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Os 100 maiores discos da música brasileira

Redação Publicado em 09/11/2007, às 13h53 - Atualizado em 13/11/2007, às 17h48

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Imagem Os 100 maiores discos da música brasileira

A discussão sobre quais são os grandes discos da música brasileira é um tema mais dinâmico do que é possível supor. É notório que as perspectivas de apreciação se modificam em curtos períodos, mas é natural que existam algumas unanimidades difíceis de se desbancar.

+++ LEIA MAIS: Acabou Chorare, dos Novos Baianos, É o maior disco brasileiro de todos os tempos, segundo a Rolling Stone Brasil

Em uma votação sem precedentes na imprensa nacional, a RS Brasil convocou estudiosos, produtores e jornalistas para eleger os maiores discos de nossa música em todos os tempos. A cada um dos 60 eleitores, foi solicitado que escolhesse 20 discos, sem ordem de preferência.

Os critérios analisados incluíram valor artístico intrínseco e importância histórica. Todos os votos foram somados e resultaram em uma lista de 100 discos essenciais; os dez primeiros estão reunidos aqui no site

+++ Moraes Moreira, fundador dos Novos Baianos, morre aos 72 anos


1. Acabou Chorare

Novos Baianos (1972 " Som Livre)

Não é de se espantar que sejam os Novos Baianos os grandes vencedores de uma lista feita em 2007 sobre os maiores álbuns da história da música brasileira. Longe de serem definitivas, eleições como esta são muito mais eficientes como espelho do tempo em que foram feitas do que como avaliação imutável da importância artística das obras em questão. E, é fato, não há nada mais sintonizado com o modus operandi da geração anos 2000 (ou, ao menos, com o método de criação da fatia mais interessante dela) do que a filosofia coletiva, hippie e sem hierarquias proposta desde sempre pelos Novos Baianos. É assim que trabalham hoje, por exemplo, a Orquestra Imperial, o +2, o Instituto, os Tribalistas.

Também tem relação direta com o grupo de Moraes, Baby, Pepeu, Boca, Galvão, Dadi, Jorginho, Baixinho e Bolacha o retorno triunfal do samba ao centro do interesse estético de quase todas as cantoras surgidas na última década: Vanessa da Mata, Céu, Roberta Sá, Mariana Aydar, muitas. Todas elas chegaram à cena musical com o terreno - que outrora era fértil apenas para o rock - já preparado para o samba. E muito disso se deve, sem sombra de dúvida, à releitura que vem sendo feita por Marisa Monte, cantora de entrada irrestrita na juventude de classe média, desde pelo menos 1996 ("A Menina Dança", faixa de Acabou Chorare, foi regravada pela cantora carioca no disco Barulhinho Bom, daquele ano).

Obra-prima dos Novos Baianos, Acabou Chorare nasceu do choque entre o grupo e João Gilberto (engana-se quem imagina que a influência musical foi unilateral. Vale ouvir João Gilberto, o 47º colocado desta mesma lista, e perceber imediatamente que se trata do outro lado de uma mesma moeda.) Depois de um primeiro disco semitropicalista, um tanto psicodélico e essencialmente roqueiro gravado em São Paulo (É Ferro na Boneca, de 1970), a trupe se mudou de mala e cuia para o Rio de Janeiro e por lá se instalou. Luiz Galvão, letrista dos Novos Baianos, conhecia o pai da bossa nova desde a adolescência em Juazeiro e retomou o contato assim que pisou na Cidade Maravilhosa. Por algum motivo inexplicável, João se identificou com a turma de hippies e logo começou a freqüentar o, digamos, "alojamento" onde eles moravam. De cara, apresentou ao grupo um samba que, mal sabiam eles, se tornaria a peça-chave da transformação sonora que viria em 1972.

