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Do Jeitinho Dela

Estilo próprio, rigor e pragmatismo determinam os 100 primeiros dias de Dilma Rousseff na presidência

Por Cristiano Bastos e Rodrigo Alvarez Publicado em 17/05/2011, às 10h25

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Ilustração Lézio Júnior
Ilustração Lézio Júnior

Dilma Rousseff misturou todos os ingredientes da sua "omelete presidencial" direto na frigideira e respondeu à apresentadora Ana Maria Braga sobre as perspectivas do crescimento econômico para seu governo: "O nosso objetivo é fazer com que a economia continue crescendo de forma estável, sem que a inflação volte". De repente, ela interrompe a própria fala: "Tô achando que tá muito baixo esse fogo, hein?" A escolha da primeira aparição da presidente em um programa de televisão voltado ao público feminino não foi por acaso. Dilma falou sobre sua preocupação com o poder aquisitivo da população conquistado no governo de Luiz Inácio Lula da Silva e mandou uma indireta para quem reclamava do reajuste do salário mínimo para R$545: "Quando não tem, nós não damos. Quando tem, nós damos. Então, garantimos... Pera lá, dona Ana Maria", ela interrompe. A petista olha para a frigideira, se concentra e termina de preparar o quitute. "Não tá ficando bom, não, porque estou conversando", completou, antes de apagar o fogo.

A apresentadora e o fiel escudeiro, Louro José, enfim provaram a omelete presidencial: adoraram. Os dois atribuíram o "gostinho diferente" ao bicarbonato de sódio que a presidente incorporou à receita - para deixar o prato "mais fofinho", mas que também notoriamente contribui para estufar o estômago.

Dilma assumiu a presidência da República debaixo de chuva forte, desfilando a bordo de um Rolls-Royce fechado. E, no "frigir do ovos", o fato pôde servir como metáfora para o estilo discreto da petista no governo. Mas, passados 100 dias no comando, aos poucos ela encontra seu jeitinho de cozinhar - ou melhor, de governar. E, é preciso dizer, até agora sem a paternal intromissão de Lula, que não descumpriu a promessa de deixar a sucessora "trabalhar tranquila". "Rei morto, rei posto", declamou o "ex". Nesses três meses, a aprovação de Dilma, inclusive, já igualou os índices obtidos por Lula nos primeiros meses de seu último mandato, em 2006. Lembrando também que ela tem pela frente três reformas muito aguardadas: política, tributária e previdenciária. Sem se deixar levar por frívolas politicagens, a presidente vem surpreendendo por sua capacidade de ser objetiva.

Em sua discrição (ou seria precaução?), Dilma vetou os tradicionais "balanços dos 100 dias" de governo (completados em 10 de abril), muitos dos quais já haviam sido encomendados por alguns de seus ministros. Por conta disso, até mesmo o anúncio do Plano de Erradicação da Miséria, que estava previsto para este mês, deverá ter a data de lançamento adiada. A intenção será evitar que o simbolismo destes três primeiros meses não venha a colidir com o anúncio do plano. Outro objetivo seria evitar que medidas fortes tomadas pela presidente (corte de R$ 50 bilhões no orçamento e definição de um salário mínimo de R$ 545, especialmente) não terminassem taxadas como medidas de "ortodoxia fiscal".

Administrativamente, porém, Dilma tem apostado em um estilo que remete aos tempos em que era ministra-chefe da Casa Civil. Ou seja, dirigindo cobranças à equipe e exigindo o cumprimento das metas estabelecidas. Devagar, os palacianos vão se acostumando ao "estilo Dilma" de governar - muito menos histriônico do que o de seu antecessor. Jeito discreto, mas também "intolerante" quando necessário. Sabe-se que a presidente abomina, por exemplo, ouvir respostas incertas de sua equipe, tal como o infame "eu acho". De seus ministros, cobra certeza com a dura ênfase com que, recentemente, fustigou o presidente Barack Obama em sua passagem por nossas terras. Na ocasião, ela abertamente criticou o protecionismo norteamericano que prejudica países em desenvolvimento, dentre os quais o Brasil. Dilma deixou evidente para Obama que lutará pelos "interesses brasileiros" e, com igual firmeza, aproveitou para demarcar a disposição do Brasil em ocupar um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.

No cotidiano da líder, pontualidade é outra exigência. Todas as manhãs, Dilma é a primeira autoridade a chegar ao Palácio do Planalto e, a esse respeito, advertiu seus ministros que não admite atrasos nas audiências marcadas. Dilma joga duro no cumprimento do protocolo. Diferente do que antes ocorria com o afável Lula, agora os ministros não mais gozam de "tempo livre". Sua lógica é a seguinte: os responsáveis por ministérios considerados "mais importantes" têm 15 minutos e os "menos importantes" cinco minutos. Dilma quer impor o mesmo controle rígido nos "gastos oficiais", aos quais impôs procedimentos éticos severos. Ela exigiu que os ministros sejam comedidos em relação a privilégios que ainda teimam em resistir no "seio do poder". O uso de aviões das Forças Aéreas (comum nos governos anteriores) para que ministros façam viagens a seu estado de origem também está proibido - Dilma advertiu a Aeronáutica de que tais aeronaves só poderão ser acionadas em caso de viagens excepcionais.

