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Clube da maconha - o uso medicinal da cannabis

Nos EUA, o uso medicinal da maconha está transformando traficantes em empresários de sucesso

Vanessa Grigoriadis Publicado em 01/03/2007, às 00h00 - Atualizado em 01/09/2007, às 19h43

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Cannabis que vira pirulito, chiclete, muffin, etc, etc - Divulgação
Cannabis que vira pirulito, chiclete, muffin, etc, etc - Divulgação

Fitas de THC [princípio ativo da cannabis] que dissolvem na boca. É nisso que Daniel está pensando: quer pegar aquelas coisinhas gelatinosas que parecem durex com menta, e servem para refrescar o hálito, e adicionar óleo de maconha. Ele conhece um fabricante que sabe produzir soluções concentradas de erva e descobriu como fazer com que o óleo se fixe no pullulan - o mesmo polissacarídeo [açúcar] em gel que a marca Listermint usa para fazer seu produto. Agora, muitos estão vendendo essa novidade em saquinhos plásticos com uma etiqueta que diz: "Apenas para uso medicinal", por cinco ou seis dólares cada fita. A maior parte das pessoas recomenda que se use uma só, mesmo que demore muito para bater, porque, se você tomar duas, vai ficar "impotente" por um período de seis a oito horas.

"Tudo nos Estados Unidos hoje é controlado por grandes empresas", diz Daniel, dirigindo pela auto-estrada Los Angeles 405. "Mas ainda é possível criar inovações usando o conhecimento das antigas, como fizemos no início da história deste país." O setor a que Daniel se refere é o da maconha para fins medicinais, a nova fronteira que se abriu na Califórnia nos últimos anos [como parte das operações de Daniel podem ser consideradas ilegais, seu nome, e outros detalhes, foram mudados para preservar sua identidade].

Contrariando a crença popular, a marijuana como remédio não atende apenas a pacientes com aids e com câncer: o estatuto de saúde associado à "Proposição 215", uma lei inovadora aprovada há dez anos, torna legal o uso para quem tem "qualquer doença que possa ser aliviada pela erva". Há muita gente que se encaixa nesta categoria, e diferentes oportunidades de negócio para quem ganha a vida servindo a esses clientes: profissionais de saúde cheios de compaixão, botanistas aficcionados pela arte de plantar, rapazes confiáveis de Long Beach, garotões de San Fernando Valley, brutamontes de Oakland e até mesmo uma moça engenhosa que quer colocar amigas para vender maconha usando só tapa-mamilos. Mas, como acontece em qualquer negociação ligada às drogas, o elemento criminal persiste: armários fechados para guardar o estoque, cofres cheios de dinheiro vivo e armas para se proteger de ladrões tentando roubar esses armários e os cofres. Além da possibilidade de ir para a cadeia a qualquer batida policial.

Hoje, maconha virou "remédio" e os cultivadores são "distribuidores". Daniel não é traficante: ele é um "fornecedor". Em dezembro de 2006, houve até uma "copa de cannabis medicinal" [uma competição de sabor] em um galpão de Hollywood, na frente da loja de discos Amoeba Records. Enquanto B-Real, do Cypress Hill, fazia seu show, os pacientes se chapavam de modo saudável, com seda de celulose 100% natural e bombas de erva cheias de produtos como o "bubble hash" (haxixe-bolha), feito por meio da extração a frio. Em um dos estandes, um "distribuidor" da região norte da Califórnia vendia pacotinho de Kush (um fumo com sabor doce e apimentado); em outro, um cara de bigode, com aquelas roupas verdes de hospital, oferecia fatias de pizza com um grama de erva e "churrasco de peito de frango medicinal" por dez dólares cada um. "Fiquei surpreso pela maneira como esse ramo se transformou em negócio comercial", diz Dale Gieringer, diretor da NORML [National Organization for the Reform of Marijuana Laws - Organização Nacional para a Reforma das Leis Relativas à Maconha] da Califórnia e um dos autores da "Prop 215". "A energia está concentrada na maconha medicinal para a geração mais nova, e já existe uma indústria por trás disso."