"Brasil Pandeiro" foi composto nos anos 40 por Assis Valente especialmente para Carmen Miranda cantar, e fez quase tanto sucesso na época quanto faria trinta e poucos anos depois. A indicação do samba antigo vinha com um recado mais profundo: "Voltem-se para dentro de vocês mesmos", disse João Gilberto ao grupo. Sob essa brutal influência, Acabou Chorare foi composto e gravado. A faixa-título do disco, aliás, teve como fonte inspiradora uma história que João contara a Galvão pelo telefone e que depois ficaria famosa. Quando ainda era bem pequena, sua filha, Bebel, costumava falar um idioma híbrido, misturando o português de sua terra natal com o espanhol que aprendera durante o período em que morou no México com os pais. Única filha, ela estava sempre coberta de todos os cuidados possíveis. Num escorregão que levou certa vez, quando viu que toda a família vinha para cima dela ver se ela havia se machucado, a menina disparou: "Acabou chorare!". A canção ficou entre as mais tocadas nas rádios de todo o Brasil por mais de 30 semanas consecutivas. Mas o maior sucesso do disco foi mesmo "Preta Pretinha", música de Moraes Moreira feita sobre os versos que Galvão havia escrito para uma menina de Niterói que o havia deixado na mão.

De resto, qualquer mérito que não tenha sido dado à excelência de Acabou Chorare quando o disco foi lançado acabaria sendo devidamente reconsiderado com o correr do tempo. Aos 35 anos, faixas como "Mistério do Planeta", "A Menina Dança", "Tinindo Trincando" e "Besta É Tu" estão em seu melhor momento. E o fato de elas terem ajudado Acabou Chorare a conquistar pela primeira vez o topo de uma lista dos melhores discos brasileiros de todos os tempos só serve para confirmar isso.

Por Marcus Preto


2. Tropicália ou Panis et Circencis

Vários (1968 " Philips)

No dia 21 de outubro de 1967, na finalíssima do III Festival de Música Popular da TV Record, Caetano Veloso e Gilberto Gil foram introduzidos como "artistas que estão buscando uma linguagem universal". No intervalo, Caetano fala de sua opção estética: "Estou interessado em tudo o que seja pop ou popular, aquela coisa de massa, como história em quadrinhos...". Nenhum dos dois conquistou o primeiro lugar, mas, naquele dia, o Tropicalismo foi o campeão. No Brasil da metade dos anos 60, havia uma dicotomia: ou você ficava com os "alienados" da Jovem Guarda com suas guitarras elétricas ou fechava com os "autênticos" da MPB. Caetano e Gil gostavam disto e muito mais. Poesia concreta, cinema novo, programas de TV, imprensa underground, antropofagia cultural, tudo era válido. Em maio de 1968, começaram as gravações do tal disco-manifesto. Entrou quem se identificava: Tom Zé, Nara Leão, Gal Costa, Os Mutantes, os poetas Capinan e Torquato Neto e o maestro Rogério Duprat - que tomou conta dos arranjos, providenciando instrumentações inusitadas e colagens sonoras. Tropicália ou Panis et Circenses tem 12 faixas, disparos certeiros em tudo o que vinha antes, mas que também apontavam para o balaio de gatos que iria tomar conta do Brasil. O manifesto abre com a sintomática "Miserere Nóbis", de Gil e Capinan. Caetano revive "Coração Materno", de Vicente Celestino, até então considerada uma pérola da cafonice - aquilo era sério ou não? Os Mutantes se destacam em "Panis et Circenses", com sua levada barroca, ruídos de gente jantando e final psicodélico. Nara Leão, musa da bossa nova, confunde tudo com o bolero "Lindonéia". A celebrada "Bat Macumba", de Caetano e Gil, escancara o lado concretista. Com citação de Roberto Carlos, o grande hit foi "Baby", cantada por Gal Costa. A capa também causou impacto, mostrando os participantes como uma família nada convencional. A revolução cultural estava formatada no caótico Brasil do recém-decretado AI-5.

