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Um Salto ao Passado

Como Robert Plant abriu mão do Led Zeppelin e revitalizou sua carreira solo

Stephen Rodrick Publicado em 11/05/2011, às 16h16 - Atualizado em 20/08/2013, às 15h14

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<b>Novas descobertas</b> Depois do blues, Robert Plant se encontrou no bluegrass - FOTO NADAV KANDER
<b>Novas descobertas</b> Depois do blues, Robert Plant se encontrou no bluegrass - FOTO NADAV KANDER

Em outubro de 2010, a Band of Joy, de Robert Plant, fez um show em Birmingham, Inglaterra. O local não é longe das estradas suburbanas de onde o cantor e o amigo John Bonham roubavam gasolina de carros estacionados para poder ir a shows. Aproximadamente na metade da apresentação, uma jovem pulou no palco. Passou pelo guitarrista e beijou Plant nos lábios. Ele sorriu - não é a primeira vez em que isso acontece - e continuou cantando. Depois do show, Joan Bonham, de 81 anos, mãe de John, vai aos os bastidores. Belisca as bochechas de Plant e sorri. "Vejo que você continua o mesmo", diz. Sentado em um pub em Primrose Hill, Robert Plant conta a história com uma risada e quase uma lágrima. Ele se aproxima e fala, em um sussurro conspiratório: "Sabe, ela está certa".

Aos 62 anos, ele ainda tem um pouco do Deus Dourado em si. Os cachos são loiros grisalhos, mas ainda caem pelas costas. "Agora vivo sozinho", conta Plant, divorciado há muito tempo. "Imagine o que aconteceria com todos os meus discos jogados no chão se a pessoa errada entrasse quando eu estivesse fora! Mas tenho tido alguns encontros." Ele alonga tanto a última palavra que ela soa extremamente safada. Poucos minutos depois, uma mulher muito atraente passa pela janela. "Olha isso", diz, arqueando as sobrancelhas. "Olha o cabelo dela." Suspira. "Obrigado, garota, muito, muito obrigado."

Musicalmente, Plant é menos estereotipado. Abriu mão de milhões de dólares ao recusar uma reunião do Led Zeppelin. Recentemente, abandonou os planos de um segundo álbum com Alison Krauss. Em vez disso, formou um novo grupo, com o nome da banda na qual tocava com Bonham antes do Zeppelin, e lançou Band of Joy, um álbum de covers obscuras, em setembro. Em uma manhã chuvosa recente em Londres, ele está em ótima forma cômica, mas fica momentaneamente sério quando se trata de falar de músicos - sem citar nomes! - que ficam presos em armadilhas artísticas lucrativas. "Não há nada pior do que um bando de velhacos decrépitos, essa é a verdade", afirma Plant. "Pessoas que já escreveram sua história - elas chegaram a um ponto no qual nada se move. Não funciono assim, e não me dou bem com ninguém que funcione assim."

Além de se desviarem da mulher estranha que quer um beijo, os integrantes da banda, Buddy Miller e Patty Griffin, conhecem de antemão a tarefa alegre e intensa de seguir as mudanças imprevisíveis de Plant. "Você tem de observar cada movimento dele - ele é muito sutil", conta Miller. "Quando abaixa o ombro direito, isso significa que quer que o nível ou a dinâmica caia para que possa acariciar o próximo verso. Se não ficar de olho, você perde alguma coisa." Menciono para Patty a vigilância de Miller no palco e ela ri. "Bom, o Robert chamou um de seus álbums de Mighty Rearranger [Incrível Reorganizador]", diz. "Ele é engraçado e desconcertante. Canta de forma um pouco diferente toda noite. Você tem de prestar atenção."

Plant tocou na band of Joy Original, com Bonham, em 1967 e 1968. O grupo nunca fez sucesso e os dois foram para outras bandas. Na época, as influências de Plant vinham principalmente do blues do Delta do Mississipi. Ele cresceu indo a festivais de blues, apresentando-se, aos 14 anos, ao legendário gaitista Sonny Boy Williamson em um mictório. Williamson respondeu com um seco "cai fora". A resposta de Plant? Entrar nos bastidores e roubar a gaita de Williamson.

No entanto, a nova Band of Joy, que começou uma turnê pelos Estados Unidos em 18 de janeiro, não é uma viagem nostálgica. O amor de Plant se mudou algumas centenas de quilômetros para o norte, para Appalachia - a virada aconteceu quando assistiu a Down From the Mountain, um documentário de 2001 com apresentações ao vivo de artistas de bluegrass cujas músicas foram a base para o filme E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?, dos irmãos Coen. Um mundo novo se abriu para ele. "Quando era garoto, não sabia nada sobre os grandes cantores de country", afirma Plant, encolhendo os ombros, envergonhado. Ele mexe o chá e começa a mencionar nomes. "Sabia sobre Leroy Van Dyke, Skeeter Davis e Jim Reeves, mas não havia acesso à coisa real, como Stanley Brothers. Só conheci isso depois de Down From the Mountain, e já estava nos Estados Unidos havia 35 anos. Não é incrível?"

