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Pronto para Destruir

Há 20 anos, no auge da carreira com O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final, Arnold Schwarzenegger sonhava com a carreira política, mas também já mostrava seu lado negro

Por Bill Zehme Publicado em 20/07/2011, às 19h52

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Os homens estão em crise, mas ele, não. Não sabe o que "crise" quer dizer. Ou talvez saiba, mas finge que não. Afinal de contas, ele é austríaco, e algumas coisas não são fáceis de traduzir. No mundo todo, ele á chamado de Arnold, mas só porque há letras demais em Schwarzenegger. A esta altura, todo mundo já sabe qual é o significado literal de Schwarzenegger, "lavrador negro" e, assim como muitos lavradores negros antes dele, Arnold sabe exatamente qual é a sensação de quando um cavalo cai em cima dele. Dói muito, sim, mas a dor não significa muito para Arnold, principalmente quando há dublês disponíveis. Mas Arnold nunca está em crise. Por essa razão, é imperativo que Arnold seja Arnold para que outros possam aprender. E, pelo que a sociedade nos diz, nunca houve uma época mais crucial na história para Arnold estar vivo, e isto é bastante conveniente.

Estes são tempos difíceis para ser homem. Eles, de acordo com os especialistas, amoleceram em algum ponto. Infelizmente, se esqueceram de como ser homens. O próprio Arnold certa vez declarou: "Se eu não for eu mesmo, quem diabos então eu sou?" Claro que ele disse isso no filme O Vingador do Futuro - com uma toalha úmida na cabeça: assim não dá para saber se falou mesmo de coração. Ainda é uma boa pergunta, aplicável a maior parte dos homens, mas certamente não a qualquer homem cujo nome seja Arnold Schwarzenegger, porque ele é um homem que sabe exatamente quem é: o maior astro do mundo, um homem de 44 anos forte e bonito, com sotaque alemão, que gosta de charutos caros, motocicletas roxas e diálogos esparsos.

Arnold é um sujeito formidável, cuidadoso com seu tempo, que prefere se dedicar ao acúmulo de fortunas não reveladas em empreitadas comerciais externas. Felizmente, para compreender Arnold não é preciso perder muito tempo nem se esforçar muito. É por isso que ele se transformou no astro enorme que é hoje. Aliás, é exatamente essa qualidade que lhe valeram supostos US$ 12 milhões pelo trabalho no colossal sucesso O Exterminador do Futuro 2: O Dia do Julgamento Final, em que ele desempenha talvez a sua melhor performance de todos os tempos como um cyborg. Nós vivemos em um período complicado, e períodos complicados exigem heróis descomplicados. Entre os descomplicados, Arnold se destaca sem concorrência.

"Arnold é um tipo de modelo de conduta, e alguns podem dizer que é um modelo de conduta obscuro", diz James Cameron, que dirigiu Arnold nos dois filmes de O Exterminador do Futuro. "Ele nunca vai fazer um papel de um personagem que fica sentado em um escritório agitando as mãos. Ele tem a ver com ação direta, ser decisivo. Ele tem a ver com saber o que quer e lutar por isso. Ele é muito claro." John Milius, que dirigiu Arnold em Conan, o Bárbaro e que é ele mesmo um homem celebrado entre os homens, também adere a esta teoria. "Arnold é a corporificação do Homem Superior", ele diz. "É o homem de Nietzsche. Há algo primal nele, que remonta às coisas básicas e primordiais: aço, força e vontade."

