Rolling Stone Brasil
Busca
Facebook Rolling Stone BrasilTwitter Rolling Stone BrasilInstagram Rolling Stone BrasilSpotify Rolling Stone BrasilYoutube Rolling Stone BrasilTiktok Rolling Stone Brasil
Música / Tributo

Afrofuturismo e brasilidade aparecem unidos em "Solar: Sun Ra in Brasil"

Álbum lançado globalmente nesta sexta (27) pela Red Hot Organization reúne oito releituras brasileiras do músico e filósofo estadunidense sob a ótica da justiça ambiental

Detalhe da capa de Solar: Sun Ra in Brasil (Reprodução)
Detalhe da capa de Solar: Sun Ra in Brasil (Reprodução)

"Eu tenho muitos nomes. Nomes de mistério. Nomes de esplendor. Nomes de vergonha. Eu tenho muitos nomes. Alguns me chamam Mr. Ra. Alguns me chamam Mr. Re. Você pode me chamar de Mr. Mystery." Embalado pelos atabaques da atabaques da Orquestra Afrosinfônica, Sun Ra se apresenta em pessoa. E então uma fenda se abre unindo espiritualidade, ancestralidade, afrofuturismo, justiça climática, Brasil e Saturno no projeto Solar: Sun Ra in Brasil.

Segunda parte da série Red Hot + Ra: A Tribute to Sun Ra, lançada no último mês de março pela, sempre excelente, Red Hot Organization, Solarganha o mundo nesta sexta-feira (27). Xênia França, Tiganá Santana, Max de Castro, Metá Metá, Edgar, Munir Hossn, Hamilton de Holanda, Fabrício Boliveira, BNegão e a Orquestra Afronsinfônica são alguns dos nomes escolhidos para reinterpretar a obra do músico visionário e filósofo estadunidense Sun Ra, considerado um dos pais do Afrofuturismo.

Por trás de cada uma das oito faixas que compõem o disco, o produtor Marcos “Xuxa” Levy foi o responsável pela extensa pesquisa, que contemplou mais de uma centena de registros de Sun Ra. Convidado pelo diretor artístico do projeto, Béco Dranoff, da Red Hot, coube a Xuxa traçar os paralelos que conectam a visão do músico americano à música brasileira:

"Sempre achei a música do Sun Ra interessantíssima, mas tinha medo. Porque o discurso afrofuturista é muito legal, traz a mensagem de diáspora e da vitória do povo negro, mas a música do cara é tão complexa que, para quem não é músico, talvez não bata. Então minha ideia foi de que qualquer jovem brasileiro ouvisse e entendesse a mensagem, a poesia de Sun Ra."

As poesias foram o ponto de partida para o trabalho, que tinha por trás uma mensagem geral - se, na primeira parte do projeto, Nuclear War, a Red Hot Organization acertou ao lançar seu comentário político afiado em pleno contexto da guerra entre Rússia e Ucrânia, o novo álbum amplia o olhar de Sun Ra para o cenário iminente de emergência climática. Soma-se a isso o fato de o Brasil, dono da maior porção do bioma amazônico, ter também a maior população diaspórica, com estimados 86 milhões de descendentes de africanos.

Da Bahia, para onde mudou-se durante a pandemia, Xuxa já trabalhara com nomes como Russo Passapusso, BaianaSystem, Afrocidade, ATTOXXXA e Luedji Luna - o que lhe abriu um universo de possibilidades de artistas com quem gostaria de trabalhar no projeto. Ao fim de 2022, porém, muitos dos artistas desejados estavam envolvidos em seus próprios trabalhos, compensando pelo período distante do público dos anos anteriores. Sem dificuldade, acabou fechando nos talentos que integram o projeto, não sem antes garantir: "Dá pra fazer uns 3 volumes de afrofuturismo brasileiro com essa galera."

A partir dos registros de Sun Ra, o produtor acabou fechando em 50 músicas que enxergava com mais potencial na leitura proposta pela Red Hot Organization. Delas, focou em oito faixas, formando playlists individuais como retratos audiofônicos para cada artista adentrar à complexidade musical e conceitual do homenageado norte-americano - uma extensa pesquisa musical, que lançou por terra a oposição entre o improviso, uma das marcas de Ra, e o rigor técnico:

"Você começa a reparar que não é tão free assim, ele é um cara extremamente rigoroso, metódico, e vem da linguagem da big band."

Com isso em mente, foram surgindo os nomes que acabaram participando e expandindo a visão de Sun Ra, em versões que reinterpretam seu trabalho sob a ótica brasileira.

O resultado vem em faixas como "Astroblack Orunmilá", a fusão entre o futurismo de Ra e a ancestralidade da Orquestra Afrosinfônica; ou as duas participações de Fabrício Boliveira na narração de "Eu Sou Um Instrumento" e "O Código (Black Prince Charming)".

"Uma delas o Tiganá Santana fez em inglês. Queria fazer em francês - ele fala até criolo! -, mas fez o inglês, que é o Sun Ra explicando a complexidade da poesia dele, o ritmo e o contraritmo, a harmonia contra a harmonia", relembra o produtor.

Em outra, Xuxa convidou os ogãs do Aguidavi do Jêje, o centenário terreiro de Salvador, para uma versão de "Nature’s God", de Sun Ra, com Meshell Ndegeocello e Munir Hossn. Assim, conseguiu a versão final "Nature's God (Sun Ra Sam Ba)" - outra união do clavinete da faixa original, cercada da brasilidade essencial do novo projeto.

Solar: Sun Ra in Brasil marca a segunda etapa do projeto, que ainda contempla nova edições nos Estados Unidos, na Inglaterra e na África do Sul. Dia 17, ganha tiragem limitada em vinil. E vem sendo celebrado, inclusive internacionalmente, com direito a exibição em evento da Universidade de Columbia, com presença de Margareth Menezes. Mas para Xuxa, a ideia é apresentar e conectar o projeto - e o legado visionário de Sun Ra - ao jovem negro brasileiro. Ou, nas palavras de BNegão na excelente faixa "Brainville Dazidéia":

“Na linha do tempo, eu acrescento: informação e cultura de rua pra quem quer ficar por dentro. Que a luz ilumine nosso planeta. Um salve pra todas as comunidades."