Por Paulo Cavalcanti


3. Construção

Chico Buarque (1971 " Philips)

Quinto disco de chico Buarque de Hollanda, Construção foi lançado num dos períodos mais sombrios da ditadura militar. O país vivia a falsa euforia (plantada pelo governo do general Médici) da conquista do tri-campeonato mundial de futebol no México, enquanto centenas de pessoas eram torturadas nos porões pelo chamado "poder constituído". Justamente por esses fatos, o álbum marcou a mudança de postura do cantor e compositor diante de sua obra e, pode-se dizer, diante da vida. O "bom moço" de olhos verdes, já com passado de canções veladamente contundentes como "Pedro Pedreiro", agora se dispunha a pôr a boca no mundo. Mesmo fazendo uso de metáforas para driblar a temida Censura Federal, Chico ousava mais do que em trabalhos anteriores. Na desafiadora "Deus lhe Pague", ironizava a servidão ao regime em versos como "Por esse pão pra comer/por esse chão pra dormir/&/Deus lhe Pague". No dolorido samba "Construção", relatava a história do homem que, extenuado pela miséria que tinha de enfrentar, trabalhava até a morte. No "Samba de Orly", parceria com Toquinho e Vinícius de Moraes, falava quase abertamente da questão do exílio. "Quase", pois a canção teve parte da letra censurada, o que obrigou os autores a fazer alterações. No samba "Cordão", Chico aparecia mais desafiador ao dizer que se manifestaria livremente enquanto pudesse cantar ou sorrir. Em "Acalanto", mostrava desespero em versos como "dorme minha pequena/ não vale a pena despertar" e, mais adiante, abordava a esperança ("eu vou sair por aí afora/ atrás da autora tão serena"). Por outro lado, trazia lirismo exacerbado em "Valsinha", dele e Vinícius, ou lidava com a dor do amor em "Olha Maria", com Vinícius e Tom Jobim. Chico Buarque lançava, ainda, mão do recurso da versão ao retratar a vida de Jesus Cristo transposta para o universo contemporâneo na magnífica "Minha História", adaptação da autobiográfica "Gesubambino", de Lucio Dalla. Discurso direto - na medida do possível -, melodias magníficas. Peso e responsabilidade num dos discos mais importantes da música popular do Brasil.

Por Toninho Spessoto


4. Chega de Saudade

João Gilberto (1959 " Odeon)

Não é exagero comparar João Gilberto aos Beatles. Ambos os artistas inventaram o universo musical que habitamos hoje, criando amálgamas sonoros que moldaram os ouvidos da segunda metade do século 20. De Liverpool, os quatro heróis britânicos ruminaram a música de rádio dos anos 50 (e não apenas o rock, mas também soul, standards, doo-wop, rockabilly, country, surf music, folk e R&B), devolvendo-a ao resto do mundo como uma sonoridade sólida, coesa e autoral - que mais tarde o mundo chamaria apenas de "rock". Sua sacada: reduzir todo o instrumental a duas guitarras, baixo e bateria e mesmo assim manter o som cheio e vibrante. De Juazeiro, no norte da Bahia, nosso herói mascou o rádio dos anos 30 e 40 (e não apenas o samba, mas também jazz, músicas tradicionais, conjuntos vocais, samba-canção, música sertaneja, choro, música de fossa e o batuque), traduzindo-o para o resto do mundo como uma sonoridade igualmente sólida, coesa e autoral - que mais tarde chamaríamos apenas de "bossa nova". Sua grande sacada: reduzir todo o instrumental apenas para seu violão. Esse é um caso à parte. Enigmático, cheio de acordes dissonantes e inusitados, seu violão reinventava a tradição rítmica brasileira ao atrelá-la à harmonia moderna para sempre. Por cima, a voz. Que voz. Nem rompantes de divas de jazz, lamentos dramáticos do samba-canção ou cantos bon vivant dos clones de Sinatra. João canta com a intensidade de quem conversa, calmo e sereno, deixando o som vibrar o mínimo possível. Contou com Jobim na coordenação desse seu primeiro disco quando posicionou estrategicamente as coordenadas de seu novo mapa: seis partes de novos compositores, duas de Ary Barroso e uma de Dorival Caymmi, além de um tema quase religioso e duas quase instrumentais. Os Beatles injetavam juventude, velocidade e brilho a uma cultura popular que descobria os poderes da comunicação global. João veio logo depois, pedindo calma, mas não como um bedel. Com seu violão, plantou a semente de uma árvore de silêncio, que se infiltrou no imaginário mundial e acompanha a genealogia da música do fim do século. E se hoje não estamos berrando uns com os outros, culpe João.