"Só porque há um estigma em relação às drogas, não significa que nosso negócio não possa ser administrado de maneira inteligente", salienta Daniel, que nunca foi traficante de rua - começou no ramo com um empréstimo de US$ 50 mil feito pelos pais e, depois disso, guardou os US$ 50 mil que ganhou em lucros para pagar futuros honorários advocatícios. Ele está perto dos 30 anos, tem diploma de faculdade e trabalhou em administração, mas resolveu ficar longe do mundo corporativo. Rapaz articulado, gentil e com mente matemática, veste-se de maneira conservadora para não atrair atenção indesejada das autoridades - o efeito é bem parecido com Andrew McCarthy no filme Abaixo de Zero (de 1987). "Sempre digo: nunca se compare com os medíocres - use sua capacidade de administração para se colocar em um nível mais alto", acrescenta Daniel. "O maior problema deste setor, neste momento, é a mentalidade dos chapados."

A estrada 405 agora está congestionada. Daniel dá uma olhada no celular: a assistente dele, que colocou silicone nos seios, ligou para dizer que está com muita dor. Sua mente não pára de trabalhar. Ele sonha em ter a máquina de produção comercial de pullulan, usada pela Listermint, e, assim, produzir zilhões de fitas com THC. O equipamento custa US$ 50 mil, mas dinheiro não é o problema.

O primeiro passo para comprar erva medicinal é conseguir uma receita médica, que geralmente é um documento de Word impresso por um computador [como a droga é substância controlada, os profissionais da saúde preferem não fazer a prescrição em seus prontuários]. É muito fácil encontrar mais de 50 doutores partidários da maconha na internet, em sites como GanjaGrocer.com, por telefone, pelo número 888-POT-DOCS, no MySpace, em cartões-postais com distribuição gratuita, pelo rádio e em folhetos. A consulta custa cerca de US$ 150 e normalmente tem validade de um ano. Os médicos preferem que os pacientes forneçam comprovação médica de seus males, mas a falta de papelada não impede que a receita seja passada (o governo não mantém registro completo do número de pessoas que usam maconha medicinal, mas os partidários dizem que há cerca de 250 mil usuários). A consulta não é coberta pelo seguro-saúde, mas alguns profissionais garantem a devolução do dinheiro: se você não for aprovado para o uso, não precisa pagar a visita!

Empresários que desejam maximizar seus ganhos com a cannabis-remédio costumam investir nos médicos; é comum pagarem metade do valor da consulta de cada paciente, o que é bem justo, já que os conselhos de medicina ameaçaram suspender algumas licenças. No dia em que visitei um consultório em Hollywood, praticamente todo mundo saía de receita na mão - e são cerca de 30 pacientes por dia. Os telefones tocavam sem parar e o patrão precisou atender algumas ligações porque a recepcionista não estava dando conta: o Better Business Bureau [associação de defesa dos direitos do consumidor] quer incluí-lo em seu banco de dados, o gabinete do procurador da justiça tem algumas dúvidas a respeito da natureza específica da doença de um paciente com problemas legais e dois chapados querem saber como chegar ao consultório. "Passamos muito tempo explicando como se faz para vir até aqui", diz ele, irritado.

Uma receita médica abre as portas para o mundo maravilhoso dos clubes de maconha, conhecidos como "dispensários". Na Califórnia - diferentemente dos 11 outros estados norte-americanos com leis relativas à cannabis medicinal -, existe uma vaga proteção legal para lojas, ao estilo de Amsterdã (Holanda), que vendem drogas medicinais. Com nomes como "Compassionate Caregivers" [profissionais de saúde cheios de compaixão], "Earth Healers" [curadores da terra] ou "Kush Mart" [mercadinho de kush; bem menos obscuro], esses estabelecimentos são o paraíso dos maconheiros - parecem farmácias de antigamente, com vitrines de vidro cheias de frascos, apresentando 20 ou 30 tipos de erva, quase todos de qualidade excepcional, com preços que variam entre US$ 35 e US$ 100 por 3,6 gramas. Qualquer dispensário de respeito também vende: haxixe, geléias de maconha, chás de maconha, pirulitos de maconha [Hydropops], doces com maconha, manteiga de amendoim com maconha, sorvete com maconha e, pelo menos, meia dúzia de sabores de refrigerante de maconha (às vezes em máquinas que funcionam com moedas).

