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Agora vencedor do Oscar por O Regresso, o que Leonardo DiCaprio realmente quer é salvar o planeta

Stephen Rodrick Publicado em 29/02/2016, às 14h46 - Atualizado às 15h07

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DiCaprio em Nova York no final de 2015 - Mark Seliger
DiCaprio em Nova York no final de 2015 - Mark Seliger

Nos anos 1970, os pais de Leonardo Wilhelm DiCaprio penduraram um quadro acima do berço dele, em uma casa no decadente bairro de East Hollywood, em Los Angeles. A pintura não era um desenho de Peter Rabbit ou de George, o Curioso. Era uma reprodução de “O Jardim das Delícias Terrenas”, tríptico do pintor holandês Hieronymus Bosch, uma descrição visual distópica do paraíso encontrado e perdido. É uma das lembranças mais antigas de DiCaprio.

Veja dez papéis pelos quais Leonardo DiCaprio merecia ter ganhado um Oscar.

“Você vê Adão e Eva ganhando o paraíso”, ele conta, seus olhos azuis espiando sobre os óculos de sol em um restaurante de Miami Beach. Sob a mesa, o ator tem o tique de tirar e calçar o tênis de lona que está usando. Fica distraído por um momento. DiCaprio acabou de rodar uma entrevista para um documentário sobre mudança climática que está fazendo (título provisório: Estamos Fodidos?). Já foi às planícies alagadas da Índia e à calota polar da Antártica e, agora, não está longe das baladas de Miami, onde, supostamente, uma vez saiu de uma boate com todas as mulheres de seu camarote vip. Tudo, segundo DiCaprio, poderia desaparecer.

Ele volta a falar da pintura. “Então, você vê no meio essa superpopulação e excesso, as pessoas desfrutando do que este ambiente nos deu”, descreve. “Daí, o último painel é só céu negro, chamuscado com um apocalipse incendiário.” Ele para por um segundo antes de encolher os ombros. “Era minha pintura preferida.”

Leonardo DiCaprio não está tristemente isolado entre a luz brilhante de sua existência – um Oscar, então, à espreita (na noite do último domingo, 28, ele ganhou a estatueta, finalmente), uma coleção pessoal de fósseis, um Tesla alugado com motorista – e a melancolia do mundo superaquecido no qual habita, com um litoral em Bangladesh que pode ficar quase um quarto embaixo d’água até 2050. Ele é ativo. Quer que paremos totalmente de usar combustíveis fósseis e questiona onde estaríamos se bilhões tivessem sido gastos para descobrir fontes de energia renovável e não na Guerra do Iraque.

“Ele tem uma inquietude intelectual”, diz o colaborador de longa data Martin Scorsese. “Devora livros e textos e informações.” Agora, DiCaprio estrela O Regresso, a história sombria do caçador Hugh Glass, que é gravemente ferido por um urso muito raivoso e perde a família de nativos-americanos para a maldade do homem branco (para piorar, ainda precisa usar uma barba enorme).

Em dado momento, Glass cai com um cavalo em um penhasco, dorme dentro da carcaça do bicho e come fígado de bisão. Fica mudo durante semanas. Esses são os trechos mais leves entre flechas explodindo artérias e facas removendo testículos em O Regresso. Durante a filmagem nas Montanhas Rochosas canadenses e na Argentina, o diretor, Alejandro González Iñárritu, deixou a equipe de filmagem esgotada. Iñárritu conta que, nas horas de folga, ele e DiCaprio comiam a própria barba para fazer o tempo passar.

Crítica: Violento e visceral, O Regresso tem atuação heroica e intensa de Leonardo DiCaprio.

Mas nem tudo é tão sombrio. Ainda há celebridades, mergulho e passeios em iates enormes.

Para DiCaprio, as raízes de o regresso e de seu trabalho ambiental começaram com um encontro com Al Gore, então vice-presidente dos Estados Unidos, em 1998. DiCaprio tinha crescido com um sentimento melancólico em relação a criaturas extintas – uma vez, impressionou Kirk Johnson, diretor do Museu Nacional de História Natural dos Estados Unidos, com seu conhecimento sobre o arau gigante, uma ave caçada até a extinção no século 19.

“Lembro que o que me deixava mais triste quando criança era a perda de espécies por causa da invasão da natureza pela humanidade”, conta DiCaprio, cuja casa em Los Angeles abriga uma imensa coleção de fósseis.

Como Warren Beatty, Robert Redford e Paul Newman antes dele, DiCaprio ansiava por ser visto como algo mais do que um galã. Um amigo organizou o encontro com Gore. O vice-presidente desenhou o planeta e a atmosfera em um quadro negro e disse ao ator: “Você quer se envolver em questões ambientais? Essa é a coisa mais importante que toda a humanidade e o futuro enfrentam.”

Inicialmente, eram só aparições em uma conferência ou outra e, então, houve a narração do filme sobre mudanças climáticas A Última Hora (2007), do qual também foi roteirista. No entanto, na última década, o assunto passou de uma paixão para uma obsessão. “Fico consumido com isso”, afirma DiCaprio. “Penso nisso pelo menos algumas horas por dia. É uma combustão lenta. Não é tipo ‘aliens invadindo nosso planeta na semana que vem e precisamos nos levantar e lutar para defender nosso país’, mas sim essa coisa que não podemos evitar, e é apavorante.”

