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Bastidores do impeachment de Dilma Rousseff; leia um capítulo do livro 'Why Not'

Obra da jornalista Raquel Landim narra a inacreditável história de como os irmãos Joesley e Wesley Batista

Guilherme Ravache Publicado em 24/05/2019, às 09h38

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Dilma Rousseff (Foto: Agencia El Universal /Iván Stephens/RCC / GDA via AP Images)
Dilma Rousseff (Foto: Agencia El Universal /Iván Stephens/RCC / GDA via AP Images)

A história foi bastante documentada, mas ainda assim, a narrativa da jornalista Raquel Landim torna a jornada dos irmãosBatista, Wesley e Joesley, em um thriller político envolvente. 

Em Why Not, no qual trabalhou por dois anos, a jornalista mostra de maneira hábil como a família Batista foi capaz de unir o Brasil, os partidos PT, PMDB, PSDB e uma dezena de partidos e instituições públicas e privadas, em benefício próprio. Irônico até, perceber esquerda, direita e toda sorte de instituições em torno de uma causa comum. 

+++ ANÁLISE: A inacreditável jornada dos caipiras que fizeram o impossível: unir esquerda e direita no Brasil

As páginas revelam Wesley e Joesley como personagens cativantes. Impetuosos e brilhantes, dispostos a correr os riscos que poucos correriam. Parte de uma família que, apesar das acusações de sonegação de impostos, transformou um pequeno açougue no interior de Goiás na JBS, a maior produtora de proteína do mundo.

A seguir, a Rolling Stone Brasil publica, com exclusividade, um capítulo de Why Not no qual são descritos os bastidores do impachment de Dilma Rousseff. Nos capítulos finais, a República Brasileira se tornou uma espécie de Game of Thrones. A Operação Lava Jato trouxe o inverno: winter is coming, afinal.

O que nos primeiros capítulos era somente uma luta de lordes pelo controle do trono com alguns mortos e feridos pelo caminho, ao final se tornou uma batalha sangrenta pela sobrevivência. Escapar da cadeia era a única meta. Temer traiu Joesley, que traiu Temer, que traiu Dilma, que traiu Lula...

Joesley sempre enxergou mais longe. Tentou convencer Lula a não indicar Dilma como sua sucessora na presidência. Joesley resistia a apoiá-la como candidata a presidente. Só o fez ao ouvir de Dilma que Antônio Palocci seria o ministro da Economia, o que ela não cumpriu depois de eleita. E quando Dilma indicou Joaquim Levy ao cargo, Joesley desenhou em um papel porque Levy, um economista técnico, não seria respeitado pelas lideranças da economia.

Why Not, de Raquel Landim, foi lançado pela editora Intrínseca nesta semana e está disponível nas principais livrarias do País. 

Capítulo 6: O impeachment de Dilma

Embora tenha sido o maior doador da campanha de reeleição de Dilma Rousseff (PT), em 2014, Joesley fazia fortes críticas à condução de seu primeiro mandato presidencial, iniciado em 2011. Considerava a presidente inábil para lidar com os políticos, achava que a política econômica implementada em sua gestão estava destruindo o país e, nos bastidores, acusava-a de não ouvir ninguém.

Nascida em uma família de classe média alta em 1947, em Belo Horizonte, Dilma sempre teve um temperamento forte e uma força de vontade de ferro. Ingressou na luta armada contra o regime militar na juventude e, em 1970, foi presa e torturada com palmatória, socos, choque elétrico e em pau de arara. Nem assim entregou o nome dos companheiros. Quando saiu da prisão, dois anos depois, reconstruiu sua vida no Rio Grande do Sul, formando-se em Economia.

Em 1979, Dilma foi uma das fundadoras do PDT, partido no qual permaneceu por várias décadas. Filiou-se ao PT apenas em 2001. Nas gestões de Lula assumiu o Ministério de Minas e Energia, em 2003, e a Casa Civil, em 2005. Graças à sua lealdade, foi escolhida pelo presidente para sucedê-lo na disputa pela Presidência em 2010, ainda que a ex-ministra não tivesse a mesma desenvoltura que ele no trato com os políticos. Dilma venceu as eleições e, quase quatro anos depois, não abriu mão de concorrer a um novo mandato.