A base legal para a existência deste tipo de estabelecimento sustenta-se por um fio: na Califórnia, é legal que os "pacientes" tenham em seu poder 230 gramas de erva. Mas o mais importante é que o governo federal dos Estados Unidos continua considerando a posse e a venda 100% ilegal, seja ela comercializada por um dispensário em Santa Monica Boulevard ou por um cara sorrateiro em um beco perto de um escola de ensino médio. "Não fazemos diferenciação entre quem usa a lei estadual para distribuir maconha e quem faz tráfico nas ruas", explica a agente especial Sarah Pullen, da Divisão Anti-Drogas de Los Angeles. "Maconha é maconha." Apenas um punhado de agentes da Divisão Anti-Drogas trabalha com a maconha medicinal em Los Angeles, e isso não é páreo para o tino comercial dos norte-americanos. Em São Francisco, os clubes são regulamentados e, em San Diego, só faltou a prefeitura convidar os agentes federais para fechar todos os existentes ali; Los Angeles, no entanto, goza de liberdade completa. Cerca de 200 dispensários abriram neste condado desde que uma lei estadual do Senado garantiu proteção a esses locais.

Em uma noite de sábado não há muito tempo, pacientes enchiam a sala de espera da loja de Daniel que recebe mais público - ele tem participação em diversos dispensários de Los Angeles que ficam abertos sete dias por semana. Daniel quer ajudar os doentes e isenta as taxas de quem não tem dinheiro para pagar pelos "remédios". Algumas lojas entregam em casa, mas o dono do negócio não acha que valha a pena quando se leva em conta o preço do seguro e da gasolina. Outros estabelecimentos (de produtos diferentes) pagam imposto sobre as vendas, mas ele ainda não, com base no princípio de que remédios são isentos de taxas. Ele se orgulha em dizer que tem a melhor seleção de ervas de Los Angeles, com dúzias de tipos listados na lousa a cada dia - com várias Purps e muitas, muitas Kushes (uma verdadeira febre entre os consumidores de Los Angeles).

Uma mulher de moletom azul- fluorescente entra na loja, passando por três barreiras de segurança: um vigia armado, uma gaiolinha fechada e duas portas com alarme. Daniel já foi assaltado mais de uma vez, mas observa com um toque de orgulho que nunca sofreu um "roubo de controle". Isso acontece quando os bandidos se fantasiam de policiais e fingem estar dando uma batida, amarram os clientes e roubam tudo o que está à vista - nas internas, chamam isso de "Ocean 420", alusão ao filme Onze Homens e um Segredo (Ocean's Eleven); a gíria 420 significa algo como "hora de fumar um". Um amigo de Daniel sofreu esse tipo de ataque e, ao chamar a polícia, foi preso.

A sala dos fundos está levemente anuviada pela fumaça dos baseados, Nine Inch Nails toca a todo volume nos alto-falantes e uma pilha de telas de vídeo documenta o que acontece na rua, na sala de espera e na farmácia. Em uma das paredes há diversos cofres de armas de 1,80 metro de altura e 1.600 quilos, cada um deles com teclado digital e tranca, iguais ao cofre da casa de cultivo do seriado Weeds. Os cofres, chumbados no chão, abrigam dezenas de quilos de maconha, uma fração do estoque verdadeiro, sendo que o restante está guardado em outro local, segundo Daniel. Quando ele abre os cofres, começo a rir - chocada, nervosa, agitada -, nunca vi tanto fumo, nem na TV. Na farmácia, os pacientes de sempre: tipinhos de Hollywood com jeans de marca, uma mulher mais velha que pegou os óculos de leitura para examinar a lousa com as ofertas do dia e um sujeito magrela que não pára de falar sobre um esquema imobiliário que arrumou em Pacific Palisades, onde mora na garagem de uma casa de US$ 2,6 milhões que ele quer passar para a frente, só que a fundação está rachada. Há gente doente aqui, e celebridades: certa vez, Daniel até conheceu um rapper famoso, depois que ele entrou para a lista dos medicados [parece que sofre de ansiedade e estresse]. Em um canto, há algumas bonitinhas chapadas, que Daniel chama de "shoppies", como as loiras de uma cidadezinha na região sul do país ("provavelmente um pântano") que o apresentaram ao roqueiro Tommy Lee em um restaurante. Ele deu uma tira de THC a Tommy, que não acreditou que tinha maconha naquilo! Daniel deixou Tommy Lee chapado.