Há alguns anos, DiCaprio reencontrou o ator Fisher Stevens, antigamente famoso por ser o ex de Michelle Pfeiffer, mas agora um reconhecido produtor de documentários. Os dois retomaram contato enquanto filmavam os recifes que estão desaparecendo em Galápagos – um evento que ficou memorável por um defeito no tanque de mergulho de DiCaprio, que o fez procurar desesperadamente por alguém para ajudá-lo a voltar à superfície da água. Encontrou (claro) Edward Norton, que dividiu o ar com ele enquanto subiram lentamente para evitar descompressão.

Stevens e DiCaprio concordaram em rodar um longa a respeito das mudanças climáticas que teria DiCaprio como um homem em uma busca global pela verdade. A ideia é que seja em partes iguais gonzo, absurdo e testemunhos assustadores de cientistas e líderes (há uma qualidade “Joaquin Phoenix” em trechos dele, com DiCaprio, totalmente desgrenhado no estilo O Regresso, entrevistando um elegante Bill Clinton com o horizonte de Nova York atrás dele).

A imagem de DiCaprio como um libertino fútil se refestelando em seu próprio jardim das delícias terrenas – que pegou desde que ele andava com um bando itinerante de baderneiros jocosamente rotulados como Pussy Posse [“Pelotão da Boceta”, em tradução livre] nos anos 1990 – não é mais verdadeira ou falsa do que era com antecessores protagonistas, como Redford e

George Clooney. Foi mulherengo? Talvez, só que DiCaprio era e é solteiro. Houve alguns incidentes: em 2005, ele teve de levar mais de dez pontos no rosto depois de uma festa em Hollywood Hills, quando uma ex-modelo o cortou com vidro quebrado, em um gesto que pode ter sido direcionado a outra pessoa.

Mas sob essa reputação há um ator dedicado a seu ofício desde o começo da adolescência. DiCaprio cresceu em Los Angeles, mas não a Los Angeles de Hollywood. Na infância, via viciados nos becos e prostitutas no hotel do bairro. Depois de uma temporada tranquila em uma escola progressiva perto da Ucla, voltou à escola local para o início do ensino médio, onde era frequentemente agredido. Encontrou refúgio nas aulas de teatro e começou a ir a testes, levado pela mãe, Irmelin, sua mais paciente apoiadora e crítica.

Ele sabia que queria ser ator e começou a fazer amizade com outros sonhadores durante os testes, como Tobey Maguire. “Fiz muitos novos amigos ao longo dos anos também, mas mantenho alguns deles há 25 anos”, conta DiCaprio. “Há um nível de conforto inerente que não pode ser reproduzido nem fabricado. Você não tem de fazer entrevistas para botar o assunto em dia

– eles já estão atualizados.”

Uma tarde, DiCaprio está no tesla indo para outro compromisso relativo ao documentário e quer deixar algo muito claro.

“Esta não é minha vida”, afirma, usando a mesma roupa do dia anterior para manter a continuidade na filmagem. “Não sou seguido por assessores, seguranças, motoristas e tal. Esta não é minha vida cotidiana – é minha vida profissional.” A conversa passa para o que ele mais ama fazer: mergulhar em lugares exóticos. Além de Galápagos, já foi à Austrália e diversos locais no Caribe. Nem depender da bondade do oxigênio de Edward Norton para sobreviver diminuiu seu amor pela prática.

“É um ecossistema hipnótico e inacreditavelmente lindo abaixo da superfície do mundo em que vivemos”, conta, com o rosto relaxando perceptivelmente. “É uma fuga completa de absolutamente tudo.”

Ao final de mais um dia de entrevistas para o filme, ele se despede da equipe e diz que a verá em Paris para a conferência sobre mudança climática. Sabe que uma das primeiras coisas que os conservadores jogarão na cara dele é a quantidade de combustível usada pelos milhares de participantes.

“Não há como não sermos hipócritas”, afirma DiCaprio. “Construímos isso. Toda a nossa sociedade é baseada no petróleo. Tudo o que você vê é por causa dos combustíveis fósseis. Quando houver um jeito sustentável de viajar, serei o primeiro da fila.”

Para DiCaprio, a viagem valeu a pena. Depois que o Acordo de Paris foi assinado, ele declarou: “[Isso] nos dá uma chance de salvar o planeta. Não há tempo a perder. Isso marca o fim da era dos combustíveis fósseis”.

Só que isso aconteceria somente uma semana após nossos encontros. Por enquanto, ele tem algumas horas de lazer com amigos de galerias de arte. No caminho para o centro de Miami, menciono que sua intensidade sobre o aquecimento global é, bom, intensa.

“Você percebeu isso, é?”, comenta. “Esse tem de ser o maior movimento humano na história e é preciso que cada religião, cada país, cada pessoa contribua.”

Chegamos a uma chamativa galeria que não mostra sinais do apocalipse próximo. Seguranças cercam o veículo. Ele fala por mais alguns minutos sobre um novo aliado na briga. “Finalmente temos um papa que se alinhou com a ciência moderna.”

Alguém bate na janela. É hora de ir. DiCaprio abre a porta e o então provável próximo ganhador do Oscar de Melhor Ator é imediatamente engolido pelos seguranças. Ele olha para trás e grita sorrindo: “Legal falar com você, cara!”

Por um breve momento, Leonardo DiCaprio parece um menino sem preocupação alguma no mundo.