Joesley preferia que, em 2014, o ex-presidente Lula tivesse sido outra vez o candidato do PT. Por isso se engajou pessoalmente no movimento “Volta, Lula”, arquitetado pela senadora Marta Suplicy, então no PT. Em maio, o empresário chegou a participar de um jantar em homenagem a Lula promovido pelo casal Eleonora e Ivo Rosset, dono do grupo Rosset, da marca de lingerie Valisere. Organizado por Marta, o jantar era um pretexto para apoiar uma terceira eleição do ex-sindicalista, que compareceu acompanhado do filho Fábio Luis Lula da Silva, o Lulinha.

Joesley se aproximou dos dois e brincou:

— Ô, presidente, deixa eu conhecer o meu sócio — disse, às gargalhadas, referindo-se ao rumor recorrente de que Lulinha seria um sócio oculto da JBS.

Antes de o PT indicar Dilma oficialmente como candidata às eleições presidenciais, o que foi feito em junho de 2014, Joesley costumava discutir o tema com Guido Mantega. O ministro lhe explicava que Lula agradecia a atenção, mas não tiraria de Dilma a prerrogativa de tentar se reeleger — o que talvez tenha sido o maior erro político da vida do ex-presidente, conforme avaliação de diversos analistas. O empresário não se conformava.

— Não vou apoiar a Dilma. O dinheiro é de vocês, mas eu não vou dar — advertia Joesley, revoltado.

Ele se referia a possíveis saques para a campanha na “conta-corrente de propina” do PT com a JBS, alimentada pelas contrapartidas dos Ba- tista aos aportes feitos pelo BndeS e pelos fundos de pensão nas empresas da família. Para convencê-lo a embarcar no projeto de reeleição de Dilma, Mantega promoveu três encontros entre o empresário e a presidente. Em todas as vezes, Joesley externou sua preocupação com a escolha do futuro ministro da Fazenda, caso ela saísse novamente vitoriosa das urnas. Ele sugeria alguém forte para conseguir recuperar a atividade econômica e a credibilidade do país, em franco declínio desde o fim de 2013.

Joesley estava preocupado com o avanço da Operação Lava-Jato e antevia que, em breve, a PF bateria na porta da JBS. Em sua opinião, somente a volta do crescimento permitiria ao governo obter apoio parlamentar, empresarial e popular suficiente para acabar com as investigações. Com a economia indo bem, pensava, as pessoas logo se cansariam dos solavancos decorrentes das investigações da Lava--Jato. Em uma de suas conversas com Dilma, ele perguntou de chofre:

— Presidenta, quem vai ser o novo ministro da Fazenda?

— Ainda não sei, Joesley, mas não quero o Henrique Meirelles de jeito nenhum — respondeu Dilma.

Henrique Meirelles já trabalhava na J&F e era o preferido do empresariado e de Lula para ocupar o cargo. Sua atuação nos dois governos do ex-presidente à frente do Banco Central, de 2003 a 2010, fora elogiada quase por unanimidade.

— Ok, a senhora não gosta do Henrique, esquece isso. Mas tem que escolher alguém bom. A minha referência é o Palocci. Tem que ser alguém do nível dele ou melhor…

Ao ouvir a menção a Antonio Palocci, ministro da Fazenda no primeiro governo Lula, Dilma assentiu. Com essa garantia, Joesley finalmente se rendeu a seus compromissos com o PT e aceitou financiar a campanha. Contudo, após triunfar nas eleições, Dilma anunciou como titular da pasta Joaquim Levy, ex-secretário do Tesouro Nacional e presidente da gestora de ativos do Bradesco.
O empresário não gostou e solicitou uma reunião com a presidente. O pretexto era parabenizá-la pela vitória, mas o real motivo era reclamar da escolha de Levy. Dilma, sem saber, facilitou a vida de Joesley — que ainda não sabia como introduzir o assunto —, perguntando assim que ele entrou em seu gabinete, no Palácio do Planalto:

— E aí, Joesley, o que você achou do Levy?

— O Levy é bom, presidente, parabéns, mas deixa eu te falar uma coisa —
respondeu Joesley, pegando da mesa da mandatária uma caneta e um papel e começando a desenhar um organograma.