No balcão, um sujeito com uma camiseta da Universidade da Carolina do Sul conversa com o vendedor de cavanhaque - os funcionários de Daniel recebem aproximadamente US$ 20 por hora, mais um grama de graça por dia. Com tantas opções, o cliente - digo, paciente - não sabe o que comprar.

"Os muffins parecem bons", ele diz.

"Eles têm mais ou menos um grama e meio de haxixe", completa o balconista. Então, aponta para uma meleca: Haxixe em pó superforte, misturado com mel. "Você deve levar este aqui. Com certeza é o remédio certo para o seu caso."

Apesar de este ramo incluir tanta diversão, Daniel não se esbalda nem um pouco. Como acontece com qualquer setor clandestino, não se pode confiar em ninguém além de você mesmo. Às vezes ele precisa passar a noite em claro, esperando que os distribuidores se desloquem de seus galpões em condados próximos a Los Angeles [eles geralmente oferecem um ou dois tipos de erva, já que fica mais fácil controlar as condições de cultivo com uma plantação só]. A prima dele é quem fazia as compras - o nariz dela é impressionante, capaz de sentir o cheiro do mofo no fundo do saco - mas os dois se desentenderam, e parece que o irmão de Daniel não consegue cheirar a maconha como se deve. "Cheirar a erva, o primeiro passo para identificar um bom produto, é como ser capaz de enrolar a língua", diz Daniel. Até ele está em certa desvantagem neste quesito, porque não usa mais - é preciso conhecer bem o produto para comprar e vender. Durante a faculdade, fumava umas duas vezes por semana, mas o cheiro o deixa enjoadíssimo.

O sonho de Daniel é que seu empreendimento possa funcionar com o real sistema de franquias - e as lojas comprariam a maconha só dele. "Olhe para o McDonald's ou para o Starbucks: a única maneira de gerenciar as franquias é controlando o fornecimento", esclarece. "Ainda assim, o fluxo de caixa é muito difícil. Não existe maneira de transformar isto aqui em franquia a ponto de receber uma porcentagem dos lucros, relaxar e só ficar ganhando dinheiro." Ele não pode fazer registros detalhados das transações, devido à possibilidade de uma batida da Divisão Anti-Drogas. E não pode confiar em algum assistente para cuidar dos registros, devido à possibilidade de ele ser um informante.

Os narcs [gíria para os agentes federais que trabalham no combate às drogas] são o maior incômodo. No ano passado, deram batida em uma das lojas de Daniel, que acabou com um prejuízo de US$ 100 mil. Além de secar suas contas bancárias, os agentes federais levaram o que tinha no local: erva, computadores, dinheiro... Tudo que não estava chumbado no chão. Chegaram a ir até a casa de um dos funcionários dele. No entanto, parece que o caso não está indo adiante. Os federais deixam os processos parados porque os procuradores da justiça raramente levam esse tipo de processo ao tribunal, a menos que quantidades homéricas de erva estejam envolvidas, e as divisões anti-drogas locais não costumam registrar acusações. Na verdade, faz dois anos que nenhum dono de clube de Los Angeles é processado pelo governo federal. Talvez Daniel até consiga recuperar seu dinheiro, mas teria que pagar um terço do que recebesse a um advogado, além de mostrar aos agentes federais todo tipo de registro - e esta é a última coisa que deseja fazer.

Por isso, ele está fadado a ficar dirigindo de um lado para o outro, dia e noite, entregando erva por atacado. Hoje, precisa ir a San Fernando Valley - considerado o Oeste Selvagem da maconha medicinal, com dúzias de lojas inauguradas por garotos que há apenas um ano vendiam maconha no porão da casa da mãe. Daniel quer ficar longe do Valley porque ouviu dizer que vão acontecer batidas por lá nesta semana - explica que, pagando as pessoas certas, é fácil de se obter informações com 24 horas de antecedência.

