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Apoteose baiana

Daniela Mercury e Chiclete com Banana fazem os maiores shows do primeiro dia do Festival de Verão de Salvador

Por Bruna Veloso, de Salvador Publicado em 02/02/2009, às 21h01

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Sob um forte calor e clima de festa, começou nesta quarta-feira, 28, a 11ª edição do Festival de Salvador. Daniela Mercury e Chiclete com Banana foram os destaques da noite, que ainda teve O Rappa e Biquíni Cavadão, entre outros.

No gigante Parque de Exposições, milhares de pessoas circulam entre o palco principal e os menores, passando por dezenas de barracas de acarajé, doces, espetos de camarão e bebidas. A cerveja, dificilmente gelada, custa R$ 3, assim como a água e o refrigerante. Para comer, é preciso desembolsar no mínimo R$ 4. O chão de grama é todo coberto com um desagradável tecido que lembra flanela, propício a tropeços. Metade do espaço em frente ao palco maior é destinada ao público de um dos camarotes laterais, de uma marca de cosmético. Quem pagou menos fica da metade para trás.

O Biquíni Cavadão surgiu pontualmente às 20h. Antes de seus shows, os artistas conversam com uma repórter no backstage, para depois serem acompanhados por câmeras até o palco, num clima de superprodução. Entre as faixas próprias, a banda apresentou "Zé Niguém", "Tédio", "Vento" e "Janaína"; nos covers, "Exagerado" (Cazuza), "Índios" (Legião Urbana) e "Romance Ideal" (Paralamas do Sucesso). As duas últimas contaram com apresentações virtuais - de gosto duvidoso - de Tico Santa Cruz, do Detonautas, e Cláudia Leitte.

Seqüência baiana

O show de Daniela Mercury começou pouco mais de uma hora depois, com dois dançarinos vestidos com macacões colados ao corpo, numa estampa que lembra pele de zebra. Os passos misturam movimentos do candomblé e dança contemporânea. Na abertura, com "Milagre do Povo", a cantora se mantém na parte de trás do palco, junto à enorme parede de percussão que faz a base de suas músicas - depois, as batidas de atabaques, congas e um sem número de instrumentos do gênero se misturariam, em diversos momentos do show, a sons eletrônicos. É o que ela chama de afro-eletrônico, linha que percorre boa parte da apresentação e dá novo ar a faixas já batidas de sua carreira, como "Pérola Negra" (cantada em coro) e "Preta".

Daniela não se mostra como o centro do palco: ela se mistura ao corpo de bailarinos e se perde em danças, como numa celebração de umbanda, destacando-se quando, aos giros, deixa aparecer as pernas encobertas minimamente por um vestido preto acima do joelho, decorado com pedras e bordados vermelhos. Daniela mostra seu axé moderno também no estilo, com uma sandália que, se vista de frente, parece uma bota, e luvas sem dedos até os cotovelos. Talvez tenha sido essa mistura de referências que fez com que a escritora e estudiosa do chamado pós-feminismo Camille Paglia se encantasse com a cantora a ponto de compará-la a Madonna. Saiba o que Daniela acha da comparação.

Para uma platéia lotada, cheia de gente com pinturas nos braços e nas pernas em referência ao Olodum (que se apresenta no sábado), Daniela, sempre sorrindo, discursou emocionada sobre sua relação com o grupo baiano. Lembrou que no início da década de 1990, quando gravaram juntos "Suingue da Cor", foi convidada para se apresentar em um "hotel chique" - quando descobriu que ao Olodum ficou reservado um lugar na cozinha, negou-se a cantar. Só resolveu subir o palco porque seus amigos foram, depois de suas reclamações, chamados a sentar junto a todos, no restaurante. Mesmo parecendo clichê, no pout-pourri "Olodum é Rei/ Suingue da Cor/ Força e Pudor" é impossível não se sentir na Bahia: todo o público da arena e dos camarotes laterais canta junto, levanta os braços e ajuda a saudar a Bahia e todos os seus santos, de Iansã a Xangô.

"Se você é chicleteiro, Deus te abençoa"

Se a apresentação de Daniela foi forte, a do Chiclete com Banana foi quase que uma apoteose. Bell Marques, com sua indefectível bandana, botou pra pular cada uma das pessoas espalhadas ali - dos jovens casais que se beijavam entre as músicas das atrações anteriores a grupos mais velhos, com quarenta anos ou mais, passando por mães acompanhadas de seus filhos pré-adolescentes. Ao som do no mínimo divertido cover de "Haja Amor", de Luiz Caldas, "Cara Caramba, Sou Camaleão", "Chicleteiro Eu, Chicleteira Ela" e do hino chicleteiro "Meu Cabelo Duro É Assim", a banda fez o clima de micareta e pré-carnaval da noite. Técnica e complexidade musical deixadas de lado: entoado como uma oração, o verso "Se Você É Chicleteiro, Deus te Abençoa/ Se Não É, Deus Te Perdoa" sintetiza a relação do grupo, há mais de 26 anos na estrada, com o público baiano, que em raríssimos momentos deixou de exercitar as pernas durante o show.

Depois da catarse chicleteira, O Rappa teve a difícil tarefa de manter os ânimos em alta. Mas Falcão, Lauro, Xandão e Lobato conseguiram, mesmo que para um público visivelmente menor, agradar. Subindo ao palco à 1h50, a banda abriu com "Meu Mundo é o Barro", do disco Sete Vezes, lançado em 2008 (o primeiro desde 2003 e a marca da cisão depois da morte do produtor Tom Capote, que havia atuado nos dois álbuns de estúdio anteriores da banda). O show seguiu mesclando faixas do disco aos vários outros sucessos, como "Reza Vela", "Minha Alma", "Lado B Lado A, "Hey Joe" e "Vapor Barato". O DJ Negrália manda reggae e dub entre as faixas, e ajuda a impulsionar as batidas do baixo de Lauro entre uma música e outra - a massa sonora fica tão forte, que a metros de distância dá para sentir o "vento" que sai das caixas de som. Com um instrumento de cinco cordas, Lauro se destaca, destilando um som encorpado e contundente, e faz lembrar que a banda tem raízes mais do que calcadas no reggae. Os efeitos eletrônicos comandados também por Lobato (o grupo conta com um baterista de apoio) vez ou outra se fazem demasiados, encobrindo a guitarra de Xandão. No geral, O Rappa mostra que sabe a que veio, entregando uma apresentação única dentre as bandas do mainstream brasileiro.

Enquanto O Rappa saía do palco e boa parte do público voltava pra casa, a cantora Mariene de Castro botava para ferver o belo ambiente do palco Boteco do Samba. Com tecidos brancos pendurados no teto e jeito intimista, o lugar estava abarrotado de gente - outros tantos ainda dançavam fora da tenda. Mariene, graciosa, de vestido dourado e uma grande flor vermelha na cabeça, cantou sambas inconfundíveis, como "Não Deixe o Samba Morrer", eternizado na voz de Alcione, e cantigas de domínio popular a São Cosme e Damião, entre outras tantas. Quando fala, sua voz se mostra seca, quase ríspida; mas quando canta, é difícil não se render à forma melódica (e potente) como se apresenta. Pena que nos momentos em que os instrumentos silenciavam, o som estourado da tenda eletrônica invadia, incomodamente, o "boteco".

No palco principal, as atividades foram encerradas com A Zorra, como num "esquenta" para o carnaval. "Axezeiro" e "Solteiro em Salvador" fizeram parte do setlist apresentado para poucas (em comparação com o público dos shows anteriores), mas inquietas pessoas.