Por Alexandre Matias


5. Secos e Molhados

Secos e Molhados (1973 " Continental)

Odair José conta com orgulho seu embate com um general, em 1973, na tentativa de safar sua "Pare de Tomar a Pílula" da censura. "O senhor permite o Ney Matogrosso e os Secos & Molhados fazerem uma proposta de gay num show no Maracanãzinho e não permite que eu faça uma proposta de homem?! O senhor é gay? O Exército é gay?", teria indagado, segundo relatou no livro "Eu Não Sou Cachorro, Não" (2002), de Paulo Cesar de Araújo. Era uma disputa entre semelhantes. No Brasil de 73, quase ninguém fez mais sucesso que Odair e os S&M. Em comum, ambos afrontavam os costumes de uma ditadura brava, amofinando-a no campo do comportamento, da política do corpo. Odair testava letras simples que debatiam sexo, amor livre e a estrutura de classes sociais no país. Os S&M de Ney, João Ricardo, Gerson Conrad e Marcelo Frias sugavam a poesia de Manuel Bandeira e Vinicius de Moraes, mas falavam pelo corpo, por visual andrógino e (homo) sexualidade explícita - era o glam rock à brasileira. Rotulado de "cafona", Odair era rejeitado por nove em cada dez estrelas da MPB, uma confraria que já iniciava a trágica rota rumo a um elitismo atroz. Os S&M fundavam o "roque" dos anos 70, com toques hipnóticos de rock progressivo, mas incorporando a sigla MPB mais que a negando. Talvez Odair se sentisse enciumado do colossal poder transgressor (e comunicativo) do denso LP de estréia dos S&M, com "Sangue Latino", "O Vira" e "Assim Assado". Talvez o efêmero grupo prog-MPB também se ressentisse do imenso fogo comunicativo (e transgressor) do "cantor das empregadas" em "Deixe Essa Vergonha de Lado". Voltando-se uns contra os outros, se neutralizavam e ajudavam o opressor. Mas a massa aprovava igualmente as transgressões dos "cafonas" e dos "andróginos", no apogeu do terror & tortura. A marca S&M era em si uma revolução, confirmada 30 anos depois pelos milhões que marcham em paradas pacíficas de diversidade sexual. Quanto à rivalidade entre iguais de 1973, não se sabe que curso tomou. Fato é que, em 77, Odair gravou um controverso disco gay. Em 76, Ney lançara a romântica "Cante uma Canção de Amor", co-escrita por Odair José.

Por Pedro Alexandre Sanches


6. A Tábua de Esmeralda

Jorge Ben (1972 " Philips/Phonogran)

