janene assinou um acordo com a justiça trabalhista, comprometendo-se a fazer a maior parte das demissões até 30 de março de 2007. O problema é que ele só afastou 6 mil. Deixou para a sucessora a responsabilidade de mandar embora os outros 16 mil. E isso quando ela mal assumiu e ainda está conhecendo a máquina do estado.

Para se ter uma idéia do estrago, dos 24 mil professores, 6 mil são temporários. Não dá tempo para organizar concursos públicos em tempo de substituir todos os possíveis demitidos. Sem falar, claro, no efeito político devastador que uma onda tão grande de demissões terá na base política de uma governadora de esquerda, que fez toda sua história entre os sindicatos e movimentos sociais.

Cautelosa, a governadora anunciou a intenção de preparar os concursos antes das demissões, para evitar um colapso na máquina estatal. Na verdade, aguarda por uma solução menos traumática. A bancada do PT tenta aprovar no Congresso Nacional uma emenda à constituição que dá estabilidade no emprego aos funcionários temporários com mais de dez anos de serviço. Seria um retrocesso na organização do estado brasileiro, mas pouparia 15 mil empregos no Pará e muita dor de cabeça para a governadora.

Yeda rorato crusius (psdb) elegeu-se governadora do Rio Grande do Sul com 3.377.973 votos. Venceu no segundo turno o ex-governador Olívio Dutra, candidato do PT, por pouco menos que 500 mil votos. Declarou gastos de campanha de R$ 6,2 milhões - R$ 200 mil a menos que seu adversário.

Filha de um representante comercial e de uma dona-de-casa, Yeda Crusius nasceu em São Paulo, em 1944. Chegou ao poder no Rio Grande do Sul 62 anos depois, ao fim de uma longa e surpreendente história política. Política que apareceu tarde em sua vida. Por muito tempo, parecia que sua relação com o poder ficaria restrita aos comentários que fazia como economista.

Formada em Economia pela USP, apostou na carreira acadêmica. Em 1966, conquistou uma bolsa de estudos para o mestrado em Economia na Universidade de Vanderbilt, nos Estados Unidos. Ali, sua vida começaria a mudar. Mas essa mudança parecia mais pessoal que política. Na Vanderbilt, Yeda conheceu o futuro marido, Carlos Augusto Crusius, também aluno do mestrado. Em 1970, quando os dois voltaram ao Brasil, desembarcaram em Porto Alegre. O casal tornou-se professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde, mais tarde, Yeda se tornaria a primeira mulher na história a dirigir a Faculdade de Ciências Econômicas.

Falante e bem articulada, Yeda passou a aparecer com freqüência nas emissoras de rádio e televisão do estado. Seus comentários a tornaram conhecida e atraíram a atenção de um dos políticos mais poderosos do Rio Grande do Sul, o senador Pedro Simon (PMDB). Em 1993, Simon era o líder do governo Itamar Franco no Senado e um dos interlocutores mais próximos do presidente. Acabou convencendo o chefe a chamar Yeda Crusius para o Ministério do Planejamento. A escolha de uma economista desconhecida fora do Rio Grande do Sul causou estranheza em Brasília. Ela ficou apenas quatro meses no cargo. Caiu depois de trombar de frente com o então ministro da Fazenda, Eliseu Rezende, um economista mais conservador e um ministro mais poderoso. Yeda pediu demissão depois de ver o anúncio de mais um plano econômico. Ninguém tinha pedido sua opinião. Para amenizar o gosto da queda, foi nomeada para o Conselho de Administração do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social, o BNDES.

A passagem pelo ministério foi breve, mas garantiu a Yeda a visibilidade necessária para tentar a primeira aventura na política. No ano seguinte elegeu-se deputada federal pelo PSDB. Foi reeleita em 98 e 2002. Tornou-se a principal liderança tucana no Rio Grande do Sul. Na verdade, tornou-se praticamente a única líder do partido em um estado onde o tucanato sempre teve grandes dificuldades para decolar. Em 2002, por exemplo, foi a única deputada eleita pelo partido no Rio Grande. O mandato garantido na Câmara permitiu que Yeda tentasse duas vezes eleger-se prefeita de Porto Alegre. Como as eleições municipais são descasadas das estaduais, tratava-se de uma jogada de pouco risco. Se perdesse, continuaria a ter a cadeira na Câmara e ainda popularizaria sua imagem. Em 1996 ficou em segundo lugar, com 22% dos votos. Quatro anos depois, o resultado foi pior. Não passou da terceira colocação, com 15%.

