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João Donato

Redação Publicado em 10/03/2010, às 08h13 - Atualizado às 14h12

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ILUSTRAÇÃO: DAVI CALIL
ILUSTRAÇÃO: DAVI CALIL

João Donato

Sambolero

Dubas

Em 1956, João Donato e seu grupo entraram em estúdio para o registro de Chá Dançante, um acetato de 12 polegadas no qual Tom Jobim empresta sua sofisticação ao piano em quase todas as faixas, embora esse importante dado tenha sido omitido na época. Mas o disco noticiava na contracapa: “O mestre do acordeom João Donato num repertório de primeira”. Dois anos depois, quando o LP suplantou o formato anterior de 78 rotações, o acriano Donato adotou, definitivamente, a excelência do piano como instrumento. Só em 1962, porém, ano de grandes álbuns de jazz, como Tamba Trio, Go, de Dexter Gordon, e Samba Jazz, de Stan Getz & Charlie Bird, Donato lançou com o trio formado por Tião Neto, Milton Banana e Amauri Tristão seu primeiro disco autoral, Muito à Vontade. Gravado na norte-americana Pacific Jazz, lar de Chet Baker, Bud Shank e Gerry Mulligan, a produção ganhou nos states o gingado nome de Sambou, Sambou. Foi a bolacha que flechou o coração dos grandes jazzistas para a bossa nova e projetou Donato para o mundo. Sambolero, o novo de João Donato, persegue a mesma doutrina instrumental de Sambou, Sambou, mas não é tão somente um simulacro da “álgebra” que lhe consagrou planetariamente. O disco excursiona por uma fração de sua obra, selecionada, literalmente, a dedo pelo pianista: entre outros gêneros, navega do samba ao bolero e aporta na velha bossa nova e na eternidade do jazz. O resultado apruma-se entre o fino e o popular. Galvanicamente unidos estão o compositor, o pianista e o arranjador – indissolúvel trindade. À menor frase sacada de seu piano lustrado em Debussy, o senso rítmico prodigioso de Donato põe o ouvinte para “balançar” em Sambolero. “Amazonas” abre o disco com sua melodia nascida de um sonho que João teve na temporada que passou nos Estados Unidos. Posteriormente letrada (duplamente) por Lysias Ênio e Arnaldo Antunes, em Sambolero a música foi vestida instrumentalmente apenas. “Lugar Comum”, também batizada de “Índio Perdido”, é a primeira menção que Donato fez, nos anos 40, à terra natal, o Acre. O próprio tema que dá nome ao álbum, “Sambolero”, conta uma história: remete à curiosa “Chombo Lero”, originalmente uma homenagem ao sax tenor cubano José “Chombo” Silva. O piano de Donato também flana cristalino por standards de seu repertório, como “Bananeira”, “Brisa do Mar”, “Jodel”, “A Rã” e a bossa com jazz afrocubano de “Nasci para Bailar”. “Sambou, Sambou” (a única que apresenta letra), malemolente dueto com Zeca Pagodinho, cuja gravação havia sido registrada em Prova de Amor, último álbum do pagodeiro, é séria candidata a hit do disco. Para tocar no álbum, João escalou a dupla de ouro Robertinho Silva, na bateria, e Luiz Alves, no baixo acústico, dois dos mais hábeis ritmistas com militância no círculo das boates cariocas. O trio toca há 30 anos e, juntos, rodaram o globo terrestre. Às vésperas de gravar Sambolero, João Donato andava de um lado para o outro, sem ter bem certo o repertório e o conceito do álbum. O produtor João Samuel queria cancioneiro novo combinado ao antigo. Era madrugada e a esposa e empresária de Donato, Ivone Belém, receitou: “O disco que te mostrou ao mundo e tem o genuíno toque donatiano é Muito à Vontade. Vai beber nessa fonte!” Assim ele fez. Aliás, “muito à vontade”, na gíria da época, significava que o cara tinha fumado um “cigarrinho do diabo” e ficado muito descontraído. Não se sabe se foi o que aconteceu em Sambolero, mas que dá vontade de relaxar ouvindo, isso dá.

Por Cristiano Bastos