Plant começou como cantor pop - uma de suas primeiras gravações foi uma cover de "You Better Run", do Young Rascals. Depois, transformou-se em vozeirão de metal, com folk da Idade Média como complemento. Sua primeira encarnação solo foi como um galã açucarado no Honeydrippers. Agora, é um crooner de country alternativo. Entretanto, ele é mais um nerd musical do que um abutre. Ele viajou muitos quilômetros a serviço de sua obsessão, passando uma noite, alguns anos atrás, no quarto do hotel Joshua Tree Inn, na Califórnia, onde Gram Parsons sofreu uma overdose e dirigindo até Bentonia, Mississipi, lar do cantor de blues Jack Owens. Não tocou a campainha - só deu a volta no quarteirão.

Plant começou a preencher os vãos de seu conhecimento em música country da mesma forma obsessiva. Devorou gravações de artistas apalaches disponíveis no Instituto Smithsoniano e rastreou shows da lenda do rockabilly Wanda Jackson. Alugou um carro e dirigiu até a Cumberland Gap, na fronteira entre os estados de Tennessee e Kentucky. Um dia, entrou em uma lanchonete para almoçar e viu dois garotos tocando rabeca e gaita. "Achava que só Howlin' Wolf uivava daquele jeito, mas eram dois meninos brancos. Fiquei impressionado."

Plant e Alison Krauss cantaram juntos pela primeira vez em 2004, em um show em homenagem a Lead Belly, no Hall da Fama do Rock and Roll. Os dois só entraram em estúdio em 2006, mas a espera valeu a pena. O disco colaborativo deles, Raising Sand, de 2007, foi um sucesso de crítica e comercial, unindo os vocais etéreos de Alison e Plant em um grupo eclético de covers de influência country, mais uma regravação de "Please Read the Letter", uma música de 1998 que Plant compôs com o excolega de banda Jimmy Page. Houve clamor por um sucessor, mas Plant diz que as sessões de 2009 não deixaram uma sensação boa. "O som simplesmente não estava lá", afirma. "Alison é a melhor, uma das minhas pessoas favoritas. Um dia voltaremos." Em vez disso, ele ligou para Miller, que tocou guitarra em Raising Sand e em algumas das sessões interrompidas de 2009. "Disse para ele voltar para a Alison", conta Miller, rindo. "Achava que algumas das músicas eram muito boas, mas ele foi insistente." Os dois se reuniram em São Francisco para o Festival Hardly Strictly Bluegrass e começaram a montar uma banda que incluiria o baixista Byron House, o multi-instrumentista Darrell Scott e o baterista Marco Giovino. Plant então ligou para Patty, amiga de longa data de Miller, e a convidou para fazer o vocal de apoio.

O grupo se encontrou em 2009, em Nashville. Miller, que coproduziu o álbum Band of Joy, levou músicas antigas de R&B e Plant contribuiu com algumas outras, incluindo canções de Los Lobos e Richard Thompson. Embora os primeiros dias tivessem transcorrido bem, faltava algo. "Isso precisa de mais rock", Plant disse a Miller. Plant chegou à segunda sessão com duas músicas novas: "Monkey" e "Silver Rider", ambas do Low, um trio de rock indie de Minnesota. Em ambas as faixas, Miller toca uma guitarra zumbida e ressoante, Griffin sussurra um vocal fantasmagórico e Plant suspira palavras exaustas. Soa como algo de um filme de David Lynch. "Não sei se o álbum teria funcionado sem elas", afirma Miller.

Plant é um homem naturalmente inquieto, e depois de 90 minutos no pub, olha para o relógio. Sugere irmos a uma loja de discos nas proximidades para poder comprar algumas gravações obscuras de country. "Tenho cerca de uma hora, depois preciso ir ao osteopata", diz. "Nada grave, só manutenção." Pergunto a Plant onde ele ouviu o Low pela primeira vez. Ele aponta o dedo em direção às ruas de Primrose Hill. "Há algumas lojas boas nesta área", conta. "Você está em uma mistura incomum de cultura e vômito. Tem bares que tocam coisas ótimas."

Quanto mais velho Plant fica, mais parece obcecado com compositores. Elogia entusiasmadamente o legendário compositor texano Townes Van Zandt, representado no disco por "Harm's Swift Way", a última música que compôs. "Cada canção dele é uma paisagem para um livro", diz Plant. "Poderia ser a primeira linha de um romance. O que combina com aquilo é um período curto de tempo, aparentemente." Pergunto o que quer dizer. "Você se aproxima demais do sol", diz Plant. "Talvez essa seja a forma corajosa. Às vezes os compositores ficam velhos e passam tempo demais no supermercado comprando comida saudável." Plant tem um compositor específico em mente: ele mesmo. "Eu meio que desisti de compor", afirma. "Tudo o que escrevo é um pouco errante. A última vez em que peguei a caneta foi quando Tony Blair se converteu ao catolicismo. Supostamente estávamos entrando no Golfo Pérsico determinados a organizar o mundo em nome da tirania. Então, quando ele teve de deixar o trono, virou católico e se tornou um enviado pela paz no Oriente Médio. Foi aí que eu soube que o mundo estava completamente de cabeça para baixo."

