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Lição de Casa

Redação Publicado em 11/12/2008, às 18h45 - Atualizado às 18h58

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ilustração: hugo araújo
ilustração: hugo araújo

Marcelo D2

A Arte do Barulho

EMI

Lição de Casa

Rapper carioca repete a interessante fórmula engendrada anteriormente, embora o cansaço se avizinhe

Nos bastidores do show business, não é história rara, nova ou original. Rapaz talentoso escala as margens da sociedade e conquista um lugar ao sol, a bordo de muita energia, inventividade e uma rebeldia incisiva e convincente, porque essencialmente sincera e extraída de experiências e dificuldades vividas na carne. A partir do sucesso, a "vida real" se acomoda entre nuvens de reconhecimento, fama, dinheiro, poder, bajulação, merecimento. Tudo muda, só o discurso permanece o mesmo. Não é de hoje que essa metamorfose se processa na obra de Marcelo D2, um dos nomes definidores das reformulações com que a música brasileira foi abençoada na virada dos 1900 para os 2000. Seu novo disco, A Arte do Barulho, gira em círculos em mais de um sentido, e em certas passagens tem de enfrentar o descompasso e o desgaste, até mais no campo musical que no verbal. Não soa decadente o discurso que traçou destinos para D2, de incorporação da inteligência musical brasileira às síncopes e quebradeiras do rap. Há rasgos brilhantes, como em "Desabafo", com o sampler matador de uma voz feminina que em princípio lembra Elis Regina, em um samba suingado de Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza. É a voz de Claudia, uma entre várias cantoras (pense nas magníficas Doris Monteiro e Evinha, por exemplo) que no início dos 70 gozaram de menos popularidade, e mais suingue, e menos densidade, e mais leveza que Elis. O sucesso de D2 se aglutina ao quase-não-sucesso de Claudia, bingo, ponto, gol. Nem sempre a mira é tão certeira, e possíveis espaços vazios são preenchidos pelas presenças frescas de Mariana Aydar, Roberta Sá, Seu Jorge, Thalma de Freitas, Zuzuka Poderosa (quem é ela?!) e o veterano Marcos Valle. Mas a fórmula, repetida demais, periga soar cansativa, e não sou eu que estou dizendo. Desde Meu Samba É Assim (2006), é evidente uma acomodação do público diante de D2, talvez correspondente à burocratização do artista perante a platéia. Antes dele, Fernanda Abreu descobriu precisamente como funciona esse tipo de armadilha. No texto, é mais ou menos a mesma coisa. A rebeldia maconheira dos tempos heróicos de Planet Hemp aparece em "Meu Tambor", nas rimas de Zuzuka Poderosa (mas quem é ela?!), e o mote "vamos fazer barulho" se auto-reproduz ao cansaço, e, ainda bem, sem tanto barulho assim. O sinal mais marcante de mudança aparece, por ironia, em "Oquêcêqué?", a faixa que aparenta ser a mais conformada. "Sou boêmio/ com uma família pra criar, que ganha prêmios, grana, e não esquece o lado de lá/ vou repetir o que o Aragão falou: respeite quem soube chegar aonde a gente chegou/ uns querem dinheiro, outros só querem emprego/ eu vou tipo Tim Maia, o que eu quero é sossego", clama o narrador nesse rap malemolente, e é onde D2 mais se parece com o D2 de hoje. Talvez não soe lá muito animador, mas uma alternativa a isso seria ele fingir ser quem já não é. O preço seria alto, e foi pago, por exemplo, pelos Titãs, como eles próprios demonstram com valentia no documentário A Vida até Parece uma Festa. O D2 de 2008 parece bipartido entre se acomodar e se reinventar. Não há rota pronta, e o lugar a que chegará será defi nido não só por A Arte do Barulho, mas, mais ainda, pelos próximos passos de seu inventor. Mas de uma coisa Marcelo D2 pode ter certeza: se ele não se cansar de si mesmo, nós também não nos cansaremos.

Pedro Alexandre Sanches