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Ao Vivo do Espaço Sideral

Por trás dos segredos da turnê 360º, a maior já feita pelo U2 – e por qualquer outra banda na história

Por Brian Hiatt Publicado em 17/05/2011, às 10h25

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<b>MULTIDIMENSIONAIS</b> Na nova turnê, o U2 (nesta imagem, em Roma, em outubro do ano passado) ataca por todos os lados - NA DUPLA ANTERIOR: SIMONE CECCHETTI/CORBIS/LATINSTOCK
<b>MULTIDIMENSIONAIS</b> Na nova turnê, o U2 (nesta imagem, em Roma, em outubro do ano passado) ataca por todos os lados - NA DUPLA ANTERIOR: SIMONE CECCHETTI/CORBIS/LATINSTOCK

Uma espaçonave irlandesa pousou no estádio de futebol americano de Chicago e seu piloto está postado sob um céu sem estrelas, vociferando ordens malucas em um microfone: "Tire a voz dos astronautas", diz Bono, e seu sotaque ecoa pelos 61 mil assentos vazios. "E, se possível, tire a Sinéad do primeiro verso. (...) A explosão sônica precisa ir baixando três vezes mais rápido - não é uma coisa sutil, é uma mudança brusca." Faltam menos de 24 horas para o início da primeira turnê em estádios do U2 nos Estados Unidos desde 1997 - e, de acordo com o cantor do grupo, é o momento perfeito para destruir um pedaço do show. Ele está com fixação em uma música obscura, "Your Blue Room", uma faixa lânguida e cheia de atmosfera do álbum Original Soundtracks 1, de 1995, uma colaboração com Brian Eno assinada como Passengers. O U2 nunca a tocou ao vivo, mas, nessa noite, vai tentar transformar a faixa em um número elaborado, com vocais de Sinéad O'Connor e vídeo e áudio gravado a bordo da Estação Espacial Internacional. "Nós temos sorte de eles não estarem fazendo isso ao vivo, direto do espaço", diz o empresário do grupo, Paul Mc-Guinness, observando enquanto a iniciativa caríssima se desdobra perante seus olhos.

O cenário verdadeiro já é bem exótico: uma catedral de ficção científica com quatro pernas de metal - o maior palco da história do rock, grande o bastante para ser visto de aviões que vão pousar na cidade. É quase uma coisa viva, com rampas móveis, jatos constantes de fumaça e luzes suspensas rotativas que valem por uma constelação. Até a tela de vídeo faz seus truques, esticando e encolhendo igual a uma mola - quando Bono pede para que seja retraída, ela o faz na mesma hora, com um barulho que parece o zumbido de mil abelhas. Até agora o último ensaio estava indo bem: a banda já tinha dado conta da primeira metade do set de duas horas, tocando para assentos vazios. O show - que já foi polido em 24 datas na Europa - começava com quatro músicas do álbum mais recente da banda, No Line on the Horizon, antes de mergulhar no catálogo antigo. Mas "Your Blue Room" é uma confusão, com a essência da canção enterrada na conversa dos astronautas e outros efeitos sonoros. Um momento que deveria ser emocionante simplesmente não está funcionando - um astronauta belga chamado Frank De Winne aparece na enorme tela de vídeo cilíndrica e recita um verso enquanto flutua em gravidade zero. "Não foi uma experiência agradável", Bono diz e logo muda o rumo do ensaio, repetindo a música vez após outra. Os companheiros de banda e a equipe de produção já tinham gastado uma hora com a música na noite anterior, e percebem que aquilo ainda iria demorar bastante quando o vocalista pede que lhe tragam um café. Enquanto estão reformatando os efeitos sonoros e o vídeo, Bono compõe um verso novo, ali mesmo, para a música de 14 anos de idade, improvisando letras e melodias cada vez que a canção é repassada.

O caráter incansável de Bono ajudou o U2 a chegar tão longe - ao mesmo tempo que levou o grupo até a beira de um ou dois penhascos do tamanho da desastrosa turnê PopMart pelo caminho. "Bono tem de ser o Papai Noel de 70 mil pessoas todas as noites", diz Willie Williams, diretor dos shows da banda há muito tempo. "Então, é absolutamente justo que ele tome as decisões." O resto da banda acompanha a tenacidade do vocalista com graus variados de bom humor. Depois de terminarem uma longa conferência no palco com Williams, o baterista Larry Mullen Jr. solta: "Se estiver muito fácil, pode dificultar".