Ele não está ciente do fato de que os homens nos Estados Unidos estão em crise. Quando Arnold quer fazer um elogio a um homem, diz o seguinte: "Ele tem o controle". Não existe elogio maior do que esse. Ele prefere usar calça bege e as veste sempre que é apropriado, porque sabe que fica bem com essa peça de roupa. Diz que não faz ideia se o Exterminador do Futuro pode transar ou não. Arnold possui armas, mas nunca caçou. Ele é um líder de homens, um perseguidor de mulheres reformado. (Mas ele não reclama quando mulheres dão beliscões em sua bunda na academia.) Toca Strauss todos os dias para sua filhinha, Katherine, e dança valsa com ela nos braços. Caracteriza seu jeito de cantar como "o pior" e alega não fazer imitações de nenhuma pessoa famosa. Ele consegue sobreviver com três a cinco horas de sono por noite. Ele cochila em qualquer cadeira se estiver bem cansado. Se acha qualquer coisa extraordinária, ele exclama, invariavelmente: "É animal, estou falando!" Sobre sua mulher, a correspondente da NBC Maria Shriver, ele diz: "Ela é uma joia", pronunciando a última palavra com seu sotaque pesado. E, como acontece com a maior parte dos aspirantes a político, ele jura não ter aspiração política, apesar de dizer outra coisa aos amigos. "Ele sempre disse que vai ser o governador da Califórnia", diz Milius. "Faz parte dos planos dele, sabe? Ele até disse que eu ia poder ser o chefe da polícia do estado."

Arnold anda com um Humvee, que é basicamente um tanque de guerra com rodas. É um veículo militar, um enorme vagão de guerra, pintado em cor de areia e recentemente usado com muito sucesso no Golfo Pérsico. Arnold é o primeiro civil a possuir um Humvee; foi especialmente feito para ele pela AM General e pintado com um letreiro que diz: TERMINATOR. Arnold também tem um Jeep normal, mas acha que ele é tão luxuoso que ofende e é fraco. "É bonito", ele diz a respeito do Jeep, com um ar de desdém. "Mas existe uma demanda tremenda por algo que pareça um pouco mais macho, algo que sirva como afirmação, sabe?" Ele viu seu primeiro Humvee em um desfile militar quando estava em Oregon filmando Um Tira no Jardim da Infância e se apaixonou. O carro o lembrou de sua juventude, quando serviu um ano no exército austríaco e dirigia tanques. Ele se emocionava naquele tempo com as demonstrações de força e poder.

Arnold envergonha todos os homens. Vergonha, ele sabe, é uma ferramenta de motivação excelente. Dizem que o pai de Arnold a usava nele quando era pequeno e fácil de impressionar - e olhe só para o resultado! Hoje, principalmente em seu papel de diretor do Conselho do Presidente sobre a Boa Forma Física, Arnold incentiva os outros a atingir a grandeza pessoal. Ele envergonha tanto por meio de exemplos quanto de broncas. No set de Um Tira no Jardim da Infância, ele avistou uma menininha que estava chorando porque tinha ralado o joelho. "Por que você está chorando?", ele perguntou a ela. "Porque o meu joelho está doendo", ela respondeu. "Mas isso é coisa de menininha", ele disse a ela. "Pessoas duronas de verdade não choram. Elas caem de joelho e olham para o machucado; pode ser que as lágrimas venham, mas elas as engolem e dizem: 'Que se dane!'"

John Milius, que entre outras empreitadas cheias de testosterona escreveu os filmes Magnum 44 e Apocalipse Now, faz um relato que talvez defina a essência máxima de Arnold: "Arnold e eu estávamos voltando de uma filmagem um dia e paramos no Tommy's Hamburgers no vale [de São Fernando, em Los Angeles]. Estávamos lá sentados e uma gangue de motoqueiros chegou. Eles rodearam a mesa e começaram a entoar: 'CONAN! CONAN! CONAN!' Foi tenso demais, Arnold ergueu os olhos, e eu não lembro o que ele disse, mas um sujeito chamado Road Pig se sentou e disse para ele: 'Ei, cara, eu sempre quis disputar um braço de ferro com você, irmão'. Então Arnold disse para o sujeito: 'Olhe para este braço'. Então ele tirou o braço para fora da manga e parecia duro como pedra. Ele disse: 'Você já viu um braço tão bonito assim? Se eu fosse usar este braço em você e o machucasse, como é que eu ia me sentir?' E o sujeito, satisfeito, deu uma pegada amigável no ombro dele. Então o sujeito seguinte disse: 'Ei, cara, será que você pode comer a minha velha?' Arnold deu uma olhada, e a velha era bonita. Ele disse: 'Se eu comesse, como é que ela ia se sentir com você depois?'. Finalmente, para aplacá-los, Arnold deu uma volta no quarteirão com duas motocicletas deles. No final, queriam transformá-lo em membro de honra da gangue".