No topo, estava a Presidência da República, à qual se subordinavam dois grupos diferentes, com três ramificações cada um. De um lado ficavam, por ordem de importância, o ministro da Fazenda, cujo nome Joesley deixou em branco; o presidente do Banco do Brasil, Aldemir Bendine, o Dida; e o presidente da gestora de ativos do Banco do Brasil, Carlos Massaru Takahashi, o Cacá. De outro lado, também seguindo a hierarquia, estavam o presidente do conselho de administração do Bradesco, Lázaro Brandão; o presidente do banco, Luiz Carlos Trabuco; e o presidente da gestora do Bradesco, cargo até então ocupado por Levy. Concluído o organograma, Joesley falou:

— O Levy é muito competente, presidenta. O problema é que colocar ele como ministro da Fazenda é a mesma coisa que promover o Cacá a chefe do Dida. As pessoas têm o tamanho delas. Elas gostam de falar de igual para igual.
Joesley fez uma pausa, respirou fundo e continuou:

— Sabe o que vai acontecer? As pessoas vão falar com o Levy, mas não vão ficar satisfeitas, não vão se sentir representadas. Vão pedir para falar com a senhora. Na prática, a senhora se rebaixou, a senhora ficou menor.

Dilma esbravejou. Ela achava aquilo um exagero. Levy era um técnico capaz, faria um excelente trabalho como ministro. O clima pesou e Joesley desviou a conversa para outros temas. Finalmente, despediu-se e deixou o organograma na mesa, pedindo à presidente que o observasse com cuidado. Estava inconformado. Em sua opinião, Dilma, além de não cumprir a promessa de indicar um titular da Fazenda com envergadura, ainda não tinha entendido que o Brasil não precisava de um técnico no comando da economia, e sim de alguém com peso político. Que força Levy teria no Congresso para aprovar as reformas impopulares que eram necessárias, como a tributária e a previdenciária?

O empresário tinha certeza de que com a economia em queda livre seria impossível atrapalhar o trabalho da Lava-Jato, tamanha a insatisfação da população. Saiu do encontro convicto de que aquele governo não resolveria o seu problema. E decidiu que era hora de apostar suas fichas em alternativas. Procurada, a ex-presidente Dilma Rousseff não quis dar entrevista para este livro. Sua assessoria de imprensa foi informada do teor das conversas aqui relatadas. Joesley também se recusou a comentar o assunto. O diálogo acima foi reconstruído com base em informações repassadas pelos dois a terceiros, que contaram o que aconteceu sob a condição de anonimato.

Joesley tinha vários negócios com o peemedebista Eduardo Cunha e sabia que o deputado era um gângster — inteligente, impiedoso, inescrupuloso, corrupto, vingativo. Mas o admirava por sua tenacidade de lutar pelo que desejava nem que precisasse ir às últimas consequências. Cunha ambicionava ser presidente da Câmara dos Deputados, uma posição estratégica para definir os projetos que iriam a plenário e ditar o ritmo das votações na Casa — e haveria eleições para o cargo no início de 2015. O empresário calculou que, se Dilma realmente não tivesse força para acabar com as investigações em torno de casos de corrupção, o deputado poderia ao menos enfraquecê-las se fosse eleito presidente da Câmara, facilitando, entre outras demandas, a aprovação de uma lei de anistia para doações eleitorais via caixa dois ocorridas até aquele momento.

Assim, Joesley resolveu apoiar a candidatura de Cunha, mesmo contra a vontade do governo e do PT, que haviam indicado para o posto o deputado paulista Arlindo Chinaglia, numa tentativa de reduzir a influência do PmdB no governo. Essa disputa pela presidência da Câmara seria o estopim da crise que se seguiria entre os dois partidos. Em sua delação premiada, Joesley confessaria ter entregado R$ 30 milhões a Cunha para que ele comprasse os votos dos deputados. E ainda designou Ricardo Saud para viajar pelo país ao lado do deputado com a missão de pedir votos para ele em nome da JBS. A campanha foi curta, mas intensa, com Saud aproveitando todas as brechas para prestigiar Cunha.