Em jogo está o maior show de rock de todos os tempos - e o U2 parece totalmente à vontade por trabalhar nessa escala. O palco monstruoso é o local de trabalho da banda, tão normal para eles quanto um cubículo de escritório. Mas não há como negar: 33 anos depois que quatro adolescentes de Dublin se juntaram na cozinha dos pais de Mullen, eles chegaram ao auge. "Na verdade, estamos no limite, no limite absoluto, se considerarmos a economia e a viabilidade do transporte", diz The Edge. "Nós realmente somos tão grandes quanto poderíamos ser." O tamanho da turnê, em alguns aspectos, é exatamente o ponto: um argumento a favor do valor do megaestrelato do rock em si. Em uma cultura tão dividida musicalmente e politicamente, o U2 se oferece como uma coisa a respeito da qual as pessoas podem concordar. Mas "Your Blue Room" está longe de ser um sucesso, e não é exatamente a ideia que qualquer pessoa faz de rock de estádio - em cada versão subsequente, a banda tenta fazer com que a música fique mais tranquila, mais sedutora. "É uma coisa delicada", Bono diz. "O problema é que a música pode afundar uma parte inteira do set se não funcionar." Ele está pronto para fazer uma aposta e tocá-la na primeira noite, mas o resto da banda quer passar o número para a segunda noite em Chicago. (A música acaba estreando no segundo show - Bono, que observou o público com atenção, disse ter visto expressões "arrebatadas e um pouco perplexas". Mais recentemente, a faixa foi cortada do repertório.)

O U2 está tentando fazer arte em estádios de futebol - para alcançar aquilo que Bono chama de "intimidade em larga escala" -, mesmo que, para chegar lá, sejam necessários US$ 750 mil por dia só em custos: palco de 170 toneladas, 200 caminhões e a anulação das emissões de carbono correspondentes, quase 400 pessoas trabalhando na turnê, mais de 250 alto-falantes, 13 câmeras de vídeo e diversos astronautas. A turnê também é a mais recente empreitada na batalha do U2 em provar que a maior banda do mundo também pode ser a melhor - e que, apesar das vendas relativamente fracas de No Line on the Horizon, o material novo tem estofo para se colocar ao lado das obras mais antigas. "O que você faz quando está em uma banda?", The Edge pergunta. "Simplesmente abaixa a cabeça e vende um monte de ingressos e CDs no mundo todo? Ou tenta se envolver e fazer alguma coisa diferente?" A banda faz uma última tentativa com "Your Blue Room" e tudo começa a entrar no lugar: ondas de órgão que parece de igreja, os acordes de piano melancólicos de The Edge, holofotes no alto do palco convergindo em uma pirâmide no céu, a imagem final do sol nascendo por cima da Terra, que leva diretamente para "Unknown Caller", com seus versos de abertura que dizem "sunshine, sunshine" (luz do sol). Bono fica aliviado e o ensaio prossegue. "Um passo gigantesco", ele diz, "para um homenzinho."

A caminho de Chicago, o u2 quase esbarrou com Lil Wayne, cinco minutos antes de a banda chegar a um aeroporto particular em Newark, Nova Jersey - estão usando Nova York como base para essa parte da turnê. O jatinho que o U2 está usando hoje é emprestado. Estou sozinho em uma das cabines dele, esperando a decolagem, quando uma silhueta aparece à porta. "Passagem, por favor", diz Bono. Ele está usando calça e jaqueta jeans e óculos escuros cinza, maiores do que seu modelo habitual. O cabelo é brutalmente curto nas laterais - parece que ele apara todos os dias, e deve aparar mesmo. Quando afivela o cinto em um dos assentos, Bono fica fascinado por saber da proximidade de Lil Wayne e dá risada quando o lembram de uma letra do U2 de nove anos atrás: "The last of the rock stars / When hip-hop drove the big cars" [O último rock star / Quando o hip-hop andava com os carrões]. "Nós deveríamos colocar o avião do lado do dele e gritar: era brincadeira!", Bono reflete. A verdade é que Bono - que é amigo de Jay-Z - se relaciona bem mais com o modo de vida de "maior é melhor" do hip-hop mainstream do que com a tendência cada vez maior do rock de se fechar em guetos. "Eu adoro a ideia daquilo que podemos chamar de uma cultura mais porosa, em que há muito mais tráfego circulante", Bono diz. "Nestes tempos de celebridade e estrelato pop, talvez seja prudente questionar os valores de ser um pop star", prossegue. "O Radiohead, o Pearl Jam, muita gente, que talvez fizesse muito mais sentido para nós, rejeitou isso. Mas o que acabou sofrendo com essa atitude foi aquela coisa preciosa e pura, aquilo que costumávamos chamar de 45 [single compacto de vinil em 45 RPM]."