Interna e externamente, Dilma vai dando um toque pessoal ao Palácio da Alvorada, até então habitado somente por líderes do gênero masculino. Uma das primeiras providências foi bem feminina: mandou trocar todos os móveis da sala. Em sua faxina, a faceta "laica" de Dilma também falou mais alto. Logo que entrou, devolveu a Lula um crucifixo que havia oito anos estava dependurado na parede do gabinete presidencial. Aliás, nenhuma decisão de governo passa ao largo da sala da presidente. No campo político, a prova de sua ingerência reflete-se na montagem do primeiro escalão de seu governo. Nas escolhas, Dilma valorizou mais a competência técnica de sua equipe, em detrimento da velha praxe de acordos e indicações políticas. Tal "sensibilidade", de fato, foi ponto ganho a seu favor.

Publicamente, a julgar por sua primeira aparição oficial, em janeiro, durante o episódio da tragédia das chuvas na região serrana do Rio de Janeiro, a presidente revelou boa capacidade de comunicação. Em seu pronunciamento, o segredo foi lançar mão de "conteúdos comedidos" - ou seja, não fazendo discurso político e, sim, anunciando a construção de casas para desabrigados. Há quem diga que, com Dilma, a "racionalidade" teria voltado ao Palácio do Planalto. Na ocasião, a presidente chegou a perder a paciência ao tomar conhecimento de que os desabrigados haviam ficado sem conexão de celular na região. "'Imagine o sofrimento dos parentes que buscam notícias e não conseguem falar com os seus entes queridos?", revoltou-se. E prontamente ordenou ao ministro Antonio Palocci que, de seu próprio telefone móvel, ligasse para os presidentes das empresas de telefonia e cobrasse providências imediatas. E liberou: "Pode espinafrar!"

No balanço da deputada federal Manuela d' Ávila (PCdoB/RS), uma vitória de Dilma Rousseff foi ter conseguido desmistificar comentários preconceituosos surgidos durante a campanha presidencial. Os adversários atacavam a então candidata por sua suposta "falta de personalidade". Para Manoela, a presidente tem dado cara própria a seu mandato. "É notável a habilidade que ela tem demonstrado para construir opiniões e, da mesma forma, dialogar com partidos. Cuidar simultaneamente de 'multitarefas', exatamente como a presidente vem fazendo, é uma bem-vinda qualidade feminina no governo."

Da oposição, a deputada federal Mara Gabrilli (PSDB/SP) não poupa, por sua vez, críticas aos 100 dias de Dilma. No juízo de Mara, a presidente perdeu a possibilidade que tinha para elevar o salário mínimo para R$ 600. "Essa primeira atitude demonstrou que o PT não é mais um partido de trabalhadores, e sim um partido de empregadores. Foi o primeiro grande tropeção do governo", reprova a deputada, que censura o governo por "engrossar a máquina administrativa à custa do silêncio dos 'mensaleiros'" - os quais, segundo ela, estariam recebendo cargos dentro do governo federal. "Se chegar agosto e Dilma não tomar alguma atitude, o crime de formação de quadrilha prescreverá. Será então uma vergonha para o país."

Ao fim da entrevista para Ana Maria Braga, Dilma Rousseff , questionada sobre o que esperava da avaliação dos 100 primeiros dias no governo, afirmou que a avaliação deve ser sistemática - "todos os santos dias". A frase ilustra o estilo contido da nova presidente (em contraste com o protagonismo que Lula exerceu nos oito anos de mandato), mas Dilma parece dar outros sinais de mudança - mais especificamente, nas áreas de política externa e direitos humanos. Antes de tomar posse, a presidente deixou claro que não concordava com posições assumidas pelo governo do antecessor. Ela condenou a decisão de se abster de votar na ONU uma punição ao governo do Irã e declarou ser radicalmente contra o apedrejamento da iraniana Sakineh Mohammadi

Ashtiani, acusada de adultério. Mas foi a recente visita de Barack Obama que evidenciou outra característica do "estilo Dilma": a presidente fez questão de convidar todos os expresidentes da história brasileira recente para o almoço concedido a Obama no Palácio do Itamaraty. José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso marcaram presença (Lula não compareceu para evitar "dupla representação"). "Achei uma gentileza, senão não teria vindo", disse FHC. "Em matéria de Estado, quando se está representando o país, não cabem divisões partidárias. A presidente Dilma demonstrou que tem compreensão correta dessa matéria."