Em um episódio no Rio Grande do Sul, por exemplo, executivos da JBS acompanhados de alguns deputados do estado aguardavam na antessala do gabinete do governador recém-eleito, Ivo Sartori (PmdB), no Palácio Piratini, quando foram surpreendidos pela chegada de Saud. O encontro com o governador não tinha nada a ver com a eleição para a presidência da Câmara, mas o executivo imediatamente ligou para Eduardo Cunha, passando o celular de mão em mão entre todos os parlamentares presentes para que eles pudessem confirmar, de viva voz, seu apoio ao deputado na eleição.

Com a ajuda decisiva da JBS, Cunha elegeu-se presidente da Câmara em primeiro turno no domingo 1º de fevereiro de 2015, com 267 votos, impondo uma pesada derrota ao governo. Apoiado por Dilma, Chinaglia teve apenas 136 votos, seguido de perto por Júlio Delgado (PSB-mg), com 100 votos. Dilma ficou aborrecida com Joesley pelo apoio dado a Cunha, mas não podia romper com ele. O empresário representava uma volumosa fonte de dinheiro e possuía amplas relações no Congresso, enquanto ela, não. Daí em diante, o dono da JBS passou a manter um pé em cada canoa e acabou bem no meio da guerra que se instalou entre o Planalto e o PMDB.

O governo Dilma não ia nada bem. Depois de se reeleger segurando artificialmente a inflação e negando que o país estivesse em crise, quando a economia já desacelerava havia meses, a presidente iniciou o segundo mandato fazendo o contrário do que prometera aos eleitores. Sua equipe econômica cortou gastos em infraestrutura, educação e saúde. Além disso, liberou o reajuste da gasolina e promoveu um agudo aumento no preço da energia elétrica, medidas emergenciais para não desestabilizar de vez o setor elétrico e evitar a quebra da Petrobras. A estatal estava em uma situação delicada após as revelações da Lava-Jato e a implantação da política de congelamento de preços da gasolina pelo governo.

A despeito do esforço do ministro Joaquim Levy — que tentava em vão aprovar no Congresso medidas para elevar a arrecadação e organizar as contas públicas —, a economia afundava na recessão, arrastando consigo a avaliação do governo. O percentual de brasileiros que considerava a administração Dilma “ótima” ou “boa” caíra de 42%, em dezembro de 2014, para 13%, em março de 2015, conforme pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha. Três meses após o início do segundo mandato, o levantamento do instituto apontava ainda que 62% dos brasileiros consideravam o governo “ruim” ou “péssimo”.

A Operação Lava-Jato, em contrapartida, ia de vento em popa, dei- xando o Congresso amedrontado. Em 19 de junho de 2015, o empresário Marcelo Odebrecht foi preso preventivamente e deputados e senadores passaram a viver na expectativa da “delação do fim do mundo”, prometida pelos executivos da empreiteira. O PT pressionava o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a botar um freio nas investigações, entretanto, como antevira Joesley, o governo não tinha estofo para isso.

Em 1º de setembro daquele ano, o procurador aposentado Hélio Bicudo — ex-vice-prefeito de São Paulo na gestão Marta Suplicy e um dos fundadores do PT — e os advogados Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal protocolariam na Câmara um pedido de impeachment contra Dilma. Bicudo e os dois advogados argumentavam que a presidente dera aval às chamadas “pedaladas fiscais”, manobras contábeis para adiar de um ano para outro despesas públicas e ocultar o descumpri- mento da Lei de Responsabilidade Fiscal.

No entanto, governos estaduais e municipais também usavam o recurso com frequência para fechar as contas. Por conta disso, a defesa da presidente negaria que tivesse havido crime de responsabilidade em sua gestão. Alegaria também que a mandatária não poderia ser penalizada por eventuais decisões tomadas por uma ampla cadeia de assessores. Extremamente técnico, o assunto era mal compreendido pela população e se transformou numa contundente polêmica. De acordo com a Constituição, por se tratar de uma alta autoridade do Executivo, só a Câmara dos Deputados poderia decidir se encaminharia ou não o pedido de impeachment da presidente da República para avaliação do Senado. E o presidente da Câmara era Eduardo Cunha, também às voltas, na época, com os próprios problemas. Em outubro de 2015, veio a público a notícia de que a Suíça bloqueara no banco Julius Baer o equivalente a R$ 9,6 milhões em contas secretas do deputado e de sua esposa, a jornalista Cláudia Cruz. O procurador-geral do país europeu, Michael Lauber, suspeitava tratar-se de dinheiro desviado da Petrobras.