Agora o homem da erva está seguro. Estamos no apartamento dele, um lugar moderno na zona oeste, adequado para um yuppie bem-sucedido preparando-se para passar seu produto para frente. Daniel abre armários na cozinha e, lá está, ao lado dos rolos extras de papel-higiênico: sacos de meio quilo de Northern Lights Haze, Afghooey, Black Sensei, Bubblicious, Blackberry e Green Erkle; 250 gramas de White Widow; um quilo de Cali Orange e mais outro de Sour OG Kush; 1,25 quilo de Mekong Haze; 1,5 quilo de Purple Haze; 37 gramas de haxixe Lamb's Breath; 125 gramas de Master Kush; 189 gramas de uma erva sem nome; e 110 gramas de haxixe Granddaddy Purple. "Nem queria esse haxixe", adianta. "O distribuidor falou: 'Tenho aqui 250 gramas de haxixe, você quer?'. Não, eu não queria. Procurava erva em flor. Mas o que os cultivadores adoram? Fazer com que você leve tudo o que têm para que eles peguem o dinheiro adiantado e saiam limpos. A última coisa que querem é ser parados na estrada com US$ 60 mil no bolso e acabarem detidos porque estavam carregando 250 gramas de haxixe." Ele coloca tudo na caminhonete, em quatro bolsas gigantescas.

O trânsito na auto-estrada 101 está fluindo bem - Daniel acredita, de verdade, que, fora da hora do rush, Los Angeles tem o melhor sistema de estradas do mundo, e tenta colocar seus estabelecimentos a cinco minutos de distância de uma auto-estrada. Olha para o telefone. "Será que ligo para a loja?", preocupa-se. "Se eu fizer isso, vão tentar esconder alguma coisa antes de chegar. Talvez tenham comprado algo de alguém de fora, vai ver que estão no sofá jogando PSP ou algum deles fechou a loja para trepar com uma cliente nos fundos. Com certeza tudo isso já aconteceu."

A loja está calma. dois rapazes cuidam do balcão. No fundo, duas loiras de minissaia e batom fosco colocam selinhos com groselha em uma montanha de frascos plásticos de remédios vendidos sob prescrição médica. Um vira-lata irrompe no recinto. "Nada de animais aqui... Quantas vezes já disse?", Daniel se irrita. "Não é medicinal." Olha ao redor procurando algo para comer, mas só encontra doces de cereal Rice Krispies com maconha, já mordidos, e brownies com maconha. "Será que alguém pode fazer o favor de pedir uma comida?", pergunta, alterado. Uma das garotas lhe entrega o cardápio de um restaurante italiano ali perto. "É superbom, porque os entregadores são nossos pacientes!", ela explica, sorridente.

A outra moça sorri para Daniel, e parece muito orgulhosa de si mesma. "Acabei de vender um pouco de Pussy Kush para um paciente", ela conta, acanhada, "e falei para o cara que ele podia cheirar, mas que não ia poder colocar o dedo na pussy [xota] por US$ 100."

A erva vai para cima da balança nova, ao lado de um calendário de gostosas de biquíni. Daniel diz aos funcionários para torrar a Sensei e a Purple Haze, e dá ao colega mais ou menos um quilo do produto que quer se livrar. Na medida que o negócio dos compostos de maconha medicinal é um jogo de movimentação de estoque como qualquer outra transação comercial de drogas, Daniel ganha dinheiro extra ao vender produtos que não pode repassar a outras lojas. Pega os 189 gramas que não têm nome. "Não sei bem o que é isto aqui", avisa. "Talvez seja Purp." Um saco plástico transparente, do tipo usado para congelar alimentos, passa de mão em mão. "Meu Deus", diz um cara, "para ser sincero, fede muito."

"E se for Grape Ape?", pergunta outro sujeito. "Só que, no mês passado, a High Times estava com um estoque grande dela, então as pessoas sabem como é." Daniel pensa. "Nomes com frutas sempre vendem bem", pondera. "De que fruta vocês gostam? Quem sabe Skunkenberry [frutinha fedida]?" "Skunk Fruit [fruta fedida]!", diz o primeiro cara. Todo mundo ri, e Daniel anota o nome no saquinho com pincel mágico preto indelével.

Na manhã seguinte, ele acorda na casa da namorada, enrolado nos lençóis dela. Dorme o sono dos justos, realmente acha que está praticando o bem. "Esta é a vida que levamos aqui... agentes federais, não venham enfiar o nariz!", dispara. "O governo federal nunca vai entender a Califórnia, por isso nos classificam como liberais, gays, judeus subversivos que acabam com o valor dos Estados Unidos. Não gostam de nós e eu não gosto deles. Este movimento é mais uma maneira de dizer a Washington: 'Afaste-se'. Nós não vamos aceitar que os direitos dos estados sofram erosão." Ele também é a favor do uso da maconha como sistema de saúde alternativo: "Temos o direito de criar algo nosso, de não sustentar a Pfizer, a Eli Lilly e o sistema de seguro-saúde só porque os lobistas do Congresso dele têm mais força do que nós", afirma. "Se quisesse fumar maconha, acho que devia ter esse direito. Quer dizer, é uma planta."

