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Não Somos Avatar

Cinema brasileiro começa a investir em produções 3D, mas sem as mesmas pretensões de Hollywood

Por Rodrigo Salem Publicado em 13/01/2011, às 15h12

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MARCELO CALENDA
MARCELO CALENDA

Quando um diretor brasileiro avisa que vai comandar um filme de terror, qual seu primeiro pensamento? "Ops, lá vem tosqueira das grossas", provavelmente. E qual sua reação quando anunciam um filme nacional de ação? Fuga em massa, certamente, tendo em vista o desempenho de Segurança Nacional e Federal nas bilheterias. Mas o sucesso de Tropa de Elite 2, o único filme de gênero no Brasil a quebrar o preconceito do público - mesmo usurpando os paradigmas do próprio gênero -, pode servir para o que pode ser a jogada mais ambiciosa de nossa indústria: a entrada no mercado do cinema em 3D.

Diversas produtoras estão começando a montar projetos para um segmento que aumentou em cerca de 30% os lucros das salas de exibição, mas vamos com muita calma antes de colocar os grandes e incômodos óculos. "Não somos Avatar", posiciona Mariana Caltabiana, diretora de Brasil Animado, o primeiro longa-metragem brasileiro rodado e exibido em 3D, previsto para estrear em 21 de janeiro. "Não queremos nos comparar ao filme de James Cameron, que custou US$ 300 milhões, enquanto o nosso tem um orçamento de US$ 3 milhões. Mas conseguimos efeitos em 3D bonitos e acho que vamos quebrar esse preconceito."

Tudo bem que Brasil Animado não pode ser comparado à produção de maior bilheteria da história. No entanto, o impacto do filme de Cameron foi essencial para a criação do primeiro longa em 3D brasileiro. "Quando conheci Mariana, o projeto ainda era em 2D", conta Marcelo Siqueira, diretor técnico da obra e um dos maiores especialistas nessa tecnologia no Brasil. "Mas aí veio Avatar e mudou tudo. O filme precisou ser reescrito para se adaptar à nova situação." A história mistura animação tradicional e sequências capturadas em live-action por todo o Brasil - foram cerca de 20 cidades filmadas em 40 dias com duas câmeras Sony-EX3 modificadas com rigs alemães espelhados, acessórios que capturam e passam a sensação de profundidade.

A aventura do cinema brasileiro pelo 3D só tem um grande impasse: o dinheiro. "Quando você decide fazer um filme com essa tecnologia, precisa entender que tudo dobra de tamanho, da equipe de animadores ao espaço que precisamos no disco para a renderização [a transformação final do longa para a exibição]", afirma Mariana, que trabalha com uma equipe que pode chegar a até 30 pessoas. Apesar disso, a possibilidade do lucro maior - os ingressos das sessões em 3D custam quase o dobro do normal - está atraindo investidores e produtoras para o segmento, principalmente o infantil. É o caso da animação em computação gráfica BugiGangue no Espaço, do diretor Ale McHaddo, preparado desde 2007 (e previsto para 2012) com um orçamento em torno de R$ 5 milhões. "Sempre pensei no filme em 3D, por isso produzimos um curta [BugiGangue - Controle Remoto] para testar a técnica."

Ironicamente, os primeiros passos do 3D no Brasil serão tomados por desenhos animados - que estão longe de ser a maior tradição do cinema nacional. "É um bom momento para o gênero", admite McHaddo. "Além dos exibidores preferirem o 3D por causa do aumento do público, filmar em live-action ainda tem uma logística mais complicada." Mesmo tendo capturado cenas "de verdade" em Brasil Animado, como uma estrelada pela ginasta Daiane dos Santos, Mariana Caltabiana concorda. "Animação é muito mais fácil", diz a cineasta, que conseguiu ter a participação do diretor Fernando Meirelles (em versão animada) e já prepara um novo desenho, Jujubalândia, baseado no seu livro homônimo, para 2012. "O controle que temos da animação é maior, podemos colocar o efeito que quisermos.

Os obstáculos para o primeiro longametragem brasileiro com atores de verdade não devem tardar a cair. Marcelo Siqueira, que também é diretor técnico da Casablanca/Teleimage, o maior grupo de pós-produção de imagem da América do Sul, acredita que um projeto live-action, inteiramente idealizado, filmado e exibido em 3D, estreará nas salas de todo o Brasil no máximo em dois anos. "Nós temos a tecnologia e a qualidade de nossos efeitos será igual. O que falta é recurso", conta Siqueira. "O Brasil tem a tecnologia para fazer bons filmes em 3D, mas acho que ainda falta muito para alcançarmos o mesmo nível em termos de computação gráfica", concorda Mariana, lembrando como ainda estamos longe de produzir os elementos de uma "captura de performance" tão vitais para Avatar e Alice no País das Maravilhas, dois dos maiores sucessos do formato. Mesmo assim, dois projetos ambiciosos da produtora Moonshot pretendem derrubar esse tabu. A Oitava Princesa, de Michael Ruman, é uma aventura juvenil no estilo de 300, de Zack Snyder, com atores reais e cenários virtuais, e será capturado e exibido em 3D - a previsão de estreia é julho de 2012. Já Príncipe de Astúrias é uma coprodução Brasil-Espanha orçada em 4 milhões de euros e reconstitui misterioso naufrágio "do orgulho da marinha mercante espanhola" no litoral brasileiro. "Ainda estamos analisando a possibilidade de captar em 3D", conta o produtor Roberto D'Ávila, um dos sócios da Moonshot. "Precisamos avaliar a relação dos custos."

O primeiro musical brasileiro em 3D será protagonizado pelo grupo Palavra Cantada. "Será um projeto interativo para cinema, bem divertido", conta Siqueira, que assume a direção geral do filme. Alguns outros longas, como Quem Tem Medo de Fantasma? , de Cris D'Amato, chegaram a ser cogitados para o formato, mas a produtora Lereby nega que exista algum projeto nessa área em desenvolvimento. A lentidão pode ter suas vantagens. As salas em 3D no Brasil não chegam a 10% do total de cinemas e não seria inteligente competir de igual para igual com Hollywood pelo espaço, ainda mais com a conhecida desconfiança do público. "Ainda é um começo", anima-se Mariana. "Mas tivemos reações fantásticas nos testes com o público."