Há pouco tempo, Robert Plant viajou de avião até o Marrocos e dirigiu pelo litoral, retraçando uma viagem que fez com Jimmy Page em 1978. A dupla levou gravadores de fita para capturar os sons locais, mas a jornada ficou mais famosa por confrontos com guardas de fronteira e porque Marrocos é onde Plant começou a compor "Kashmir". "Queria voltar e pegar aquela estrada", explica. "Ela simplesmente percorre toda a costa. Foi maravilhoso." Reprises de viagens rodoviárias à parte, a relação de Plant com sua antiga banda é conflituosa. Ele diz estar feliz que o Led Zeppelin saiu triunfantemente de cena com o show em homenagem a Ahmet Ertegun, da Atlantic Records, em 2007. Todos, exceto Plant, queriam mais. Depois da apresentação, Jason Bonham (que substituiu o pai) abraçou Plant e perguntou sobre futuros shows. "Seu pai ficaria tão orgulhoso da forma como você tocou", disse Plant. "Mas o Led Zeppelin éramos nós e o seu pai." Três anos depois, Plant ainda não toca no assunto. "Foi uma noite incrível", ele diz com um sorriso. "As preparações para ela foram carregadas e intensas, mas o último ensaio foi muito, muito bom, por tudo o que representou e tudo o que estávamos tentando capturar. Só que eu já fui tão longe em outra direção que quase não consigo me identificar com aquilo."

Faço a pergunta obrigatória sobre uma reunião do Zeppelin. É o único momento em que Plant se irrita. "Pelo jeito há uma espécie de nova edição do Livro Tibetano dos Mortos que temos de revisitar", diz, suspirando dramaticamente. "É um pé no saco, para ser sincero. Quem se importa?" Ele se acalma um pouco. "Sei que as pessoas se importam, mas pense nisso do meu ponto de vista - logo vou precisar de ajuda pra atravessar a rua." Ele sorri com os dentes cerrados e faz referência a uma famosa história do grupo, sobre os rapazes usarem um peixe como acessório sexual em uma fã. "A Band of Joy também é um processo de raciocínio", afirma. "Provavelmente não será uma leitura tão boa quanto o que aconteceu com o peixe depois de ser usado. Diga às pessoas que o peixe está morto e que Buddy Miller tem 86 mil músicas no laptop dele."

Caminhamos por alguns minutos na chuva londrina, passando por uma mansão levemente decrépita. É a Cecil Sharp House, um museu de música e dança folclórica britânica. Plant agarra meu braço. "Nunca vim aqui, e sempre quis. É muito melhor do que uma loja de discos." Entramos e vagamos por um espaço de apresentações. Cerca de 15 adolescentes estão espalhados em pequenos grupos ensaiando cenas de Shakespeare. Um jovem ator grita: "Como assim, você treme? Está com medo? Bom, não lhe culpo, pois você é mortal!" Isso faz Plant sorrir. Ele aponta para um mural na parede que representa cenas de músicas e danças folclóricas tradicionais britânicas. "O que eu não sabia é que muitas daquelas canções apalaches nos Estados Unidos vêm destas ilhas", afirma. "Em sua raiz, 'Gallows Pole' é uma balada elisabetana." Seguimos em direção à biblioteca. Um dos jovens do teatro acorda de sua divagação.

"Você é...?"

"Sou sim", Plant responde ao adolescente. "O que você acha? Atuar? É tarde demais?"

Na biblioteca, os acadêmicos mal tiram os olhos dos livros. Um curador se aproxima e eles conversam sobre o homem que dá nome ao lugar, especialmente sua viagem em 1918 a Appalachia. Cecil Sharp voltou com cadernos cheios de músicas folclóricas britânicas que haviam desaparecido na terra natal, mas ainda eram vibrantes a um oceano de distância. Plant pega um livro dedicado a composições apalaches e o folheia. Dá uma engasgada. "Olha isso: 'The Cuckoo', uma velha canção do [músico folk] Clarence Ashley. Alison me apresentou a ela." Canta baixinho as duas primeiras linhas: "The cuckoo is a pretty bird, she warbles as she flies/She brings us glad tidings, and she tells us no lies [O cuco é uma ave linda, ela gorjeia enquanto voa/Traz marés felizes e não nos conta mentiras]." Vira as páginas empolgadamente. "Uau, dá para acreditar no que encontramos? Absolutamente espetacular."

Robert Plant saca um cartão de crédito e compra três livros. Olha para o relógio e fala que tem de ir embora. "Você fica", diz. "Aprenda com isto tudo." Na porta, levanta a jaqueta de couro em volta do pescoço. "Viu? Tudo está conectado." Desce rapidamente a escada, o cabelo balançando nas costas, e atravessa a rua sem ajuda.