"Eu fiquei lá impressionado", Milius prossegue, "porque de repente você percebe que Arnold pertence a todo mundo. Ele é acessível para todos. Funciona em todos os níveis. Funciona com os parentes da mulher dele, que são da família Kennedy, e funciona com essa gangue de motoqueiros. Se fosse Stallone, eles iam querer desafiá-lo, iam querer ver se ele era durão mesmo. Mas Arnold passou a ser deles. Não, nosso."

Arnold é um homem externo, que vive uma vida externa, da qual ele se beneficiou enormemente. Seu corpo e as coisas que ele o fez fazer deram-lhe sua fama - ele foi, obviamente, nomeado como Mr. Olympia sete vezes e como Mr. Universo cinco vezes - e também a oportunidade de aparecer em filmes com muitas armas de fogo. Muito se sabe sobre o ser físico de Arnold, um ser que fica especialmente memorável vestindo jaquetas de couro preto. Mas sabemos pouco sobre a vida interna de Arnold, em grande parte porque parece que não há muito a saber. A genialidade de Arnold é que sua testa não se franze com muita frequência. Ele nunca é ambivalente. A vida não pesa sobre ele, e, se pesasse, ele poderia afastá-la facilmente com a força dos braços. Quem é que não gostaria de estar no lugar dele, ainda que fosse só por esse aspecto?

"O rosto dele é uma espécie de homem de Cromagnon ou Neandertal", diz Milius, em tom de apreciação. "Arnold não fala muito, mas seu rosto diz tudo." Quer dizer, expressa tudo que é necessário. Foi Milius o primeiro a pedir a Arnold que tirasse proveito disso, durante as filmagens de Conan, o Bárbaro. "Eu disse a ele: 'Sempre que você matar alguém, quero que o seu rosto assuma uma graça do tipo zen, sugerindo um sorriso'. E ele nunca se esqueceu disso. Ele tem uma serenidade absoluta que fornece poder verdadeiro."

O rosto de Arnold não mascara confusão, já que ele nunca fica confuso. "Você precisa compreender que eu olho para as coisas de uma maneira muito clara", ele diz. "Eu vejo tudo com simplicidade. Outras pessoas talvez olhem para as coisas de um jeito distorcido. Por isso que eu às vezes sou muito duro com as pessoas. Quando eu era mais jovem, tinha paciência zero. Logo que alguém reclamava de estar deprimido, eu ficava revoltado." Será que ele em algum momento fica deprimido? "Olha, eu não ando por aí de cara amarrada."

Um breve passeio pelo subconsciente de Arnold registra poucos percalços: ele não tem medo de nada, até onde sabe. Não tem imaginação fértil nem obscura. A morte não lhe passa pela mente. "Eu nunca penso nisso", ele diz. Arnold nunca atende telefones e se esforça para fazer com que o nosso mundo (e o dele) não tenha empecilhos. Ele acredita em uma vida com menos telefone e menos conversa. Pensar, ele diz, também precisa ser uma ação refreada. "Senão, a mente não consegue relaxar", ele diz. "O segredo é deixar que a mente, assim como o corpo, flutue. E então, quando você precisar entrar de cabeça, vai estar pronto com toda a sua energia. É por isso que eu sempre digo às pessoas: 'Não pense!' Isso não significa que você não deve ter cérebro, mas que há uma parte de nós que gosta de encarar a vida de modo instintivo e não tomar decisões. Você se liberta e não analisa tudo e interpreta ou interpreta mal." É difícil descrever o desdém com que ele pronuncia estas palavras. "Assim, você se livra de todo o lixo que o segura para baixo ."