O episódio tomou a proporção de escândalo não apenas porque um presidente da Câmara possuía contas secretas em um paraíso fiscal, mas também porque Cunha negara diversas vezes manter conta bancária no exterior. Assim, os partidos PSol e Rede protocolaram na Comissão de Ética da Câmara um pedido de cassação de seu mandato. Formada por 20 membros de diversos partidos, a comissão centralizou o desgastante confronto entre os apoiadores e os detratores de Cunha. À medida que ficava evidente que os votos do PT seriam cruciais para barrar o pedido de cassação, o deputado passou a utilizar o pedido de impeachment de Dilma, que estava em sua mesa, como ferramenta de barganha para evitar a própria queda.

Meses depois, Cunha revelaria que o ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner (PT), fizera o seguinte acordo com ele naquela época: o governo garantiria os votos do PT contra a abertura do processo de investigação contra Cunha, enquanto ele se comprometeria a arquivar o pedido de impeachment de Dilma. O governo, no entanto, não teria cumprido a sua parte no suposto trato — negado posteriormente por Jaques Wagner — e, no dia 2 de dezembro de 2015, os membros do PT que integravam a Comissão de Ética anunciaram que votariam contra Cunha. Restou ao presidente da Câmara protelar ao longo de meses essa votação, lançando mão de todos os artifícios regimentais possíveis para não perder o mandato.

Horas após o anúncio feito pela bancada do PT de que apoiaria a abertura do processo, Cunha, sentindo-se traído pelo partido de Dilma, anunciou sua retaliação ao governo: ele aceitava o processo de impeachment contra a presidente da República e autorizava o início de sua tramitação. Naquele dia, Dilma e Cunha ainda não sabiam, mas ataram seu destino um ao outro.

No dia 3 de março de 2016, a revista IstoÉ traria em suas páginas revelações bombásticas feitas pelo ex-senador por Mato Grosso do Sul, Delcídio do Amaral, em seu processo de delação premiada. Um dos políticos mais influentes do PT, ele fora preso cerca de três meses antes por ordem do ministro do Stf, Teori Zavascki. Era acusado de obstrução da Justiça por tentar comprar, por R$ 4 milhões, o silêncio do ex-diretor da área internacional da Petrobras, Nestor Cerveró, que estava preso. Participaram da reunião em que Delcídio fez essa proposta o seu chefe de gabinete, Diogo Ferreira, o advogado de Cerveró, Edson Ribeiro, e o filho do ex-diretor da estatal, Bernardo Cerveró, que gravou clandestinamente a conversa e entregou o áudio à PF.

Segundo a reportagem da IstoÉ, para se livrar da cadeia Delcídio teria contado, por exemplo, que durante uma caminhada pelos jardins do Palácio da Alvorada a presidente Dilma pedira a ele que conversasse com o ministro Marcelo Navarro, do StJ. O objetivo era pedir ao ministro que votasse a favor da soltura de dois empreiteiros apanhados pela Lava-Jato: Marcelo Odebrecht e Otávio Marques de Azevedo, ex-presidente da Andrade Gutierrez, uma das maiores construtoras do país. Dilma refutaria as acusações, mas a delação de Delcídio levou a crise política para dentro do Planalto e alimentou novamente o pedido de impeachment contra a presidente. Duas semanas depois, em 15 de março de 2016, a situação se complicaria com uma denúncia contra o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, ex-chefe da Casa Civil e um dos homens de confiança da presidente. Delcídio teria entregado à PgR uma gravação feita por um de seus assessores na qual Mercadante oferecia apoio jurídico, financeiro e político ao ex-senador desde que ele não fechasse delação premiada com os procuradores. Mercadante negaria que sua intenção fosse silenciar Delcídio. O dano, porém, estava feito.

No dia em que a gravação de Mercadante ganhou a mídia, Joesley coincidentemente estava no Planalto para uma reunião com Dilma. A presidente, colérica, andava de um lado para outro no gabinete, atribuindo todo o seu infortúnio às tramoias do deputado Eduardo Cunha.

— O Eduardo não sabe com quem está lidando. Eu sou resistente.
Eu já enfrentei até a tortura — repetia Dilma.