Com esses resultados, pouca gente acreditava que ela tivesse chances de conquistar o governo do estado. A eleição parecia irremediavelmente polarizada entre o governador Germano Rigotto (PMDB), que buscava a reeleição, e o ex-governador Olívio Dutra (PT), que tentava voltar ao poder depois do governo entre 98 e 2002. Para piorar, as pesquisas qualitativas encomendadas pelo PSDB traziam uma má notícia. Essas pesquisas são aqueles levantamentos nos quais os eleitores são entrevistados longamente não só para dizer em quem votam, mas qual a imagem de cada candidato. O retrato traçado para Yeda era o de uma mulher arrogante, antipática e mais preocupada com os números que com as pessoas. Os gaúchos viam nela uma imagem de competência técnica, mas não reconheciam nenhum carisma. Numa entrevista durante a campanha, ela admitiu a fama de "mandona e centralizadora", mas jurou não ser nem uma coisa nem outra. "Gosto de comandar, mas isso é muito diferente de mandar. Em política, é preciso haver comando, mas ninguém manda em ninguém." Ela preferiu atribuir essa pecha ao preconceito contra as mulheres. "Quando uma mulher conquista espaços no poder, não dizem que ela é uma líder, mas que é mandona."

Yeda montou uma coligação de 11 partidos, mas na qual as únicas legendas representativas eram o PSDB e o PFL. Os outros parceiros eram legendas do calibre de PTC, Prona, PTRB e PAN. Aos poucos, ganhou espaço. Mas a arrancada ocorreu mesmo nas últimas semanas de campanha, quando pulou do terceiro para o primeiro lugar nas pesquisas de opinião. Para muitos analistas, ela foi beneficiada por um estranho movimento dos eleitores. Na política gaúcha, o divisor de águas é o PT. Quem não vota no partido, vota contra. Até os últimos dias de campanha, parecia que o segundo turno seria disputado por Olívio Dutra e Germano Rigotto. Quando Yeda começou a crescer, uma parte dos eleitores de Rigotto aderiu a ela numa estratégia para tentar deixar Olívio em terceiro lugar e afastar o PT do segundo turno. Quem acabou derrubado foi Rigotto. Ele perdeu tantos votos que ficou fora da fase decisiva da eleição.

Com o governador fora da disputa, a tucana entrou no segundo turno em uma situação muito cômoda. Praticamente todos os outros partidos aderiram a ela. As primeiras pesquisas lhe conferiam uma vantagem de quase 30 pontos percentuais sobre o petista. Essa tranqüilidade diminuiria rapidamente. Empurrado pela boa performance do presidente Lula no segundo turno, Olívio foi ganhando terreno dia a dia. Quando as urnas foram abertas, Yeda venceu, mas com menos de 54% dos votos.

Mal sabia ela que, encerrada a campanha, começariam os problemas. Yeda assumiu um estado quebrado. O Rio Grande do Sul tem uma das piores situações fiscais do país. O governo gasta muito mais do que arrecada e está atolado em dívidas e com o pagamento de uma folha de servidores públicos aposentados cujos valores são absurdos. Não é à toa nem por ser do contra que os gaúchos nunca reelegeram um governador. A cada quatro anos, os eleitores tentam uma solução nova para os velhos problemas. Como ninguém consegue, na eleição seguinte eles tentam outro partido. Foi assim depois dos governos do PPS, PT e PMDB.

Para piorar, os governos tentam driblar o déficit com uma enorme carga de impostos sobre os gaúchos na tentativa de arrecadar cada vez mais para pagar as despesas que não param de subir. A conta estoura sempre no bolso dos contribuintes. Yeda fez uma campanha baseada em fortes ataques ao excesso de tributos. Um discurso voltado especialmente aos empresários do estado, que sustentaram política e financeiramente sua campanha. Seu candidato a vice, Paulo Feijó, um político do PFL, foi indicado, na verdade, pelas principais associações de empresários, como as federações da Indústria e do Comércio.

O problema é que não dá para governar o Rio Grande sem tantos impostos. As contas não fecham. Contrariando as promessas de campanha, a governadora produziu um pacote de medidas que representavam um verdadeiro "tarifaço". O projeto previa aumento de impostos, corte de gastos e congelamento do salário dos servidores públicos. Por lei, mudanças nas regras de impostos só valem no ano seguinte à sua aprovação. Como assumiria o cargo em 1º de janeiro de 2007, a governadora precisou enviar seu pacote à Assembléia Legislativa antes mesmo de tomar posse. Pediu e o governador Germano Rigotto assinou os projetos de lei. O que ela não imaginava era a reação que as propostas provocariam.

