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Quatro Tons de Odair José

Odair José

Paulo Cavalcanti Publicado em 13/11/2013, às 10h51 - Atualizado às 10h56

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Segue o interesse pela geração de cantores populares da década de 70, gente que ganhou perfil no essencial livro Eu Não Sou Cachorro Não (2004), de Paulo César Araújo, ainda a palavra definitiva sobre o assunto. A obra ajudou na redescoberta de toda uma safra de artistas que vendiam milhares de discos, mas injustamente não eram levados a sério pela crítica. De toda aquela turma, Odair José foi o que mais despertou interesse posterior. Em 2006, ganhou um tribute indie, chamado Eu Vou Tirar Você Desse Lugar. Mas, para entender Odair, nada melhor do que ouvir o próprio Odair. A chance é agora com este box, que traz os quatro álbuns mais populares que ele gravou na Polydor. Os títulos são: Assim Sou Eu... (1972), Odair (1973), Lembranças (1974) e Odair (1975).

Odair José começou na CBS, no momento pós-jovem guarda. Magro, de rosto anguloso e olhar intenso, o goiano era um trovador improvável. O governo militar vendia um Brasil grande, mas tropeçava na incompetência administrativa e na inabilidade em lidar com os problemas sociais. Odair não era politizado, mas tinha o dom para detectar a temperatura das ruas – sabia o que acontecia entre as pessoas das camadas populares, já que, de certa forma, era uma delas. O músico circulou pelas ruas do Rio de Janeiro, dormia em locais baratos, observava as prostitutas, os recém-casados com filhos pequenos e os operários. Músico intuitivo, apreciava cantores-compositores como Cat Stevens e Neil Diamond. Essa pegada roqueira tornou comercial, radiofônica e urgente a música que ele fazia.

Mas o grande lance de Odair José eram as letras que cutucavam tabus morais, sexuais, sociais e religiosos. Os censores ocasionalmente se incomodavam, mas no geral achavam que ele era apenas mais um cantor romântico inofensivo de programas de auditório. E ele tinha o que dizer. O tema do compacto Eu Vou Tirar Você Desse Lugar (ainda na CBS) era prostituição, mas o tom sincero de Odair fez com que a música fosse um hit. Em Assim Sou Eu…, o primeiro álbum pela Polydor, ele falava do trauma da separação familiar em “Pense pelo Menos nos Seus Filhos”. No álbum seguinte, chamado apenas Odair, lançou o hit “Deixe Essa Vergonha de Lado”, que deu a ele o pejorativo apelido de ‘Terror das Empregadas”. Mas ninguém tira de Odair o pioneirismo sobre o assunto. O mote de “Revista Proibida” era masturbação. Em tempos de desaparecidos políticos, Odair ironicamente colocava o Brasil para entoar “Cadê Você”. Mas nada se comparou ao impacto de “Uma Vida Só (Pare de Tomar a Pílula”). Chico Buarque e Caetano Veloso não teriam verve de fazer uma música sobre controle de natalidade – mas Odair, sim. Lembranças veio a seguir com canções amargas como “Barra Pesada” e “Cotidiano no 3”. Odair, o derradeiro álbum pela Polydor, foi mais radical, incluindo “Viagem” (sim, é sobre drogas) e “Na Minha Opinião, manifesto contra a burocracia do casamento.

Odair José saiu da Polydor na metade da década de 70 e passou por outras gravadoras, incluindo a RCA, em que gravou a inacreditável ópera-rock O Filho de José e Maria (1977), um disco que precisa ser relançado. Então, como diria o próprio cantor, deixe essa vergonha de lado e ouça o trabalho dele. A música de Odair ainda soa legal, envelheceu bem menos do que supervalorizados clássicos de vários medalhões da MPB e ajuda a entender quem você é e também o país onde vive.

Fonte: Universal