— Presidenta, você tem que se entender com o PmdB ou vocês vão quebrar o país — aconselhava Joesley.

O empresário saiu de lá bastante preocupado com suas empresas. Ele ainda não sabia como, entretanto tinha certeza de que Cunha derrubaria Dilma. Dias depois, recebeu um telefonema da Presidência da República para que comparecesse novamente ao Planalto, com urgência. Ele estava nos Estados Unidos, mas assim que retornou da viagem embarcou para Brasília.
Jaques Wagner, que deixara a Casa Civil e assumira um cargo no gabinete pessoal da Presidência, e Giles Azevedo, também assessor especial de Dilma, receberam Joesley: queriam ajuda para marcar um encontro com Eduardo Cunha. O empresário disparou então uma mensagem para o celular do presidente da Câmara: “9 pm, minha casa, Bra- sília, hoje.” Minutos depois, Cunha respondeu: “Ok.” Joesley disse a Giles que o ideal seria que o próprio ex-presidente Lula, que estava em Brasília nesse dia, se encontrasse com Eduardo Cunha. Wagner, porém, preferiu ir sozinho à reunião com o deputado marcada por Joesley.

Visivelmente nervoso, foi o primeiro a chegar à casa do empresário na capital federal. O anfitrião ofereceu uísque e ficou tentando desanuviar o ambiente. Cunha, que não fora avisado pelo empresário que Wagner estaria presente, apareceu uma hora depois e, ao vê-lo, ficou irascível.

— Joesley, só não vou embora agora em respeito a você — declarou Cunha.

— Não foi minha culpa — disse Jaques Wagner, referindo-se à decisão do PT de votar a favor da abertura de investigação contra o deputado na Comissão de Ética, apesar da promessa em contrário que ele próprio teria feito a Cunha.

— Eu só não dou um murro na sua cara porque estou na casa do Joesley — respondeu o presidente da Câmara.

O empresário pediu calma. Desculpou-se com Cunha por não tê--lo avisado, mas justificou-se dizendo que precisava muito que os dois se entendessem e acabassem com aquela guerra, que prejudicava o país. Em seguida, deixou-os sozinhos. Wagner e Cunha conversaram por cerca de duas horas, não chegaram a acordo algum e foram embora. Procurado, Wagner disse que não comentaria esse encontro, mas não negou que ele tenha ocorrido. Foi impossível conversar com Cunha, preso em Curitiba. Joesley também se recusou a falar sobre os fatos. A história foi recontada com base nas narrativas feitas por eles a terceiros.
Pouco tempo depois, Joesley receberia novo telefonema de Giles, pedindo um segundo encontro com Cunha, dessa vez para o próprio Lula, que queria evitar um desgaste que poderia ser fatal para a presidente Dilma: o desembarque do PmdB da base aliada do governo. Com o impeachment tornando-se cada vez mais uma possibilidade real, muitos caciques peemedebistas, entre os quais o próprio Cunha, já defendiam abertamente que o partido abandonasse o Palácio do Planalto à própria sorte.

O empresário agendou nova reunião, também em sua casa, só que dessa vez em São Paulo, no sábado 26 de março de 2016. Pessoas que acompanharam de perto essa movimentação disseram que Lula pediu a Cunha que paralisasse os trâmites em torno do impeachment de Dilma e mantivesse o PmdB no governo. Já o deputado queria, como contrapartida ao pedido de Lula, que este garantisse que a Lava-Jato não prenderia sua esposa, Cláudia Cruz. Lula respondeu que não tinha poderes para tanto e por isso as tratativas não avançaram. Depois do encontro, o ex-presidente admitiria a amigos que era tarde demais para evitar a queda de Dilma.
Na terça-feira seguinte, 29 de março de 2016, em uma reunião que durou poucos minutos, o senador Romero Jucá, ao lado de um sorridente Eduardo Cunha, anunciou ao Brasil o rompimento do PmdB com o governo Dilma. O vice-presidente, Michel Temer, preferiu se preservar e não foi ao encontro. A saída do PMDB — partido de Temer, mais importante apoiador de Dilma e maior bancada no Congresso — da base do governo deflagrou um salve-se quem puder entre os aliados.