Cada acorde reforça a certeza de que nenhum outro violão, em nenhum outro disco, soa nem soará daquele jeito. Jorge Ben perseguia uma harmonização específica, que evocasse as regras da alquimia - crença milenar que inspirou o músico a conceber A Tábua de Esmeralda, em 1972. Como chegou lá ainda é um enigma, mas o fato é que o músico desenvolveu uma afinação própria para o instrumento e inventou o seu jeito de tocá-lo. Sua batida nas seis cordas - revolucionária desde seu primeiro disco, Samba Esquema Novo (1963) - encontrava ali um novo horizonte harmônico, paisagem perfeita para a aura mítica que envolve o disco e guia o arranjo de faixas como "Errare Humanum Est" e "Hermes Trismegistro e Sua Celeste Tábua de Esmeralda". A interpretação e as melodias também inauguravam uma nova cadência - descompromissada, improvisada - e nos ofereciam letras de um delírio poético que beirava o surrealismo. Antes de seu lançamento, no entanto, a idéia de um disco inteiro sobre alquimia era vista como loucura pelos executivos da Phonogran. Foi preciso a ordem do gerente da gravadora, André Midani, para que a vontade de Jorge fosse atendida. Pois a fé não costuma mesmo falhar e o álbum transborda inspiração. A viagem começa com "Os Alquimistas Estão Chegando" e já envolve o ouvinte em uma atmosfera de psicodelia, com versos que evocam a narrativa de uma fábula. Em "Cinco Minutos", violão e vocal agonizam entrelaçados, envoltos por um arranjo de cordas épico, e traduzem o desespero da letra sobre um desencontro amoroso. Da arqueologia do absurdo de "O Homem da Gravata Florida" à ode ao alto-astral de "Eu Vou Torcer", Jorge evoca a tradição gospel ("Brother"), exalta a negritude ("Zumbi") e oferece sua leitura particular do universo feminino ("Menina Mulher da Pele Preta" e "Magnólia") - e acerta sempre. A analogia inevitável: em seu tributo à alquimia, o próprio Ben encontrou a receita de um elixir de efeitos inesgotáveis para o ouvinte se esbaldar em doses generosas.

Por Ramiro Zwetsch


7. Clube da Esquina

Milton Nascimento & Lô Borges (1972 " Odeon)

Inaugurando uma nova sonoridade na música brasileira, um híbrido de música pop, Beatles e toadas, este álbum duplo é o marco definitivo de um movimento que começou a ser gerado no meio da década de 1960, quando o carioca Milton se mudou para Três Pontas e de lá alcançou Belo Horizonte, a fim de se preparar para o vestibular. Na capital mineira, ele passou a tocar num grupo de bossa nova, o Evolusamba, do qual participava o mais velho dos 12 irmãos da família Borges, Marilton, que o apresentou aos caçulas Márcio e Lô. E foi com essa dupla que Milton se enturmou, passando a compor em parceria. Márcio foi o primeiro letrista de canções de Milton desse período. Lô era mais interessado em estudar música (seu professor de harmonia era Toninho Horta) e passava horas ouvindo Beatles com outro amigo que viria a se juntar ao grupo: Beto Guedes. Quatro, cinco garotos juntos, violões, composições: nascia o lendário corner club, que nada mais era que um cruzamento das ruas Divinópolis com Paraisópolis, onde se encontravam para jogar conversa fora. Mas isso já é história. Em 1972, Milton, com a carreira em ascensão - já tinha participado de festivais no eixo Rio-São Paulo e gravado três álbuns -, convidou ninguém menos que Lô Borges para juntos dividirem o álbum duplo que seria intitulado Clube da Esquina. Na capa foi estampada a foto de dois garotos pobres, um preto e um branco (clara metáfora Milton/Lô). O conteúdo sonoro tinha bossa nova, canções com sonoridade beatle, toadas, rock progressivo, choro e jazz, numa miscelânea original e inventiva. O lançamento tornou-se um marco da produção musical brasileira, com criações fora dos moldes tradicionais da prática dominante. Ao mesmo tempo, assumia todo tipo de influência, com harmonias arrojadas, mas diferentes do padrão corrente da MPB. Além de inovar na sonoridade, as letras abordavam temas não muito usuais e faziam uma aproximação com a realidade sul-americana, como a imaginária cidade em "San Vicente". A propósito, a canção "Nada Será como Antes" era premonitória: depois disso, a MPB não seria mais a mesma.