Alguns homens imitam Arnold, e deveriam mesmo imitar. Arnold compreende: "Eu interpreto os personagens que eles gostariam de ser", diz. Hoje, ele chegou a uma convenção de O Exterminador do Futuro 2 que ocorre no hotel Stouffer, nas proximidades do Aeroporto Internacional de Los Angeles. Aqui, entre quase mil participantes ardorosos, com mais tempo livre do que a maior parte das pessoas, vários rapazes se inscreveram em um concurso de sósias do Exterminador do Futuro. Eles usam couro preto e óculos escuros, e o fazem com muita convicção, sem nunca abrir sorrisos, ao circularem pelo hotel. A participação de Arnold vai encerrar as festividades, quando ele vai julgar seus imitadores. "Todo mundo gostaria de ser um Exterminador do Futuro", Arnold fala. "Você pode se vingar de qualquer pessoa que o aborrecer. Existe uma quantidade imensa de frustrações nos seres humanos, e eu acho que essa é uma maneira de fantasiar a respeito de como se livrar delas. Você pode pensar: 'Eu também posso fazer isso'. É uma libertação, principalmente quando você inclui algumas falas bacanas que sempre assinalam que você nem se preocupa com o perigo. Você faz piada com o perigo."

No palco do salão de baile do stouffer, depois de uma extensa introdução, Arnold aparece no meio de uma nuvem de fumaça cor-de-rosa. Está vestido como o Exterminador do Futuro. A trilha sonora do filme toca alto. Os participantes da convenção ficam histéricos. Arnold, sem expressão, percorre o palco, silencia a turba e se dirige à plateia em tom sombrio, digno de um cyborg. "Eu já disse: 'Vá se foder, bundão'." A multidão urra. "Mas eu também disse: 'Eu vou voltar!'" Mais urros. O delírio tomou conta. Há gente em pé. Alguém grita: "Aqui na frente!" Arnold olha com raiva, como só ele sabe fazer. "Vá se foder, bundão!" Sua legião faz um estrondo de aprovação. Arnold fala sobre os méritos do novo filme e anuncia: "Jim Cameron e eu acabamos de decidir, nos camarins, que vamos fazer mais um Exterminador do Futuro. O título vai ser The Sperminator [o esperminador]. 'EU VOU VOLTAR!'" Explosão.

O moderador intercede, na tentativa de dar início ao concurso. "Lembre-se de uma coisa", ele diz ao sujeito. "Quando eu falo, nunca interrompa!" Naturalmente, recebe ovação bem merecida dos participantes da convenção. Finalmente, cinco concorrentes marcham para se colocar perante o homem que representa todos os sonhos do que eles querem ser. Arnold os mede bem devagar, então dá um tapinha em um finalista particularmente cabisbaixo . Ele puxa o sortudo, chamado Scott, e coloca seu pesado braço sobre os ombros dele.

"Parabéns, Scott", ele diz, devagar. "Seu visual é bacana." Scott arrasta os pés, cheio de modéstia. Arnold continua com sua avaliação. "Gostei desses seus lábios sensuais", ele diz, em tom de brincadeira. "É verdade, Scott. Estão me deixando louco!" Todo mundo dá risada. Todos, menos Arnold, cujos olhos dançam atrás dos óculos escuros. Em um instante ele já não estará mais lá. Sai pela zona de carga direto para um carro que está à sua espera, levando consigo mais uma lembrança de seu efeito sobre a humanidade. Mas agora ele precisa descansar. Afinal, ainda há um mundo inteiro de homens destroçados que precisam de conserto.