Agora o governo precisava evitar a todo custo que as legendas do chamado “centrão” — PP, PSD, PTB e mais uma série de pequenos partidos que se guiavam por fisiologismo e não por convicções — também debandassem. Para isso, os auxiliares de Dilma pediram novamente ajuda a Joesley. O empresário voltou ao Palácio para uma conversa com a própria mandatária.

— Joesley, preciso da sua ajuda. O PmdB saiu do governo. O que você pode fazer para evitar o desembarque do “centrão”? — perguntou Dilma.

— Presidenta, a senhora está disposta a conversar com eles? — devolveu Joesley.

Ela assentiu com a cabeça. Ao sair do Planalto, Joesley ligou para o senador Ciro Nogueira e perguntou se o seu partido, o PP, realmen- te deixaria a base aliada. Conforme relatado pelo empresário em sua delação premiada, Nogueira disse que sim e Joesley ponderou que ele deveria esperar um pouco, assim poderia negociar melhor seu apoio, fosse com Temer, fosse com Dilma. E lhe prometeu R$ 8 milhões, caso ele conseguisse evitar o desembarque da legenda e o ajudasse a con- vencer também o PR a ficar ao lado de Dilma.
Joesley perguntou ainda ao senador o que os partidos do “centrão” precisavam para continuar no governo e abandonar o PmdB. O senador, então, entregou a ele uma lista de ministérios e chefias de estatais afirmando que aquilo era o que Temer havia prometido a eles se o impeachment fosse aprovado e ele assumisse a Presidência. Se qui- sesse que o “centrão” permanecesse leal, Dilma teria de ir além na oferta de benesses.

Dias depois, o empresário levou a lista de demandas à Presidência e esclareceu a situação: ou a presidente atendia aos partidos ou ela estaria em breve fora do Planalto. Aconselhou o governo a nomear o mais depressa possível os indicados pelo “centrão” para os postos listados e exonerar todos os representantes do PmdB. Na manhã seguinte, contudo, não havia nenhuma notícia sobre reforma ministerial na imprensa. Joesley ligou para Giles e ouviu do assessor que a presidente pretendia fazer ajustes na lista de nomeações. Receava entregar àquele pessoal cargos tão importantes como os ministérios da Saúde e da Educação e o comando da Caixa.

Enquanto ela relutava, Temer corria para angariar apoios. Na mesma semana, Joesley receberia um pedido de reunião por parte do vice-
-presidente. Foi encontrá-lo e Temer contou que organizara um grupo de empresários para financiar uma guerra virtual a favor do impeachment. Para isso precisava de R$ 300 mil. Joesley assentiu. Chamou à sua mansão o principal marqueteiro de Temer, Elsinho Mouco, e entregou a ele os R$ 300 mil solicitados dentro de uma mala, alocada no carro do publicitário.
Cunha e Temer nem imaginavam o duplo papel do dono da JBS nes- ses colóquios. Fiel à sua ideia de manter um pé em cada canoa, dizia à turma do PmdB que era preciso derrubar a presidente para colocar a economia do país em rota de crescimento e afundar de uma vez por todas a Operação Lava-Jato.
Os dias passavam e Dilma continuava hesitante. O PmdB acabou sendo muito mais eficiente no toma lá dá cá da política. Cunha chamou Ciro Nogueira para uma reunião e, em menos de dez minutos, os dois se entenderam sobre a divisão dos cargos entre os partidos. Resultado: o “centrão” também saía da base aliada do governo. A partir daí, não tinha mais jeito.

No sábado 16 de abril de 2016, véspera da votação da abertura do processo de impeachment de Dilma na Câmara, Joesley estava em casa e desligou o celular. Ele sabia que seria uma aporrinhação, com os dois lados ligando sem parar, pedindo dinheiro para comprar votos contra e a favor.

Às dez e meia da noite o segurança veio avisar que o deputado João Bacelar (PR-Ba) estava à porta querendo falar com o empresário. Joesley mandou-o entrar. Os dois se conheciam havia algum tempo. O empresário pedira a ajuda de Bacelar para evitar que Guido Mantega fosse implicado na CPi do Carf, da qual o deputado era o relator. Essa CPI investigava fraudes contra a Receita Federal por parte de bancos e de grandes companhias nos julgamentos do Carf, espécie de tribunal que decidia pendências tributárias.