O vice-governador eleito, Paulo Feijó, tornou-se o principal líder da oposição ao pacote. Três secretários de estado convidados por ela renunciaram antes mesmo de tomar posse. Partidos como o PFL deixaram a base de apoio do governo. Depois de muita discussão e uma passeata de engravatados em frente à Assembléia, o pacote foi rejeitado pelos deputados. Enquanto a governadora eleita lamentava a derrota política, seu vice exultava: "Precisamos de um estado moderno, a serviço da sociedade, e não de soluções míopes, a curto prazo, que penalizariam a sociedade".

Menos de uma semana depois, Yeda tomou posse. O clima ainda era o de um governo dividido. Pouca gente apareceu na Praça Matriz, um ponto central de Porto Alegre que tem de um lado a Assembléia Legislativa e de outro, o Palácio Piratini, sede do governo. O discurso foi curto e cheio de menções às dificuldades que ela e o estado enfrentarão nos próximos quatro anos. O primeiro mês foi símbolo dessas dificuldades. Yeda liberou apenas a metade do orçamento do governo em janeiro. Os secretários que quiserem receber o resto do dinheiro terão de apresentar um plano de cortes de pelo menos 30% das despesas de sua pauta.

Na hora de tirar a tradicional foto da nova equipe, junto com os secretários recém-empossados, ela fez uma pequena concessão à vaidade. Pediu aos fotógrafos que adiassem o clique por alguns instantes para retocar o batom. Como não tinha o seu, pediu o de uma assessora emprestado. Aproveitou para retocar a maquiagem da nova secretária de Cultura, Mônica Leal. Os fotógrafos retrataram a cena, que foi parar nos jornais e provocou a ira de setores feministas. Para elas, a imagem reforçava o preconceito de que as mulheres, mesmo as políticas, perdiam tempo para futilidades. Mas também sobraram ataques para Yeda. Durante a campanha, ela prometeu que um terço de sua equipe seria formada por mulheres, mas elas ocuparam apenas quatro das 19 secretarias.

Wilma maria de faria (PSB) reelegeu-se governadora do Rio Grande do Norte no segundo turno. Teve 824.101 votos, uma diferença pequena sobre o adversário Garibaldi Alves Filho (PMDB), que recebeu 749.172. Para manter o poder, a governadora gastou quase R$ 4,9 milhões, enquanto Garibaldi gastou R$ 5 milhões.

Nas urnas e na propaganda de campanha, a governadora Wilma de Faria preferiu apresentar-se como "Vilma". A grafia com V pareceu a seus marqueteiros mais palatável que o W que ela carrega de batismo. Em uma eleição tão disputada quanto foi a do Rio Grande do Norte no ano passado, qualquer detalhe pode fazer a diferença.

Certo é que essa não foi a mudança de nome mais importante da vida da governadora. Wilma Faria já foi Wilma Maia. No Rio Grande do Norte, mais que um sobrenome, Maia sempre foi um destino político. Por décadas, a política potiguar foi comandada por duas famílias. Os Maias protagonizaram com o clã dos Alves uma das mais longas e acirradas rivalidades da história do país, típico conflito de coronéis. As duas famílias alternaram-se no poder sem que se pudesse notar grandes diferenças entre elas. Pouco as diferenciava além do sobrenome e da vontade permanente de superar o clã adversário.

Nesse cenário, Wilma era Maia quando surgiu na política. Por casamento. A moça que nasceu no interior, em Mossoró, trazia de berço a ligação com a elite potiguar. Era sobrinha de dois ex-governadores do estado. Mas entrou de vez nesse mundo aos 17 anos, quando casou com Lavoisier Maia, uma estrela ascendente da família mais poderosa do estado. De início, a moça deu sinais de que iria conformar-se ao papel de esposa. Largou os estudos, teve quatro filhos e ficava em casa cuidando deles. Demorou oito anos, mas revelou a obstinação e a rebeldia que viriam depois a marcar a sua carreira política. Sem ter terminado o 2o grau, fez vestibular para Letras. Passou em sexto lugar na classificação geral. Retomou a vida acadêmica. Formou-se e foi adiante, até obter o mestrado em educação.

Quando veio o golpe militar, a família Maia aderiu. Lavoisier fez carreira na Arena, o partido de sustentação do regime. Em 1979, foi nomeado governador "biônico" do Rio Grande do Norte. Wilma, então com 33 anos, tornou-se a primeira-dama e assumiu o comando do MEIOS, a principal entidade assistencial do governo. Quando a gestão do marido terminou, foi convidada pelo sucessor para assumir a Secretaria do Trabalho e Bem-Estar Social. A passagem por esses dois cargos, que concentravam os principais programas sociais do estado, animou-a a disputar sua primeira eleição.

