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Só no site: extras Marcelo Yuka

Leia abaixo trechos inéditos da entrevista com Marcelo Yuka, publicada na edição 56 da Rolling Stone Brasil

Por Gabriel Louback Publicado em 19/05/2011, às 17h22

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PAULO GOUVEIA/DIVULGAÇÃO
PAULO GOUVEIA/DIVULGAÇÃO

O que o F.U.R.T.O tinha que O Rappa não te proporcionava? E se você não tivesse sido baleado, ainda assim seria inevitável sua saída da banda?

Olha, eu fui desligado do Rappa. Eu não saí porque quis. A verdade é que eu não suportava. Essa saída poderia não ser um rompimento, como foi, mas seria inevitável. Acho que, de alguma maneira, por mim, eu estaria ligado a eles. Compondo, fazendo alguma coisa. Na realidade, esteticamente, eles têm uma coisa que eu jamais terei, e que me falta pra caralho: eu não sou pop. O meu discurso não é bom de ser ouvido. Mas eu não quero ser underground. Nunca quis. Não que eu ache que eu seja underground, maldito, mas... Eu sou aquela parte do Rappa que era mais difícil de engolir, mas ao mesmo tempo foi o que deu autenticidade a eles. No F.U.R.T.O, se estão as minhas melhores poesias musicadas, também tem uma coisa que eu não acho útil hoje, que é o rancor. Tenho que ser mais esperto que o rancor. Eu levei uma vida toda para saber disso.

Você disse que seria inevitável a saída do Rappa. O que você não suportava mais?

[Pensativo] As pessoas. [Pausa]. As pessoas. A pequenez humana. São as menores pessoas que eu já vi na minha vida. A maior pobreza que eu já vi na minha vida. Uma pobreza aguda. E o pior: é pobreza de princípios, que é a mais feia que tem. Não é a pobreza da distorção, é a pobreza de princípio. De quem foi educado para ter o melhor princípio, mas se negou. Se negou pelo poder. Hoje, eu tenho medo do mercado. Tenho medo, sei lá, de montar um outro trabalho e ter que conviver com isso, ou ter que conviver com as facilidades que esse universo tem pra criar esse tipo de pequenez humana. A vulgaridade absoluta.

Existe uma pergunta que nunca te fizeram, mas que você é doido pra responder?

Caralho, que pergunta boa. O que me vem de imediato é se eu tenho saudade de tocar bateria.

Você sente saudade de...

[Interrompe] Tenho. Muita. Não que eu tocasse bem, mas era música física, sabe? Todo o meu corpo fazia a música. Eu suava na música. Eu expirava na música. É gostoso quando a baqueta pega e volta a resposta [simula toques com as mãos]. O som de cada tambor. É gostoso você encarar a multidão como se você estivesse brigando, e era isso que eu fazia. Eu sempre entrava achando que a multidão queria derrubar a gente. Então era: "Vamos lá, galera, somos nós contra eles!" Olha só que mentalidade "Nós vamos ganhar esse jogo". E hoje eu não tenho mais isso, mas eu tenho vontade de tocar muito alto, extremamente alto. Queria tocar aqui, e o público ficar há uns 200 metros [de distância] porque não consegue ficar perto de tão alto. Outra coisa que eu tenho vontade - mas isso eu nunca vou fazer - é de quebrar tudo no palco. Quebrar tudo! Quebrar. Chamar a multidão e dizer: "Vamos quebrar tudo". Por exemplo, eu sou o campeão mundial de jogar celular. Se eu fico puto, eu jogo o celular. Porque meu corpo não tem muito como expressar. Se um cara fica mais tenso, ele anda de um lado para o outro - e eu não tenho isso. Agora estou gesticulando mais com esse braço [mostra o braço esquerdo], então fica tudo contido. O celular é uma maravilha, porque ele se projeta rapidamente, ele espanca, quebra. E quando quebra, ao invés de "Caralho, fiz uma merda", é "Ufa".

Você está de volta ao estúdio e à estrada. Como estão os trabalhos?

Primeiro, tem o Black na Cena, um festival de cultura negra, seja na música e em outras artes, onde vou apresentar algumas coisas do meu CD solo, que estou produzindo junto com o Apollo. Tem participação da Céu, Cibelle e mais. O Chico Neves [produtor do Lado B Lado A, d'O Rappa, do F.U.R.T.O., e de discos de Lenine, Arnaldo Antunes, Paralamas do Sucesso e Los Hermanos, entre outros], também está envolvido. Também estou em contato com o projeto Mestiço, um trabalho "eletro-indígena-hardcore", o que quer que isso signifique, mas que eu pirei, é muito bom, e quero fazer parte. O Sérgio Espírito Santo, praticamente um "índio" de Itaboraí, que me apresentou. No meio dos anos 80 ele já misturava diversos estilos musicais, com cara de Nação Zumbi, mas bem pré-Chico Science, umas coisas com o Fugazzi, inclusive. É a primeira banda de protagonismo indígena, não tinha como estar fora. São três faixas demo e que vamos distribuir. Assim como no Black na Cena, teremos o Boca, um espaço de reflexão e debate no Disco Voador, no dia 26 de maio, para falar de questões como a militarização da segurança pública, os problemas na faixa de Gaza, a questão bélica no Haiti e as UPPs [Unidades de Polícia Pacificadora] no Rio.

Marcelo Yuka faz uma pausa para questionar se o público da Rolling Stone sabe que é ele, e conta a história a seguir:

Outro dia um moleque chegou e pediu autógrafo. "Pra você, é? Mas como é que tu me conhece?", perguntei. Ele: "Eu não conheço o senhor, não. Mas meu pai falou que o senhor é foda". Outra vez, eu saindo do médico, vem uma velhinha e me pergunta: "O senhor é aquele músico, né? Foi acidentado, né?". Respondi que sim. Ela: "Olha, eu rezei muito pelo senhor. Eu rezei demais pelo senhor. O senhor é um exemplo de um homem de verdade. Lá em casa, todo mundo rezou. Estou emocionada". Aí ela começou a chorar, disse que estava emocionada e pediu para segurar minha mão. E no final, disse que queria dizer "só mais uma coisa": "Lá em casa todo mundo adora os Paralamas". [Gargalhadas]

Clique aqui para ler um trecho da entrevista com Marcelo Yuka publicada na edição 56 da Rolling Stone Brasil.