A turnê 360° é o exemplo da ideia do mainstream vital, do poder de um estádio cheio de gente tirando os tampões de ouvido para cantar junto. "Quanto tempo pode durar? Não sei", Bono diz, refletindo sobre a posição cada vez mais única de estrela de sua banda. "A maior parte das pessoas fica contente em seu gueto, e o gueto delas é grande. Eu ainda me apego a essa idéia de metaevento - o que é meta vai além, passa a ser mais do que é." O show é uma fusão improvável dos dois extremos das turnês do U2 - a sobrecarga tecnológica de Zoo TV e o palco sem frescura e despojado da Elevation Tour. "Esta é a nossa obra-prima", diz Williams, que vem planejando a turnê desde 2006, e que acompanha a banda em todas as apresentações para ir ajustando o show de acordo com as necessidades. "É mais ou menos a culminação de tudo que eu fiz com o U2." Não por acaso, o design também significa que, diferentemente de qualquer outra turnê de estádio, todos os assentos disponíveis podem ser preenchidos - e essa é uma das razões por que McGuinness diz que a turnê está a caminho de obter a maior renda bruta de todos os tempos. "Alguém nos perguntou ontem à noite se nós precisamos de tudo isto", diz Clayton. "E a verdade é que ninguém precisa de todas estas coisas. Mas parte do show business é mudar as percepções das pessoas, é encontrar maneiras de fazer com que as músicas emocionem mais as pessoas."

Um mês antes de Chicago, o u2 já tinha feito 17 apresentações na turnê europeia, e The Edge tem exatamente dez minutos para brincar de turista na parada mais exótica de todas. Ele entra no banco de trás de uma van que está parada na frente de seu hotel para dar uma volta pela capital da Croácia, Zagreb, até o estádio Maksimir, lar do maior time de futebol do país - e do show do grupo daquela noite. "Esta vai ser a minha experiência em Zagreb", diz ele, com um sorriso irrompendo nos cantos de seu cavanhaque. "Esta é a coisa mais estranha das turnês - a gente não consegue ver nada." Como sempre, ele está vestido de preto - camiseta com estampa geométrica, jeans, Converse All Star de couro, touquinha na cabeça. Em uma corrente prateada ao redor do pescoço dele está pendurada uma lâmina de barbear com as palavras "don't mess" [não sacaneie] gravadas. É o primeiro show que o U2 faz em Zagreb, e a primeira vez que eles tocam na região acometida pela guerra desde um show emocionante em Sarajevo, em 1997. The Edge se acomoda no assento de couro e começa a tirar fotos pela janela. A van estaciona na área de carregamento do local, ao lado de tendas brancas gigantescas montadas para as instalações da produção e o serviço de alimentação - parece que um festival de bom tamanho foi organizado na cidade. Apertando mãos pelo caminho, The Edge atravessa um corredor de concreto, passa por cima de um feixe de cabos elétricos grossos e sobe na escadinha de aço que chacoalha e faz barulho para chegar ao alto do palco do U2, que parece quase cômico de tão berrante à luz do dia. Ele cumprimenta Dallas Schoo, seu técnico de guitarra, coloca em cima do ombro a primeira de uma série de guitarras e começa sua passagem de som de um homem só. Schoo entrega uma Rickenbacker ao músico, e ele toca a introdução de "Mysterious Ways". Enquanto ele começa a mexer nos ajustes da guitarra e a apertar os 36 botões na barra de teclados a seus pés, Schoo saca uma câmera digital e fotografa a posição das alavancas e dos interruptores da guitarra. Mas o guitarrista sempre volta para seus próprios controles à direita do palco e mexe nos ajustes. Não é nada fora do comum quando The Edge cria novas combinações de efeitos no meio de uma música, na frente de um estádio lotado, diz Schoo, um pouco impressionado. "Eu sou detalhista em relação aos sons de guitarra porque é a identida de da música em muitos casos", diz The Edge. Ele meio que sorri, meio que faz uma careta no momento de falta de modéstia tão incomum para ele, e revê a própria afirmação: "É uma boa parte da identidade da música".