Por Antônio do Amaral Rocha


8. Cartola

Cartola (1976 " Discos Marcus Pereira)

Cartola foi pedreiro, lavador de carro, contínuo e o que mais lhe rendesse uns trocados, viu e cantou de tudo. Só não teve tempo de ver que este seu segundo disco mudaria a cabeça de quem o ouvisse, pelas décadas seguintes. Entre sambas antigos e então inéditos, neste álbum, Cartola passeia entre a alegria melancólica e a pura dor, em poemas musicais que parecem ter sido lapidados da maneira mais rústica, autêntica e sofrida possível. Não há otimismo desvairado para alguém que só gravou seu primeiro disco aos 65, dois anos antes. Fosse para selecionar apenas os clássicos, basta dizer que estão ali "As Rosas Não Falam", "O Mundo É um Moinho" e "Preciso Me Encontrar", de Candeia, em versão definitiva. Esta última, aliás, de tempos em tempos é redescoberta por uma geração inteira, do cineasta Walter Salles, que a colocou na trilha do filme Central do Brasil (1998), ao DJ Guab (atração do Tim Festival deste ano), que a apresentou remixada aos indies das descoladas danceterias paulistanas.

Por Bruno Yutaka Saito


9. Os Mutantes

Os Mutantes (1968 " Polydor)

A influência dos mutantes hoje é enorme, aqui e lá fora, tendo artistas como David Byrne e Björk entre seus fãs. Os Mutantes, o primeiro álbum da banda, já havia conquistado o 12° lugar em uma lista dos "50 Discos Mais Experimentais de Todos os Tempos" - duas posições acima de Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, e bem à frente de The Piper at the Gates of Dawn, do Pink Floyd. Mais do que os álbuns dos outros artistas do movimento, Os Mutantes segue os preceitos do Tropicalismo à risca, como um segundo volume do manifesto sonoro Tropicália ou Panis et Circensis. "Baby" ganha aqui uma leitura oposta à bossa nova, imbuída em distorções de guitarra e teclados. O maestro Rogério Duprat ajudou o trio nos arranjos e nada faltou: desde a gravação do som ambiente (perfeito na abertura do sambão torto de "Adeus Maria Fulô") até a manipulação de fitas magnéticas (uma herança da música concreta) em um copia-cola manual. "Panis et Circensis", que abre o disco, vem com tudo isso. É um perfeito exercício de criatividade musical.

Por José Julio do Espirito Santo


10. Transa

Caetano Veloso (1972 " Philips)

Gravado em londres em 1971 e lançado por aqui em 1972, Transa foi o segundo e último disco de Caetano Veloso produzido durante os quase três anos em que esteve exilado na capital inglesa - e o primeiro a ser lançado no Brasil após o seu retorno para casa. Se existe algo de bom a ser extraído de um exílio involuntário, o encontro de um tropicalista com uma cultura estrangeira, in loco, é um bom exemplo. Intercalando letras em inglês (cinco no total) com versos do poeta Gregorio de Mattos ("Triste Bahia") e um samba de Monsueto de Arnaldo Passos ("Mora na Filosofia"), Transa é autobiográfico até o osso. Fala sobre a sensação de estar sozinho e longe de casa ("You Don't Know Me"), e de como incorporar o choque cultural com o mínimo de sofrimento, como a citação ao reggae na Portobello Road, em "Nine Out of Ten", que Caetano já afirmou ser a primeira gravação brasileira a citar os compassos do ritmo caribenho. Talvez pela distância, talvez pela falta de olhares vigilantes, Caetano nunca tenha sido tão Caetano. Por Bruno Natal

Elis Regina, Raul Seixas, Tim Maia, Chico Science & Nação Zumbi, Ultraje a Rigor, Luiz Melodia e outros artistas estão entre os autores dos 100 maiores discos listados em nossa matéria especial, publicada na edição 13