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Análise: Lemmy se vai, não deixa substituto e leva uma parte do rock com ele

Vocalista e baixista do Motörhead morreu aos 70 anos

Paulo Cavalcanti Publicado em 29/12/2015, às 17h47 - Atualizado às 18h25

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Galeria - discografia Motorhead - abre - Divulgação/Facebook
Galeria - discografia Motorhead - abre - Divulgação/Facebook

Quem tem uma certa idade lembra-se perfeitamente da comoção causada pelas mortes de gigantes como Elvis Presley, John Lennon e Kurt Cobain. Foram artistas que, cada um de sua maneira, definiram o rock. Partiram cedo e de forma trágica, deixando milhões de fãs inconsolados. Mas eles morreram em uma época em que não havia internet e muito menos redes socais. O pranto, então, permaneceu localizado e “oficial” – as opiniões e reações vinham apenas de especialistas, críticos e jornalistas. Tudo era canalizado em especiais de televisão, jornais e revistas, que saíam sempre com atraso em relação ao que as pessoas falavam e sentiam. Assim, a repercussão em tempo real causada pela morte de Lemmy Kilmister, de certa forma, bateu até a de outros ícones que se foram. Todo mundo gostava do ex-líder do Motörhead. Era um clichê falar que ele era o cara mais amado do mundo do rock. Qualquer um tem uma história para contar sobre Lemmy e o Motörhead.

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Por muito tempo Lemmy parecia ser indestrutível. Ao lado de Keith Richards, Iggy Pop e Jerry Lee Lewis, a impressão era de que ele iria durar para sempre e enterrar o resto da humanidade. Mas, infelizmente, neste ano de 2015, muitos indícios apontavam para o fato de que o músico não estava nada bem. Quando esteve no Brasil, em abril, Lemmy passou mal e não conseguiu se apresentar no Monsters of Rock, em São Paulo. De alguns meses para cá, o noticiário focava na saúde dele, que declinava a cada dia. Mas o câncer que o vitimou foi uma surpresa chocante.

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É fácil dizer que Lemmy vai fazer falta. Ele vai sim: era um cara que dizia o pensava e vivia para o rock e os fãs. Apesar de ser tido como politicamente incorreto e inimigo de “bundas-mole”, ele não era ofensivo ou desagradável. Muito pelo contrário – Lemmy, um velho conhecido do público brasileiro, era educado e profissional ao extremo. Era aquele cara com quem você sempre podia contar para ouvir uma boa história. Entrevistá-lo ou ler as entrevistas dele eram uma alegria. Lemmy vai fazer falta porque, de 25 anos para cá, o cenário do rock esmaeceu. Não musicalmente, já que ainda é possível pescar muita coisa boa sendo produzida. Mas em termos de personagens lendários e folclóricos, nada mais restou. Nunca mais vai existir um cara igual a ele.

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Lemmy viveu a mitologia e o estilo de vida do rock ao extremo. Isso era fato e de conhecimento geral. Se afundou no clichê do excesso de mulheres, drogas e bebida, caiu na balada com outras lendas como ele. Viajou pelos quatros cantos do mundo e viveu como quis. Mas sempre existiu um lado meio melancólico em relação ao artista. Agora, mais do que nunca, é hora de assistir ao documentário Lemmy (2010), dirigido por Greg Oliver e Wes Orshoski. O filme é uma carta de amor a Lemmy. Nele, vários amigos ilustres do falecido baixista, como Dave Grohl, Kirk Hammett, James Hetfield, Slash, Alice Cooper e outros, aparecem dizendo que ele era fodão, um renegado, o último dos moicanos etc.

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Mas havia também uma tristeza em “ser Lemmy”. No longa, fica a impressão de que ele era um sujeito solitário e melancólico, um cara sem nenhuma raiz ou conexão profunda com as outras pessoas. Por isso, ele teria optado pela vida de roqueiro itinerante. Lemmy fala brevemente sobre um passado familiar inexistente e infeliz. Ele mal conviveu com o filho que teve. Procurou anular as raízes. Depois que ganhou alguma notoriedade com a música, o garoto inglês desajustado e sem graça era coisa do passado. Ele virou um caubói do metal que morava em um apartamento detonado em Los Angeles, que lotava de bugigangas da era nazista. Quando não estava na estrada, fazia ponto no Rainbow Bar and Grill em L.A., com uma garrafa de Jack Daniel's à sua frente e um cigarro Marlboro entre os dedos. Lemmy era uma lenda, mas o dinheiro era curto. Precisava dar duro para comprar a birita de cada dia. Mas não baixava a cabeça e não seguia ninguém – ele era o exemplo a ser seguido.

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Mesmo com todo o folclore que o cercava, Lemmy levava a música que fazia muito á sério. Ele começou na década de 1960 em bandas beat que tinham potencial, mas não tiveram sucesso comercial. Fez rock progressivo e espacial no Hawkwind e aí virou uma face conhecida. Foi em 1975 que finalmente ele se encontrou, quando o Motörhead começou a definir o que seria o rock pesado das décadas seguintes. A partir daí, a história é longa, mas quando Ace of Spades (1980) vendeu milhões, o mundo era de Lemmy. E se não vamos ter Lemmy mais por aqui, pelo menos os inúmeros álbuns clássicos vão ficar para sempre e continuar contando a história dele.

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