Em 1985, disputou as primeiras eleições diretas para a prefeitura de Natal. Saiu derrotada. Voltou à carga no ano seguinte. Resolveu ser candidata a deputada estadual, mas foi barrada. Já havia gente demais do seu grupo político disputando vagas na Assembléia. Irritada, decidiu voar mais alto e concorreu a deputada federal. Surpreendeu a todos com a marca inédita de 145 mil votos. Foi a primeira mulher eleita deputada federal no estado.

Chegou ao Congresso pelo PDS, um partido de direita, herdeiro do regime militar. Eram tempos da Assembléia Nacional Constituinte e Wilma surpreendeu a todos com discursos e votos a favor dos direitos dos trabalhadores. Para desespero dos companheiros de legenda, ganhou nota 10 do Diap, o órgão ligado aos sindicatos que avaliava a atuação dos parlamentares. Para levar 10, o parlamentar tinha de ser de esquerda. Ou estar muito deslocado na direita.

O marido, Lavoisier, era senador pelo PDS. O presidente nacional do partido era o senador Jarbas Passarinho, militar e ex-ministro dos governos militares. Um dia, ele perdeu a paciência com a rebeldia da deputada novata e foi reclamar com o marido dela. Na frente de um grupo de políticos e jornalistas, interpelou: "Lavoisier, na sua casa, quem manda é você ou sua mulher?" Quem respondeu foi Wilma. "Me desculpe, mas sou cidadã, eleita pelo voto direto", disse. "Tenho de ser respeitada pela minha individualidade." As brigas foram aumentando e Wilma buscou a separação. Primeiro, do partido. Trocou o PDS pelo PDT e acabaria no PSB. Depois, do marido.

As brigas fizeram bem à popularidade de Wilma. Em 1988, ela voltou a disputar a prefeitura de Natal e dessa vez foi eleita. Deixou o cargo em 1992. Voltou na eleição seguinte, em 1996, eleita mais uma vez. Deixou a prefeitura em 2002, eleita pela primeira vez governadora do estado. Mais uma vez, foi pioneira. Primeira deputada, primeira prefeita, primeira governadora.

Numa dessas viradas da política, Lavoisier tornou-se aliado da ex-mulher. Em janeiro, quando Wilma assumiu o segundo mandato, levou com ela um novo vice-governador, o deputado federal Iberê Paiva de Souza. Quem assumiu o lugar dele foi o suplente, Lavoisier Maia. O político, que depois da Arena e do PDS passou anos no PFL, parece ter se convertido tardiamente ao socialismo. Hoje, abriga-se no mesmo PSB que sua ex-esposa comanda.

Ao contrário das outras governadoras, Wilma foi reeleita. Em seu discurso de posse, atacou as elites. A chegada dela ao centro da política no Rio Grande do Norte mexeu no equilíbrio ancestral das grandes famílias potiguares. A ponto de ter colocado Maias e Alves lado a lado, no mesmo palanque.

A vitória de Wilma costuma ser associada à chegada da modernidade na política potiguar. Para muitos, não é bem assim. O que estaria acontecendo é uma mudança de nomes (e sobrenomes), mas os mecanismos fundamentais da oligarquia permaneceriam. Desde o uso eleitoral de programas e projetos assistenciais até a incômoda mistura entre negócios de família e de governo. A filha da governadora, Márcia Maia (ela manteve o nome da família), é deputada estadual. No primeiro mandato da mãe, ocupou a Secretaria do Trabalho e Assistência Social. Exatamente o mesmo cargo que impulsionou a carreira de Wilma. A moça teve alguns problemas. Entre eles, irregularidades encontradas pelo ministério público na compra de leite para os programas de distribuição do governo.

Em junho, durante a campanha eleitoral, a governadora sofreu um duro golpe. Seu irmão e chefe do Gabinete Civil, Carlos Faria, foi acusado de envolvimento em um esquema que teria desviado R$ 2 milhões em recursos públicos para pagamento de shows que nunca aconteceram. O escândalo recebeu o apelido de "Foliagate". A governadora jurou que não sabia de nada.

Se o desafio de Yeda e Ana Júlia é mostrar que são diferentes dos outros políticos em seus estados, o de Wilma Faria é provar que ela é mais do que uma nova face para velhos hábitos.