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Alceu Valença homenageia e é homenageado

Ao mesmo tempo que o músico celebra centenário de Luiz Gonzaga, é reverenciado por seus 40 anos de carreira; leia entrevista

Lucas Reginato Publicado em 20/07/2012, às 14h04 - Atualizado às 14h21

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Alceu Valença - Divulgação
Alceu Valença - Divulgação

Em comemoração ao centenário de Luiz Gonzaga, Alceu Valença está em turnê com um show especial em tributo ao ídolo. Mas enquanto reverencia o Rei do Baião, ele mesmo é alvo de homenagens por seus 40 anos de carreira, tendo sido festejado no carnaval de Recife neste ano.

Por e-mail, o músico, que nesta sexta, 20, se apresenta no SESC Santo André, narrou o episódio em que conheceu Gonzagão e comentou sua conflituosa relação com as gravadoras.

Como surgiu a ideia de homenagear o centenário de Luiz Gonzaga?

Possuo uma ligação muito forte com a música dele, porque sou de São Bento do Una, no agreste de Pernambuco. Cresci escutando a música dos aboiadores, dos emboladores, dos cantadores de feira, dos sanfoneiros de oito baixos, enfim, em convívio permanente com os elementos que ajudaram Luiz a formatar seu estilo. Conheci Luiz pessoalmente no início da minha carreira, quando fazia um show em Juazeiro do Norte (CE). Vi aquele senhor na plateia, achei-o parecido com Gonzaga, mas fiquei em dúvida. Ele estava sem chapéu e sua testa me pareceu grande demais. Depois do show, ele veio conversar comigo. Fiquei preocupado de ele se desagradar com as guitarras e perguntei: "Seu Luiz, o que o senhor achou do meu som?". Ele respondeu prontamente: Adorei, Alceu. É uma banda de pífanos elétrica"!

Anos mais tarde, gravei em dupla com ele a música "Plano Piloto", que fiz em parceria com Carlos Fernando, em homenagem a Brasília, e decidimos convidá-lo para participar. A primeira parte era mais ligeira, a segunda mais dolente, como um xote, mais próxima do estilo dele. Daí ele falou: "Alceu, você canta a primeira parte que é mais ligeirinha. Deixa que eu faço a segunda" [risos]. Quem se interessar em escutar, pode encontrar a gravação na internet. Sobre a homenagem, ao ver artistas que nada têm a ver com esta história prestarem tributos vazios ao centenário de Gonzaga, distanciados de suas propostas estéticas e conceituais, resolvi, eu mesmo, homenageá-lo.

Qual o critério para seleção do repertório?

Ao longo de minha carreira, gravei várias músicas de Luiz, como "Vem Morena", "Cintura Fina", "Baião", "Xote das Meninas", entre outras. Recentemente, gravei "Sala de Reboco", com participação da jovem cantora e sanfoneira Lucy Alves, do grupo Clã Brasil, da Paraíba, cujo videoclipe pode ser visto no YouTube. O show inclui também músicas de minha autoria, diretamente influenciadas por aquelas expressões que formataram o estilo de Gonzaga, como "Coração Bobo", "Cabelo no Pente", "Embolada do Tempo". E, claro, os sucessos que não podem ficar de fora: "Anunciação", "Como Dois Animais", "Táxi Lunar", "Pelas Ruas Que Andei", "Tropicana".

Podemos esperar algum CD ou DVD deste trabalho?

Sem dúvida. Pretendemos gravar o DVD deste espetáculo, aqui mesmo em São Paulo, em dezembro, o mês do centenário do Rei do Baião. Tenho vários tipos de show e dois deles já estão registrados em DVD. Ao Vivo em Todos os Sentidos, gravado em 2003, na Fundição Progresso (onde me apresento no próximo dia 27 de julho), no Rio, reúne meus grandes sucessos, com uma pegada mais pop. Marco Zero, rodado em Recife, em 2006, privilegia um repertório carnavalesco, repleto de frevos, maracatus e cirandas. Então, há tempos as pessoas me cobram um DVD com baiões, forrós, xotes, xaxados, emboladas. Chegou a hora de realizá-lo. E ainda farei mais um DVD, com as "Valencianas", onde imprimo um tratamento de música de concerto para minhas canções, ao lado da Orquestra Ouro Preto (MG).

