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Em São Paulo, Arcade Fire faz seu menor show – e também o melhor

Banda apresentou faixas de Everything Now para plateia pequena, mas engajada

Pablo Miyazawa Publicado em 10/12/2017, às 09h53 - Atualizado em 11/12/2017, às 18h11

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Arcade Fire em São Paulo (2017) - Ana Luiza Ponciano
Arcade Fire em São Paulo (2017) - Ana Luiza Ponciano

Marcado para a noite de sábado, 9, o show do Arcade Fire em São Paulo sofreu com a venda fraca de ingressos e precisou passar por uma “metamorfose”. O palco foi reposicionado, de modo a ficar de frente para a arquibancada do Sambódromo do Anhembi. Assim, a pista premium foi encolhida, e quem havia comprado ingresso para a pista comum acabou forçado a encontrar assentos na arquibancada. Fato parecido ocorreu no show do Rio de Janeiro no dia anterior, inicialmente marcado para a Jeunesse Arena e depois transferido para a Fundição Progresso.

Tais mudanças, contudo, acabaram sendo para melhor. O Arcade Fire é uma das poucas bandas da atualidade com competência suficiente para transformar um fracasso em sucesso, ou no caso do show paulistano, algo bem próximo disso. O público de cerca de 10 mil pessoas, um terço do esperado inicialmente pela organização, foi contemplado com uma apresentação mais intimista e interessante da turnê Infinite Content. Os shows divulgam o álbum Everything Now, o quinto do grupo, lançado em julho desse ano.

Foi a terceira passagem por São Paulo do sexteto multi-instrumentista, que no palco ganha mais três integrantes e, ainda, contou com participações de membros da bateria da escola de samba Acadêmicos do Tatuapé para esta performance. Às 21h30, um locutor anunciou com pompa (e em português) o que parecia ser uma luta de boxe de contornos musicais, convidando a banda a se posicionar atrás de um ringue de cordas que a separava virtualmente da plateia. Não demorou para as cordas caírem e o Arcade Fire se jogar nos braços do público – literalmente, algumas vezes.

De chapéu e todo de branco (exceto por chamativas botas vermelhas), o líder Win Butler se utiliza de seu 1,94 m para impor a presença de quem poderia comandar o show sozinho. Tal protagonismo é compartilhado com Régine Chassagne, com quem Win é casado e divide os vocais de boa parte das músicas. Régine, aliás, oferece um espetáculo à parte, vencendo o concurso informal de qual integrante do Arcade Fire experimenta mais instrumentos diferentes. Ela tocou bateria, piano, keytar, teclado, xilofone, acordeon e até um conjunto de percussão feito de garrafas de vinho cheias de água. A simpática coreografia com adereços que ela comete ao final de “Sprawl II (Mountains Beyond Mountains)” já se tornou uma marca registrada de turnês passadas.

Curiosamente, esta foi a menor plateia para a qual o Arcade Fire tocou na cidade. A primeira vez, fazendo abertura a Kings of Leon e The Strokes no Tim Festival de 2005, ocorreu também no Anhembi, com posicionamento de palco semelhante. Já em 2014, a banda foi um dos headliners do Lollapalooza Brasil. Agora como a atração principal para um público que estava lá só para vê-la, a banda conseguiu evocar o espírito e lembranças de 12 anos atrás, especialmente durante faixas do primeiro álbum, Funeral (2004), como “Neighborhood #1 (Tunnels)” e “Rebellion (Lies)”. Aliás, se houve um grande mérito deste show de 2017 foi permitir comparações com a época em que o Arcade Fire apenas dava lampejos de uma grandiosidade que secretamente sempre tentou alcançar.

As faixas de Everything Now representaram um terço do setlist de 24 canções, mas nem todas servem tão bem à experiência ao vivo. “Electric Blue” e “Put Your Money on Me”, apesar de bem recebidas, reduzem a marcha de modo anticlimático e poderiam dar espaço a temas mais conhecidos de discos anteriores. O mesmo quase acontece com a dobradinha “Chemistry” e “Peter Pan” (que estreou ao vivo no Rio). Descontados esses momentos, o show segue em ritmo forte e quase sempre beirando o transe, privilegiando os momentos introspectivos de The Suburbs (2010) e a pegada mais dançante de Reflektor (2013). Apenas Neon Bible (2007) não foi tão contemplado, cedendo apenas duas faixas, “No Cars Go” e “Neon Bible”. Do disco mais recente, a faixa-título e “Creature Comfort” são as que melhor funcionam ao vivo e devem seguir nos set lists de turnês futuras.

Com a distância reduzida para a plateia envolvida e bem engajada, o Arcade Fire se sentiu à vontade para executar seu espetáculo de praxe, marcado por momentos catárticos, performance atléticas dos músicos e execução técnica impecável. A interação com o público foi bem explorada, em especial quando a multidão foi convidada a acender as luzes dos celulares (nenhum isqueiro à vista), criando um memorável efeito de apelo místico. Encorajado pelo clima favorável, Win se aventurou a caminhar pela pista em várias ocasiões, chegando a alcançar a arquibancada enquanto era seguido por câmeras, seguranças e fãs. Em “We Don’t Deserve Love”, o vocalista começou cantando e tocando sozinho no meio da plateia antes de retornar ao palco.

O encerramento foi em estado épico com o hino indie “Wake Up”, que ganhou um discreto apelo carnavalesco com o retorno da bateria da Acadêmicos do Tatuapé. Ainda com o coro de milhares de vozes ecoando e o ritmo sendo marcado no baixo, a banda desceu ao gargarejo e seguiu desfilando no ritmo dos batuques, como se quisesse fazer justiça à presença naquele sambódromo. “Sempre que tocamos no Brasil ganhamos energia para três anos”, declarou Butler em certo momento. Sorte de quem esteve lá para vê-los e ouvi-los tão de perto.