Um dos maiores defensores de Dilma no Congresso, Bacelar pediu desculpas por ter ido à casa de Joesley tão tarde e contou que tinha ligado em vão para ele o dia todo. Em seguida, pediu dinheiro para comprar votos de deputados contra a abertura do processo de impeachment. Em sua delação premiada, Joesley contaria que o deputado mostrou uma lista de 30 nomes dizendo que precisava de R$ 5 milhões para cada um. Se conseguisse, Dilma não cairia. O empresário desconfiou que não adiantava mais nada, porque achava que o destino da presidente já estava delineado. Mas, como a situação era constrangedora, ele saiu pela tangente:

— Ô, João, faz o seguinte. Compra cinco deputados, por R$ 3 milhão [sic] cada, por minha conta.

O deputado reclamou que era pouco, porém acabou se dando por satisfeito e foi embora. Joesley se comprometeu a gastar R$ 15 milhões em propina para evitar o impeachment de Dilma, mas acabou não desembolsando todo esse valor. Conforme confessaria aos procuradores, entregou apenas R$ 3,5 milhões para quitar a suposta “dívida” e não atendeu mais aos pedidos. Bacelar não confirmaria essa conversa. No dia seguinte, 17 de abril de 2016, um domingo, a Câmara dos Deputados autorizou a instalação do processo de impeachment con-
tra a presidente por 367 votos favoráveis e 137 contrários. Cerca de um mês depois, em 12 de maio de 2016, uma quarta-feira, o Senado acompanharia a Câmara e aprovaria o início da investigação contra a presidente. Dilma foi afastada temporariamente da Presidência da República e o vice, Michel Temer, assumiu interinamente o seu lugar no comando do país.

Dilma Rousseff e Eduardo Cunha caminharam para o abismo lado a lado. Pressionado pelas investigações da Lava-Jato, Cunha renunciaria à presidência da Câmara em 7 de julho de 2016. No dia 31 de agosto, Dilma perderia de vez a faixa presidencial, após o julgamento definitivo pelo Senado, ainda que tenha mantido seus direitos políticos. Menos de duas semanas depois, em 12 de setembro, Cunha teria seu mandato de deputado federal cassado e, no dia 19 de outubro, seria preso em Brasília, por ordem do juiz Sérgio Moro, e enviado a Curitiba para cumprir pena.

Enquanto ainda esperava a decisão final dos senadores, Dilma permaneceu por cerca de três meses no Palácio da Alvorada, residência oficial dos presidentes da República. Estava cada vez mais isolada. Nesse período, Joesley conversou com ela apenas uma vez, num jantar no Alvorada. Quando entrou no palácio, a presidente afastada estava acomodada numa poltrona com os pés confortavelmente apoiados. Ela pediu que o empresário também se sentasse e perguntou, referindo-
-se ao governo Temer:

— Joesley, por favor, me conte. Como você está vendo as coisas?

O dono da JBS ficou espantado. Parecia que finalmente Dilma se dispunha a ouvir. Ele começou dizendo que Henrique Meirelles, nomeado por Temer novo ministro da Fazenda, vinha fazendo um bom trabalho e que a economia se recuperava. Prosseguiu avaliando que Temer havia feito uma manobra inteligente, atraindo o PSDB para o governo e colocando o senador tucano José Serra no comando do Itamaraty.

Nesse momento, Dilma o interrompeu. Levantou o corpo da poltrona e, com o dedo em riste na direção do rosto do empresário, fez um sinal negativo.

— Ah, aí, não, o Serra não entende nada de diplomacia — asseverou, com a voz alterada.

E começou a discorrer sobre todos os erros que via na gestão Temer.
Joesley saiu do Palácio pensando que Dilma não mudaria nunca e que, no fim das contas, fora ótimo ela ter perdido o cargo. Ele considerava que Temer estava fazendo uma boa administração e que, se conseguisse aprovar a Reforma da Previdência, poderia recuperar a economia e destruir a Lava-Jato. Mas a percepção do empresário não se confirmou. Poucos meses depois, a PF estaria definitivamente em seu encalço e o governo Temer e seus aliados no PMDB não fariam nenhum esforço para ajudá-lo.