Você se considera um herdeiro de Luiz Gonzaga? Quem você acha que pode dar continuidade a esta tradição?

De alguma maneira, a herança de Luiz Gonzaga é muito forte para os artistas da minha geração. Além de mim, Dominguinhos, Geraldo Azevedo, Zé Ramalho, Fagner, Elba Ramalho, Jorge de Altinho e outros seguem esta tradição, cada um a seu modo. Apesar da violenta dilapidação da identidade nordestina promovida por algumas bandas que se escondem falsamente sob o rótulo de forró, o legado de Gonzaga está além de tudo isso. Das gerações mais recentes, gostava muito do Mestre Ambrósio e do Forróçacana, que infelizmente terminaram. Mas posso citar o Clã Brasil, que extravasa a identidade nordestina pelos jovens poros de suas integrantes.

Assim como você está homenageando Luiz Gonzaga, grandes nomes da música brasileira homenagearam seus 40 anos de carreira no carnaval de Recife. Você se surpreendeu em algum momento com as homenagens e tamanha devoção do público?

Fiquei emocionado com a homenagem prestada a mim no Marco Zero, durante o carnaval de Recife. Artistas como Otto, Karina Buhr e Lirinha, que eu já conhecia, sempre demonstraram respeito e reverência em relação à minha obra, o que me deixa muito feliz. Outros, como Pitty e Criolo, que eu conhecia pouco, me surpreenderam ao recriar com bastante personalidade minhas canções. E, claro, tinha Ney Matogrosso e Lenine, nomes consagrados que eu respeito e admiro, além do Pupillo, da Nação Zumbi, que fez a direção artística do evento. Há outros que posso citar, que não estavam na homenagem, mas que participaram de um especial para a TV Globo, há dois anos, lançado em DVD pela Som Livre: a cantora paulista Giana Viscardi, a cantora potiguar Khrystal (que acabou participando também do meu filme, A Luneta do Tempo) e o meu amigo Silvério Pessoa, expoente da atual cena pernambucana. Sobre a devoção do público a que você se refere, é claro que me emociona muito. O Marco Zero é a minha casa!

Em seu show no carnaval, você disse: “Sou um artista livre. Canto o que quero e quando quero, o que vem do meu coração”. Esta é uma conquista recente ou uma característica que sempre te acompanhou? Em que momentos você percebe que é “livre”?

Na minha cabeça, o verdadeiro artista tem de ser livre, por princípio, inclusive das imposições do mercado. Nunca admiti que diretor de gravadora interferisse no meu trabalho e por isso mesmo tive muitos atritos com as companhias de disco ao longo da minha trajetória. No fim dos anos 70, ganhei rótulo de maldito por parte das gravadoras, já que me recusava a seguir seus ditames, e fui batalhar minha carreira na Europa. Experimentei um reencontro pessoal com as minhas raízes e lá compus "Coração Bobo", que me abriria as portas do sucesso, nos anos 80. Voltei para o Brasil e passei a vender milhões de discos. Virei bendito para as gravadoras [risos]. Mas a trégua durou pouco e logo eles já estavam novamente querendo ditar caminhos para a minha arte, adestrá-la segundo os ventos mercadológicos. Eu, que sempre cantei o que vinha do coração, rechacei qualquer tentativa deles em me tornar mais palatável (ou brega, se quiserem) ao mercado. Sempre me pautei pela liberdade e, sem abrir mão dela, reúno multidões em meus shows pelo Brasil e no exterior. Hoje, com a internet, a sensação de liberdade é ainda maior. Dialogo diretamente com meu público através das redes sociais e incentivo os novos artistas a seguirem seu próprio caminho. Sinto que o Brasil precisa reaprender a conceituar, recuperar sua própria trilha sonora. E não me prendo a modismos de plantão. Prefiro ser culto a ser cult.