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Jorge Drexler evita melancolia em Tinta y Tiempo e relembra parcerias com brasileiros: 'Admiração recíproca'

Músico uruguaio Jorge Drexler escreveu sobre lições da pandemia e revelou expectativas para shows no Brasil em setembro deste ano

Jorge Drexler (Foto: Antón Goiri / Divulgação)
Jorge Drexler (Foto: Antón Goiri / Divulgação)

Jorge Drexler lançou primeiro disco em cinco anos: Tinta y Tiempo. Embora seja fruto do isolamento social da pandemia, projeto soa leve e alegre, sem perder a profundidade e  sonoridades bem trabalhadas. O músico uruguaio - com forte relação com a Espanha, onde vive - falou de amor, algorítimos, e introspecção por diferentes perspectivas.

Em entrevista exclusiva à Rolling Stone Brasil, Drexler revelou sentimentos mistos sobre o próprio disco. "Demorei muito tempo para acabar as músicas e para encontrar o som do disco. Estive muito tempo perdido, um ano e meio provando diferentes receitas e metodologias e não encontrando nada que eu gostasse," explicou.

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Após longo período de descobertas, o compositor encontrou caminho para Tinta Y Tiempoem cerca de duas semanas e conseguiu amarrar principais ideias. As participações foram outro ponto alto e resultaram em misturas de R&B, pop e até ritmos brasileiros, como em faixas com C. Tangana e com os produtores Federico Vindver e Rafa Arcaute

Jorge também relembrou parcerias com artistas brasileiras no período entre um álbum e outro. Entre as colaboradoras, Gal Costa, Marisa Monte e a dupla Anavitória. Ele não prometeu tocar as faixas para o público brasileiro durante turnê marcada para setembro, mas reiterou admiração pelas compositoras e gratidão pelo país.

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Confira entrevista completa de Jorge Drexler à Rolling Stone Brasil:


Rolling Stone Brasil: Você lançou o disco Tinta Y Tiempo, que tem muitas colaborações. Como é trabalhar com artistas de gêneros diferentes do seu, como C. Tangana em “Tocarte,”  e manter o trabalho coeso?

Jorge Drexler: Nunca achei a coesão uma variante decisiva num disco. Priorizo sempre a emoção e a intensidade do trabalho. A  coesão é dada pela voz principal do disco, que aponta uma conexão entre as músicas. Estava mais interessado na colaboração com gente diferente de mim do que obter um disco com minha sonoridade. Este ano completa 30 anos que lancei meu primeiro disco… às vezes você se cansa de você mesmo, isso acontece comigo. Alguns artistas tentam sair do próprio universo fechado, é o que tento para mim também.

O intervalo entre seus últimos dois discos foi de 5 anos. Como o processo de composição de Tinta Y Tiempo foi diferente do antecessor, Salvavidas de Hielo?

Essa composição foi feita na pandemia, então, mudou tudo. A pandemia realmente me ensinou até que ponto eu precisava da escuta da outra pessoa no meu trabalho, da presença. Eu escrevia muito na pandemia, mas não conseguia terminar as músicas. Como se os 20% finais precisassem de outra pessoa na frente. Não da opinião, mas do reflexo que a música produz nos outros.

Escrever canções não é somente um modo de expressão, mas também um modo de comunicação com as pessoas. Demorei muito tempo para acabar as músicas e para encontrar o som do disco. Estive muito tempo perdido, um ano e meio provando diferentes receitas e metodologias e não encontrando nada que eu gostasse. Até que bem rápido, no final do processo, tudo convergiu e ficou no lugar. O disco, que pensei que não aconteceria, aconteceu. Eu gosto dele.

Como foram as últimas semanas, quando o disco se encaixou e começou a fluir?

Tive duas figuras muito importantes. A primeira é o co-produtor Carles Campi Campón, que já produziu três discos meus, a gente se conhece muito bem. Quis ter um período meu de investigação, do meu lado, sem ele. Aproveitei para trabalhar com C. Tangana, Rubén Blades, Noga Erez… com muitos músicos diferentes. O trabalho de Campi foi incrível. Ele conseguiu botar ordem nesse caos que eu fiz com influências diferentes. Tem uma música produzida por Federico Vindver e [Rafa] Arcaute, produtores que trabalharam até com Kanye West em um dos seus últimos trabalhos [Jesus is King, 2019]. Tem produtores diferentes em cada etapa do disco, mas Campi deu uma homogeneidade.

A segunda figura é Daniel Carvalho. Foi quem mixou meu disco e os últimos trabalhos de Marisa [Monte] e Caetano Veloso. Ele é brasileiro, chegou para mixar em Madri e deu uma cor completa ao disco.

Diferente de outros artistas que lançaram projetos gravados durante a quarentena, Tinta Y Tiempo não soa melancólico. Como isso aconteceu, mesmo nascendo de um período tão sombrio?