O desejo mais profundo de Daniel é não precisar esconder o dinheiro que lucra, sempre com medo de que agentes federais apreendam seus bens. Ele gostaria ainda de trabalhar um pouco mais com o cultivo - abriu uma casa de plantação, mas os responsáveis não compareciam muito ao serviço, e uma das cadelas deles fez a maior bagunça no tapete do andar de cima quando deu cria. Está pensando em comprar um sítio em Mendocino, perto da propriedade dos pais de um amigo seu de Hollywood, que plantam kush. Em sua opinião, lá nas montanhas, os cultivadores existem em um mundo perfeito onde são só eles e as plantas. Às vezes, ligam para ele às três da manhã para avisar que algum botão está florescendo, para ver se ele quer ir dar uma olhada. "São simplesmente agricultores norte-americanos fantásticos", entusiasma-se. "Gostaria que a vida fosse tranqüila como a sensação de estar dentro de uma plantação mágica de maconha medicinal. Realmente, é uma coisa linda."

Voltamos a nos encontrar duas semanas depois e estamos em um restaurante vegetariano da moda em Melrose. Daniel procura um Ativan nos bolsos, mas não encontra nada. Ele está nervoso. Há um novo bando de ladrões que descobriu como abrir os cofres: acha que podem ser um monte de ex-seguranças de dispensários que sabem trabalhar com uma furadeira com ponta de diamante. Há ainda o amigo irritante dele que quer US$ 50 mil para ir até o norte do estado comprar maconha para vender aqui. "Entendo o ponto de vista dele, porque é mesmo muito chato pagar entre US$ 300 e US$ 400 para os distribuidores por meio quilo simplesmente porque eles ficam sete horas na estrada para chegar a Los Angeles", explica. "Mas assim, corro o risco de ele ser parado e eu perder os US$ 50 mil." Daniel conta que um de seus seguranças pegou um cara fotografando as placas dos carros no estacionamento dele na semana passada: parece que é uma investigação policial, mas ainda não sabe sobre o quê. Nos despedimos na calçada.

Dois dias depois, a natureza da investigação se torna mais clara: à tarde, 120 agentes da Divisão Anti-Drogas, com helicópteros na retaguarda, baixam sobre 11 dispensários de Los Angeles e detêm quase duas dúzias de fornecedores. De acordo com a agente especial Pullen, 2,3 mil quilos de maconha, 163 plantas, US$ 200 mil em dinheiro, sete pistolas e uma espingarda foram apreendidos. Uma semana depois das batidas, o delegado de polícia de Los Angeles, Bill Bratton, impetrou moratória sobre mais dispensários até que a prefeitura aprove nova regulamentação. Daniel não conta se alguma de suas casas entrou na batida, mas foi até uma das atingidas e comentou que a polícia nem deixava as pessoas passarem pela calçada. "Levando em conta que há mais de cem clubes na cidade, a ação é relativamente restrita", comenta, esforçando-se para mostrar o lado positivo do acontecido. "É surpreendente: os federais nem perceberam que uma das lojas que invadiram tinha o segundo andar! Dois caras se esconderam lá e ficaram observando pelas câmeras quando levaram embora o caixa-automático e destruíram tudo."

O telefone dele não parava de tocar - são defensores da maconha medicinal organizando um protesto em frente à subprefeitura de West Hollywood. Pouco depois disso, agentes federais apreenderiam a Ferrari de um fornecedor. "Esta é uma ação política", Daniel conclui. "Alguém está bravo porque agora a maconha está nas ruas. Não está nem perto de ficar escondida." Ele não suportaria visitar nenhuma das lojas que sofreram ataque: tinha certeza de que os estragos causados pelos agentes federais da Divisão Anti-Drogas seriam piores do que um massacre. Está concentrado no futuro, ajudando as pessoas a fazer planos para reabrir. "Todas as 11 lojas vão funcionar de novo", afirma, "não agüento esperar para ver a cara com que os policiais vão ficar quando isso acontecer." Daniel considera este movimento grande demais para ser detido.