Seja em zagreb, londres ou chicago, todos os shows começam mais ou menos do mesmo jeito: um trecho de "Kingdom of Your Love" - uma música inédita do U2, com batida pulsante e vocais de coral - toca bem alto e Mullen entra sozinho no palco. Um único holofote brilha sobre o baterista enquanto ele toca uma longa sequência de caixa, tambor e prato que serve de introdução a "Breathe", faixa de No Line, uma espécie de valsa turbinada com versos à la Dylan e um refrão envolvente como só o U2 pode fazer. Os companheiros de banda de Mullen se juntam a ele, um por um - Bono entra por último, arrastando seu pedestal de microfone como se fosse uma manivela que faz a banda funcionar. "É demais entrar quando o público está esperando Bono", diz Mullen enquanto janta arroz com legumes em uma mesa de piquenique do lado de fora da tenda do catering antes de um dos shows de Zagreb. "Faz 35 anos que eu estou esperando o solo de bateria. Eu nunca ia ficar esperando em pé, mas isto é o mais próximo possível."

Ele não é o integrante da banda que os fãs esperam ver primeiro - e aquela também não é a música que eles devem estar aguardando. Depois de "Breathe", há três músicas seguidas de No Line (a faixa-título, "Get on Your Boots" e "Magnificent") - e mais três canções do álbum aparecem, incluindo a balada épica "Moment of Surrender", que fecha o show. A ênfase dada às novidades é ainda mais ousada quando se considera que No Line on the Horizon mal vendeu um milhão de exemplares nos Estados Unidos - colocando-o entre os álbuns do U2 que menos venderam - e que o trabalho até agora não produziu nenhum single de sucesso. "Eu chego lá e canto 'Breathe' toda noite para um monte de gente que não conhece a música", diz Bono. "Eu sou um artista de performance - não vou me ater a uma música que não comunique ou não adicione alguma coisa. As músicas são ótimas ao vivo, e acho que o álbum é ótimo. Acho que no futuro será visto assim: 'Caramba, esse é um dos álbuns mais desafiadores deles'." Mas, no caminho de Chicago, Clayton está preocupado com o fato de que os norteamericanos talvez sejam mais impacientes do que os europeus: "Estou um pouco temeroso para ver se podemos ou não abrir com quatro músicas novas", ele diz. "Isso pode ser complicado." E, depois do segundo show em Chicago, Bono observa que o show "ainda precisa de uma certa mexida". Então, na segunda semana da parte norte-americana da turnê, o U2 tenta tirar "Breathe" do set list - começando a apresentação com "Magnificent" em vez dela e reduzindo o número de músicas novas no começo do show para três.

A música nova que qualquer público de fato conhece é o primeiro single de No Line, "Get on Your Boots" - que a banda toca com arranjo mais direto e mais pesado ao vivo, tirando os elementos eletrônicos. O U2 adora tocar essa canção, mas três dos quatro integrantes hoje reconhecem que foi a escolha errada para o primeiro single (The Edge continua a defendê-la). "É interessante o fato de estar dando certo ao vivo", diz Clayton. "Mas eu acho que o que aconteceu foi um problema comum do U2. Acho que nós provavelmente trabalhamos tanto, tanto, tanto nela que, em vez de executar bem a ideia, acho que provavelmente colocamos cinco idéias na música, e isso só serviu para confundir as pessoas. Elas não sabiam bem o que estavam ouvindo." Bono tem ideias próprias. "Olha, às vezes o nosso público não é tão animado quanto nós gostaríamos que fosse", ele diz com um sorriso. "'Get on Your Boots', do jeito como foi lançada, é uma espécie de cruzamento, meio dance, meio indie rock. As pessoas não ficam muito seguras com o lado dance do U2. Elas querem 'Vertigo'. E, quando fizemos isso da última vez - com 'Discothèque', de Pop, as pessoas também não gostaram."

O sistema de som da turnê 360° talvez seja o mais alto já construído - mas, no meio da elevação das vozes nesta noite em Zagreb, a multidão de algum modo está quase conseguindo abafá-lo. O show atinge seu ponto máximo com "One", que Bono apresenta com muito cuidado: "Esta próxima canção significa muitas coisas diferentes para muitas pessoas diferentes", ele diz, e uma tradução em croata apareceu na tela de vídeo. "Hoje, vamos tocá-la para todas as pessoas desta região cujo coração foi partido por ideias frias." Primeiro um silêncio se instalou enquanto o público absorvia as palavras; depois, uma explosão de aplausos. Na noite seguinte, Bono ainda pensava naqueles momentos. "Os Bálcãs inventaram uma certa obstinação, uma certa teimosia", ele diz. "Assim, seria necessário uma canção de amor amarga e distorcida como esta para que todos eles conseguissem se identificar: 'Did I disappoint you?' [Eu te decepcionei? ] A raiva, o amargor, a melancolia da canção fazem com que fique tudo certo. Nós não somos um. Nós somos um, mas não somos iguais. Nós não somos iguais. Essas pessoas abriram mão de tudo por causa de uma diferença. Cada pessoa tem uma visão diferente a respeito daquela música, e ela muda para mim a cada noite. Mal consigo respirar quando canto. Mal consigo proferir as palavras."

Pela primeira vez na meia dúzia de encontros que tive com Bono, os óculos escuros estão apoiados em cima da testa, e seus olhos azuis desnudos ardem com intensidade - ou ele ainda está nadando na adrenalina dos shows ou eles são sempre assim sem as lentes escuras. Ele está no jatinho, no caminho de volta para o quartel-general, no sul da França. Do outro lado do corredor está a mulher de Bono, Ali Hewson - estonteante -, que lê jornais e saboreia seu jantar, e os dois filhos pequenos deles, ambos enrolados para dormir depois de passar a maior parte da noite correndo de um lado para o outro no backstage, enquanto o pai fazia a mesma coisa em cima do palco. "Amor é uma palavra muito grande para jogar de qualquer jeito por aqui", Bono prossegue, ganhando fôlego, sobrepondo-se ao barulho do motor. "Carregar a faixa da não violência, à primeira vista, parece bonito para um irlandês, mas nós morávamos a 160 quilômetros dos problemas. Então, de certo modo, não foi nenhum ato de grande coragem para nós tirar a cor da bandeira e pregar a não violência."

Bono está usando uma camiseta preta e jeans, e está no auge da forma física, parecendo alguns quilos mais magro do que no começo do ano. Ele já não bebe muito na estrada, mas também não é exatamente abstêmio. Embaixo da mesa, seus pés pálidos estão descalços e ele chutou para longe um par de chinelos nada rock and roll. Ele chega a uma conclusão inesperada, defendendo a ideia de que sua banda se guia pelas melhores ideias daquele tempo. No final, talvez a espaçonave do novo show seja uma máquina do tempo - cujo destino é 1967. "A gente pensa nos Beatles e pensa em 'All You Need Is Love', e naquela explosão de ideias, e no renascimento que foi a década de 60", ele diz. "O núcleo daquilo era essa ideia de amor, da qual saiu o movimento feminista, o movimento gay, o movimento antiguerra. Tudo se baseava em uma ideia judaico-cristã muito simples, a filosofia de ter que amar o seu vizinho, mas não como conselho; como ordem, como decreto: 'Ame o seu vizinho'." Bono sorri pela primeira vez desde que começou a falar de tortura e ódio. "É bem estranho", ele diz, "quando a gente tira essas coisas de um show de rock".