Nem melancólico, nem avaro [avarento, em português]. Mão de vaca! [afirmou após pesquisar a tradução na internet]. A pandemia nos uniu num mundo minimalista, frugal, de escassez. Pouca vida social, poucas saídas, alegrias e viagens. Então, comecei escrevendo sobre isso. Sobre a frugalidade, solidão, a máscara, as telas, a distância e o medo. Depois de alguns meses, quando deu para perceber que tudo isso acabaria, pensei: ‘Não quero sair em turnê daqui a um ano e falar desse jeito esquisito da pandemia. Não quero levar isso comigo.’ Mudei, comecei a falar mais do que aprendemos a valorizar na pandemia. O disco ficou mais luminoso, mais generoso, mais multitudinário. Tem uma orquestra gigantesca que estrutura o disco inteiro. Queria que soasse o oposto dessa solidão mão de vaca da pandemia. Se diz ‘mão de vaca’? É uma expressão?

Mão de vaca é uma pessoa que não gosta muito de gastar dinheiro.

Essa é a ideia. Ideia de pobreza social que temos, de emoções. Essa pouca vida social não gerou uma boa vida interior. Você pode pensar que a solidão da pandemia fosse boa para escrever. Talvez fosse para outras pessoas, mas para mim não. Foi muito difícil escrever.

O álbum alterna momentos de reflexão, como “Tinta y Tiempo,” com algumas faixas mais dançantes, como “¡Oh, Algoritmo!”. Isso foi proposital ou aconteceu durante o processo de composição?

Cada música foi feita com suas próprias possibilidades. Não tivemos um plano geral de proporções sonoras. Procuramos resolver da melhor maneira que conseguimos. Elemento por elemento. Por exemplo, a entrada da orquestra foi muito importante. A entrada da base rítmica, do baixo e bateria, foi muito importante. As últimas guitarras também mudaram muito, os corais. 

Há algumas canções de amor, como “Corazón Impar”, e há também “Cinturón Blanco”, que trata sobre o mesmo tema de uma perspectiva diferente. Qual foi a inspiração pra essas duas faixas? Elas são baseadas na sua própria vivência ou são como histórias?

São baseadas nas minhas próprias experiências, dedicadas à minha mulher [Leonor Watling], que está comigo há muito tempo, mãe dos meus filhos mais novos. O disco fala do amor, muito, mas tentei procurar perspectivas diferentes. A temática do amor é a mais visitada da canção popular. Você liga o rádio agora e tem 90% de possibilidade de ouvir músicas de amor. Mas o monopólio é sempre da paixão e o desamor, os dois extremos da relação. E não tem muitas músicas sobre o que acontece se o amor perdura durante esse tempo, a complexidade da convivência. 

“Corazón Impar” fala sobre aprender a respeitar as diferenças. É saber que você não é completo pelo outro. O amor é entre duas pessoas completas, todo mundo é uma laranja inteira, não uma metade.

“Cinturón Blanco” é uma homenagem a outra música que fala da mesma história: “(Just Like) Starting Over,” de John Lennon. Na verdade, é uma canção de amor sobre a crise dos 40 anos dele. Gostaria que Lennon também falasse da crise dos 50, dos 60 e 70. Ele não chegou, então, eu quis falar da crise dos 50 no amor. A tentativa de começar de novo. O título é uma metáfora sobre o principiante nas artes marciais [faixa branca]. A canção é percebida diferente por quem está em um relacionamento e por quem não está.

“El Plan Maestro” também fala disso. É a invenção biológica do amor. Há milhões de anos, as células se juntaram para fazer um indivíduo, uma mistura de almas, o primeiro filho da história. O amor demonstrou ser uma estratégia biológica boa, a vida ganhou muita diversidade desde a aparição dele.

Você tocou “Vento Sardo,” sua colaboração com Marisa Monte em alguns shows no passado. Pretende incluir essa ou outras parcerias com brasileiros no repertório nos shows por aqui?

Temos os shows confirmados no Brasil em setembro. Curitiba, Rio de Janeiro, São Paulo e duas datas em Porto Alegre. Tô muito feliz. Gosto muito de tocar no sul do Brasil, me sinto muito amado e os amo muito também. 

Além disso, tive um período muito intenso de colaboração com o Brasil. A Marisa Monte gravou uma parceria nossa e levou minhas imagens na turnê dela, então sinto como se já estivesse em turnê no Brasil. Gal Costa também, Anavitória, imagine só. Todo esse espectro de cantoras brasileiras me encheu de alegria, compositoras que admiro e são incríveis.

Em outubro, Tiago Iorc cantará como meu convidado na Espanha. Os primeiros shows que ele fará serão comigo. Tenho uma relação muito linda com o Brasil no geral. Muita admiração recíproca. Me faz muito feliz.


Ouça Tinta y Tiempo: