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Billie Eilish e a busca pela felicidade [ENTREVISTA]

O novo disco da super estrela pop Billie Eilish é deslumbrante; mas ela precisou percorrer um caminho sombrio para chegar lá

BRITTANY SPANOS | ROLLING STONE EUA Publicado em 01/03/2022, às 16h00

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Billie Eilish para a Rolling Stone EUA (Foto: Yana Yatsuk para a Rolling Stone EUA)
Billie Eilish para a Rolling Stone EUA (Foto: Yana Yatsuk para a Rolling Stone EUA)

Do lado de fora, a casa não é terrivelmente diferente das outras do quarteirão: um aconchegante bangalô nas vizinhanças de Highland Park em Los Angeles com uma velha árvore lilás florescendo perto da entrada. Na verdade, é lendário: o lugar onde a adolescente prodígio e o irmão mais velho gravaram um disco que fez Billie Eilish Pirate Baird O’Connell a rainha pop da geração-Z. 

É um local familiar para qualquer fã de Eilish, e à primeira vista em um dia absurdamente bonito de abril, não parece ter mudado muito na casa ao longo dos dois anos desde que se tornou famoso, junto com a residente adolescente. A família O’Connell resgatou um cachorro penetra através do quintal, Pepper, e agora juntou-se ao resgate de Eilish, o de um ano de idade, Shark, um pit bull cinza. Sinais de educação em casa permanecem nas áreas comuns, como um lápis antiquado preso à parede e suprimentos encardidos precariamente colocados em uma mesa.

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Mas ao olhar mais perto, é diferente o bastante. Para começar, o estúdio caseiro mais famoso do pop contemporâneo, instalado no quarto de infância do irmão de Billie, Finneas, não é mais um estúdio. Ao invés disso, a mãe dos irmãos, Maggie Baird, tomou o espaço. "Ainda parece o mesmo. Apenas não há mais equipamentos," Billie insiste enquanto me cumprimenta na cozinha procurando ingredientes e utensílios para os cookies que quer assar. A mãe dela acrescentou um tapete azul para o quarto e dorme lá com gato, Misha: "Mantivemos [o estúdio] por um tempo, depois nós estávamos tipo ‘Não precisamos disso’," diz Billie.  

Finneas mudou-se há alguns anos, acomodando-se em Los Feliz com a namorada influencer, Claudia Sulewski. Ele construiu um novo estúdio em seu porão, onde ele e Eilish começaram a gravar música no ano passado. Eilish é, a princípio, cautelosa ao revelar que se mudou também. "Sou reservada em relação ao que está realmente acontecendo," ela oferece conspiratoriamente, revistando os armários da cozinha dos pais como um estudante universitário visitando a casa em um longo fim de semana. "Já se passaram alguns anos nos quais tenho feito minhas próprias coisas. Mas secretamente, porque ninguém precisa saber isso."

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Eilish não mentiu totalmente sobre onde mora; ela ainda passa muitas noites no quarto da infância. "Simplesmente amo meus pais, então quero estar perto deles," diz ela, encolhendo os ombros. Maggie e o marido, Patrick O’Connell, zuniam dentro e fora da cozinha, comentando sobre os cookies e ajudando Eilish a usar o forno antigo. Eilish está exibindo a nova aparência loira-bombshell. Totalmente contrário do penteado anterior, característico de raízes pretas com raízes verdes, o novo cabelo causou alvoroço quando ela o estreou em março no Instagram. Hoje, [o cabelo] está úmido pós-banho, e ela está aninhada em uma camiseta preta da própria loja de merchandising, com um par de moletons combinando. No cardápio de hoje estão cookies veganos de manteiga de amendoim e chocolate sem glúten. Ela está lendo uma receita antiga exibida em uma folha impressa manchada de comida, que foi nitidamente bem utilizada ao longo dos anos. Eilish costumava fazê-los toda vez que estava triste: "Era uma coisa terapêutica para mim," explica. 

Faz um tempo desde que ela fez os cookies [pela última vez] (“Você está vendo história”, brinca). Ela encontrou outras maneiras de processar os sentimentos, especificamente através das composições do segundo disco, Happier Than Ever, que deve ser lançado no dia 30 de julho. O título não é ficção: Ela, de fato, sentiu-se mais feliz do que nunca. Mas como muitas coisas na vida dela, não é tão simples assim. 

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"Quase nenhuma música deste álbum é alegre," Eilish explica, refutando a possibilidade do segundo disco dela ser o contraponto brilhante e alegre ao de 2019,When We Fall Asleep, Where Do We Go?A estreia inspirada em O Babadook evocou memórias vívidas de pesadelos noturnos e sonhos lúcidos sobre texturas que vão do electro-pop industrial ao jazz ballads. Os vídeos são simplesmente sombrios, repletos de aranhas e lágrimas pretas cobrindo o rosto dela. 

Billie Eilish para Rolling StoneFoto: Yana Yatsuk para a Rolling Stone EUA

Na superfície, Happier Than Ever é um diferente tipo de pesadelo. Abuso emocional, luta pelo poder e desconfiança - histórias tiradas da vida de Eilish e da vida de pessoas que ela conhece - ocupam grande parte das letras, ao lado de reflexões sobre a fama e fantasias de encontros românticos secretos. O som é suavizado em relação à casa mal-assombrada espalhada na estreia: exuberante, sombrio, paisagens sonoras eletrônicas hipnotizantes escorrem pela sua espinha, acompanhado das palavras de Eilish

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E ainda, mesmo nas músicas mais sombrias existem momentos de reflexão, amadurecimento, e mais importante, esperança. Este é um disco de alguém que começou a se curar muito antes de escrevê-lo. Ou pelo menos tentou. "Você já foi picado por uma abelha na cabeça?"

Eilish menciona que foi picada "umas 20 vezes" em um acampamento quando ela tinha oito ou nove anos. É uma história que ela contou anteriormente. "Não sei por que surgiu na minha cabeça", diz, "Por que isto surgiu na minha cabeça? Não tenho ideia."

Ela propôs a questão após um pequeno silêncio hipnótico enquanto assistíamos Shark ir entusiasticamente até uma lata vazia de pasta de amendoim. Eilish não gosta do silêncio; ela até narra como se cozinhar cookies como uma vlogueira de comida. Ela me mostra como fazer farinha de aveira ("É literalmente aveia por si só; coloque-a nesta coisa [um liquidificador Vitamix], na potência total") e descobrir a quantidade certa entre lascas de chocolate e a proporção de massa de pasta de amendoim. ("Algumas pessoas gostam de muito. Gosto de muito pouco.")  

"Não consigo ir ao banheiro sem olhar alguma coisa no meu celular," diz. "Não consigo escovar meus dentes. Não consigo lavar meu rosto." Ao longo do ano passado, ela assitiu novamente muitas coisas: Sherlock, The Office “provavelmente umas seis vezes,” New Girl “umas quatro vezes”, Jane the Virgin. Também houve tempo para Good Girls, Killing Eve, The Flight Attendant, The Undoing e Bela Vingança “umas quatro vezes.” "Tudo está no meu celular," explica. Ela raramente assiste algo na TV, com exceção da Saga Crepúsculo, que ela assistiu pela primeira vez recentemente com um amigo. "Eu só assisto enquanto faço qualquer coisa porque tira minha mente da realidade da vida. Eu deveria continuar My Strange Addiction [Meu estranho vício, em tradução livre]", diz, coincidentemente referenciando à música dela de 2019 com o mesmo nome (o que, a propósito, experimenta um diálogo de The Office).

Eilish não pode mais sair de casa. Existem paparazzis e idiotas esperando por ela a cada movimento, e alguns ameaçaram a segurança dela a ponto de precisar de uma ordem de restrição contra eles. O reconhecimento instantâneo de seu visual da era When We All Fall Asleep - cabelo verde brilhante, roupas largas, grandes olhos de oceano - ajudou a mantê-la enjaulada. Ela ficou ressentida: "Eu era uma criança e queria fazer merdas de crianças. Não queria não ter permissão de ir a uma loja ou ao shopping. Fiquei muito irritada e não agradecida em relação a isso."

When We All Fall Asleepe a imagem projetada por ela naquela época marcou uma singularidade acerca do restante do mundo pop. Mas essas coisas também consolidaram uma visão dela que ela adoraria deixar para trás. Menciono uma instrução durante um desafio musical na temporada mais recente de RuPaul’s Drag Race, onde uma drag queen competidora foi informada que a música que ela estava cantando era "muito Billie Eilish".

"O que eles pensam quando eles pensam assim? Eles pensam o que a internet pensa, que é sussurro ou o que quer que as pessoas digam? Toda vez, vejo uma opinião da internet, e isso só me lembra o quão pouco a internet sabe sobre mim. Tenho uma personalidade muito barulhenta, que faz com que as pessoas sintam que sabem tudo sobre mim e, literalmente, não sabem." Ela quer que as pessoas entendam algumas coisas: "Eu posso cantar. Sou uma mulher. Tenho uma personalidade." Happier Than Everoferece uma declaração sobre todos os temas acima.

"Sempre que ouço alguém dizer: ‘Oh, suas músicas soam as mesmas,’ Isso me incomoda. Isso é a principal coisa que tento não fazer. Penso que as pessoas que dizem isso literalmente só ouviram ‘Bad Guy’ e ‘Therefore I Am.’ " Ambas as músicas caracterizam essa tendência de Billie em cantar um rap abafado e melancólico. Atualmente, ela canaliza o jazz na voz, um timbre aprimorado de anos de turnê, em músicas como "My Future" e "Your Power".

A privacidade de Eilish era mais precisoda do que ela, inicialmente, havia percebido. Ela colocou muito de si mesma para o mundo consumir no começo da carreira, quando ela era uma garota "irritante 16 anos" (palavras dela) tentando se envolver com o fandom dela do jeito que ela queria que os artistas favoritos como Justin Bieber fizessem quando ela era um fã pré-adolescente. "É triste porque eu não posso dar tudo o que meus fãs querem," diz. "Quanto maior eu fico, mais eu entendo por que [minhas celebridades favoritas] não conseguiam fazer as coisas que eu queria que eles fizessem." 

Ela se esforça para encontrar uma maneira certa de estruturar. "Não faria sentido para as pessoas que não estão neste mundo. Se eu digo o que eu estou pensando neste momento, [os fãs] sentiriam do mesmo jeito que senti quando eu tinha 11 anos. Eles estariam tipo: ‘Seria tão fácil. Você poderia simplesmente fazer isso.’ Não. É uma loucura a quantidade de coisas em que você não pensa antes de estar bem na sua frente."

Eilish descreve a vida dela como “normal para caramba,” e, às vezes, é. Ela estava assistindo Crepúsculo. Indo a primeiros encontros novamente, o mais discretamente possível. Fazendo as primeiras tatuagens (ela fez um dragão preto gigante na coxa direita em novembro e “Eilish,” em uma fonte gótica ornamentada no meio do peito no dia após o Grammy 2020). "É por isso que é hilário, quando eu vejo tipo ‘10 razões por que pensamos que Billie Eilish é uma illuminati’,"diz. "Fico tipo, você sabe o quão comum eu sou, cara?"

Billie Eilish para Rolling Stone
Foto: Yana Yatsuk para a Rolling Stone EUA

Ela quer compartilhar mais detalhes com os fãs, mas o pensamento a deixa nervosa. As canções em Happier Than Ever estão repletas do medo de “entrevistas, entrevistas, entrevistas”, dos nomes de abusadores ou amigos tóxicos sendo para sempre ligados a ela, e de suas próprias palavras voltando para assombrá-la. 

"Gostaria que eu pudesse dizer aos fãs todas as coisas que penso e sinto, e não ficasse na internet para sempre. E ser falado e chamado de problemático, ou seja lá o que for que alguém quiser chamar qualquer pensamento que um humano tenha," explica. "Outra coisa triste é que eles realmente não me conhecem. E eu realmente não conheço eles, mas obviamente estamos conectados. O problema é que você sente tipo você conhece alguém, mas não conhece. E depois, é, tipo, é. É muito."

Fomos para fora da casa, para a única mesa de piquenique no jardim, e aproveitamos os crocantes e quentinhos cookies de pasta de amendoim. Shark encontrou um brilho particular da luz do sol para se deitar. De repente, ele salta e corre ao longo da cerca, em resposta aos latidos do cachorro de um vizinho de quem ele deseja desesperadamente ser amigo. Eilish sente uma pontinha de inveja. "Você não gostaria que fosse você?"

"Minha mãe estava dizendo isso ontem,", diz Eilish. "Quando você está mais feliz que nunca, isso não significa que você está mais feliz do que nunca foi. Isso significa que você está mais feliz do que era antes."

Após uma adolescente sofrer com depressão, dismorfia corporal, auto-mutilação e pensamentos suicidas, Eilish começou a se sentir melhor no verão de 2019, enquanto estava em turnê na Europa. Foi logo após o lançamento de When We All Fall Asleep, e ela estava sendo acompanhada por um psicólogo, acabara de terminar com o namorado, e se uniu a uma das melhores amigas dela para cair na estrada (além, é claro, dos pais e o irmão). "Eu estava florescendo", diz. "Me senti exatamente como eu era. Todas as coisas ao meu redor estavam exatamente como deveriam estar. Senti que eu estava melhorando. Senti que eu estava mais feliz que nunca. E tentei continuar com isso."

O início de 2020 foi um turbilhão. Eilish varreu as quatro categorias principais do Grammy e começou a protagonizar a turnê que teria consumido a maior parte do ano dela. Ela estava mais ansiosa do que para as turnês anteriores, que a deixaram com torções nos tornozelos, dores nas canelas e dores crônicas. Ela apresentou todas as três datas antes da pandemia forçá-la a cancelar o resto. 

Eilish meio que disse adeus à era When We All Fall Asleep (e o visual que ajudou a torná-la famosa) no Grammy deste ano, apresentando o single único “Everything I Wanted” com Finneas. Happier Than Ever estava quase completo, mas ela não estava pronta ainda para mostrar o novo visual loiro. Portanto, escondeu [o cabelo] sob uma peruca verde e preta. "Foi estranho", reflete. "Eu estava apresentando esta ex-Billie Eilish com cabelo verde, cantando uma música de um ano e meio antes, enquanto eu tinha 16 novas canções que ainda não tinha lançado. Os fãs realmente nem sabiam ser um adeus a uma era. Isso é meio doloroso, mas cativante ao mesmo tempo."

Gravado enquanto o mundo entrava em pausa, Happier Than Everfoi uma oportunidade para mergulhar no próprio trauma. "Passei por um monte de merd*, e isso realmente me afetou, e me fez não querer estar perto de ninguém", diz, embora recuse dar detalhes.

Como tudo que Eilish faz, as letras certamente acendem debates, emojis desconfiados, e teorias da conspiração enquanto as pessoas refletem sobre quem ela está cantando sobre. As canções são um mosaico de experiências, arrancadas da própria vida e a das pessoas que ela conhece. Elas conciliam malandros, amantes secretos, abusadores emocionais. Eilish não citará nomes ou entrará em detalhes, e ela é rápida em lembrar que esta não é apenas a vida dela que ela está falando. Mas ela também conta histórias mais honestas nas novas músicas se comparadas com as de When We Fall Asleep, as quais ela descreve como "quase tudo ficção."

Eilish diz que está deixando a velha Billie ir embora, quem poderia esconder as próprias emoções para com que os outros se sintam melhor. "Houve momentos em que eu estive realmente afetada por alguém, e eu disse-lhes: ‘Preciso te dizer como você me fez sentir.’ E eles disseram algo do tipo: ‘Não posso lidar com isso agora. Simplesmente não posso lidar com isso agora. Isso será muito para mim’."

Ela diz ter passado muito tempo “estando fudid*” e precisou perceber que embora as características tóxicas as quais costuma cantar sobre nasçam da dor, isto não as torna uma coisa certa. "Estava falando com amigos sobre a vida deles, e eles me disseram toda essa questão traumatizante que aconteceu com eles. E eu estava tipo, ‘Oh, certo, você não precisa tratar a todos como um pedaço de lixo, só porque você se machucou.’ É normal ficar traumatizado por algo e ter maus instintos, mas também, não há desculpa para abusar das pessoas. Simplesmente não existe. Eu sinto que tudo são desculpas o tempo todo. Desculpas. Desculpas."

Billie Eilish para Rolling Stone
Foto: Yana Yatsuk para a Rolling Stone EUA

Escolhida para abrir o disco, "Getting Older" foi, particularmente, difícil de escrever. "Não foi minha decisão ser abusada", canta sobre um beat de sintetizador delicadamente dedilhado. No final, ela expõe o que está na mente dela. "Tive alguns traumas/Fiz coisas que não queria/Tive muito medo de te contar/Mas agora acho que é a hora." Eilish reconhece como os ouvintes podem ficar chocados com a crueza da música. "Tive que fazer uma pausa no meio da composição dessa, e eu quis chorar, porque era muito revelador. E é simplesmente a verdade."

A faixa-título, que começa como uma melancólica música de término, e depois se transforma em uma melodia movida a guitarra elétrica, foi a primeira que ela começou a escrever para o disco, na turnê europeia, onde ela sentiu estar florescendo. O restante das músicas revelam diferentes tipos de catarses, oscilando entre batidas sexys e eletrônicas, e folk caloroso, reminiscente das primeiras músicas. Cada canção é delicada, sensual e equilibra uma nudez vulnerável com um pouco de auto-proteção em uma postura confiante.

Escrever sobre as emoções mais profundas não foi fácil para alguém que havia mantido meticulosamente os detalhes de seus relacionamentos a sete chaves. "Estive em dois [relacionamentos]," diz. "Experimentei muito no que fiz. Mas, nunca estive em algo realmente real e normal." O ciclo de notícias e as respostas dos fãs ao documentário da Apple TV, The World’s a Little Blurry, no início deste ano consolidou a decisão dela de não citar nomes ou ser específica sobre detalhes nas novas canções. As pessoas ficaram tipo "‘Bem, você é uma artista, então quando você lança algo assim, você não pode esperar que as pessoas não mergulhem mais nisso.' Sim, eu posso", diz. "Você deveria me respeitar totalmente ao dar-lhe tantas informações e dizer: ‘Isso é tudo que você tem’. O resto é para meu próprio cérebro."

O máximo que o mundo conseguiu ver da vida romântica de Eilish estava em The World’s a Little Blurry, que se estendeu desde as últimas semanas de gravação de When We All Fall Asleep no final de 2018 até o Grammy Awards 2020. Eilish não estava necessariamente empolgada para o lançamento. "Não gosto de compartilhar essa parte da minha vida, e eu não estava planejando compartilhar essa da minha vida nunca," diz. 

O ex-namorado dela, Brandon Adams, um artista que se apresenta sob o nome 7:AMP, desempenhou um papel fundamental no filme. The World’s a Little Blurrymostra um doloroso vem-e-vai de Eilish e Adams, que estava então nos seus vinte anos. Após o documentário, os fãs foram atrás de Adams e da família dele nas redes sociais. 

Muitos presumiram que o arrepiante single de Eilish, “Your Power”, que menciona um relacionamento entre uma garota adolescente e um rapaz mais velho, é sobre Adams. Eilish - quem lançou a canção no fim de abril, acompanhada de uma declaração dizendo, em parte, "trata-se de muitas situações diferentes que todos nós vivemos ou experimentamos" - opõe-se às interpretações. "Todo mundo precisa calar a boca," diz. O documentário, ela insiste, "foi era um pedacinho microscópico, minúsculo, minúsculo dessa relação. Ninguém sabe de nada disso. Eu só desejo que as pessoas pudessem apenas parar e ver as coisas e não ter que dizer coisas o tempo todo."

Billie Eilish para Rolling Stone
Foto: Yana Yatsuk para a Rolling Stone EUA

Eilish descreve-se como “carente”, mas desde que ela e Adams terminaram em 2019, ela passou os últimos dois anos aprendendo a existir por conta própria. "Eu não sabia como antes," e explica, "que é irônico porque eu nunca estive em um relacionamento que me permitiu realmente existir com aquela pessoa de qualquer maneira. Minha emoção sempre é por causa de outra pessoa, e isso é um saco." Ela ainda está tentando superar isso. "Você cura eventualmente."

Eilish e eu, na verdade, não deveríamos nos encontrar na casa dos pais dela. Ela queria que eu visse onde ela gravou Happier Than Ever, o estúdio do porão do Finneas. Mas um cano estourou, e quase destruiu o espaço. "O quarto precisou ser completamente reconstruído," ele explica mais tarde via Zoom. "Mas meus discos rígidos, sintetizadores e guitarras, outras coisas ficaram bem. Me sinto muito sortudo por isso."

Eilish fala com alívio sobre como o processo de gravação de Happier Than Ever foi muito menos desgastante se comparado ao disco de estreia. Parcialmente devido a algum sábio conselho de mãe vindo de Maggie no início da pandemia. Depois de quase um mês de lockdown, Maggie sugeriu que os filhos tivessem uma programação semanal. Toda segunda, quarta e quinta-feira, Eilish levava o Dodge Challenger [carro] preto fosco até a casa de Finneas. Alguns dias, eles escreveriam músicas. Outros dias, eles jogariam Animal Crossing ou Beat Saber. Todos os dias, eles comeriam boas refeições: "Muito Taco Bell, pizza caseira, taro boba, comida Tailandesa," lista. "Crossroads e Little Pine. Nic’s uma vez. Fatburger uma vez. Foi uma grande recompensa."

Em The World’s a Little Blurry, a miséria adolescente é palpável enquanto ela termina When We All Fall Asleep. Eilish e Finneas foram amplamente deixados para [fazer] nos próprios dispositivos, mas a pressão da gravadora ainda pairava. Existiam prazos (o disco deveria ser entregue próximo ao aniversário de 17 anos dela), reuniões constantes, e uma expetativa de que uma estrela estava prestes a nascer,  graças a alguns anos de burburinhos sobre o crescimento dela. "Odiei cada segundo disso", admite. "Odiava escrever, odiava gravar. Eu literalmente odiei. Eu teria feito qualquer outra coisa. Lembro-me de pensar que não havia como fazer outro disco depois disso. Absolutamente não."

Desta vez, não houve pressão. Sem notas da gravadora. Sem reuniões. Sem pressa para cumprir prazos. "Ninguém tem mais uma palavra a dizer," diz. "Foi literalmente eu e Finneas, e ninguém mais." No dia 3 de abril de 2020, o primeiro dia do novo cronograma semanal, escreveram "My Future". Em alguns meses, perceberam estarem fazendo um disco.

Ela puxa um suporte de acrílico transparente com a lista de faixas escrita em marca-textos, canções claramente apagadas e alteradas. "Acho que vou enquadrar isso", diz sorrindo. Há algumas manchas de água nele, já que chuviscou quando o estúdio de Finneas inundou.

As 16 músicas do disco são apenas as 16 que eles trabalharam. O par é perfeccionista: depois de começar uma música, eles têm que ver através dela com uma precisão meticulosa até que seja perfeita para eles. A maneira como o disco soa comprova isso, cada música uma paisagem sonora vanguardista única que eleva o trip-hop barroco do álbum de estreia.

"Admiro artistas que conseguem fazer, tipo, três músicas em um dia e continuar fazendo e fazendo," Eilish diz. Ela compara escrever músicas a correr, no sentido de que seria “exaustivo para ca*****” fazer o tempo todo. "Compor é tipo isso para mim. Sou muito boa nisso, mas exige muito de mim. Sinto que corri uma maratona sempre que escrevo uma música."

Capa da Rolling StoneFoto: Yana Yatsuk para a Rolling Stone EUA

Finneas viu a mudança na irmã no tempo em que esteve por perto. Ela gostou de escrever músicas, sentiu-se menos atormentada pelo processo do que antes. "Tem sido incrível como irmão mais velho vê-la se tornar mais confiante, sentir-se mais proprietária, e simplesmente mais animada do que já a vi em relação à música que estamos fazendo", diz ele. "Também penso que ela objetivamente ficou ainda melhor. Essa é minha opinião. Se ela fosse uma ginasta olímpica ou algo assim, ela teria ficado melhor. Ela seria capaz de fazer um salto mais alto ou algo assim."

Desde "Bad Guy," Finneas se tornou um dos produtores de pop com maior demanda, trabalhando com todos de Tove Lo a Selena Gomez. Ele também tem a própria carreira solo que decolou, embora a inundação do estúdio veio no pior momento possível para isso, porque ele estava trabalhando no disco de estreia dele. Eilish acredita na carreira de Finneas, além de ser o parceiro criativo dela, como sendo “ótima pra car****” e fácil para eles se ajustarem. "Não interfere de jeito nenhum, e é divertido para ele," diz ela. "Ele só faz o que quer fazer. Ele não é um escravo disso."

"Arranho muito trabalhando com Billie," continua Finneas. "Penso que meu objetivo principal era apenas ir mais fundo. Este foi o segundo álbum de Billie, você somente... Você tem a oportunidade de ir mais fundo e mais fundo na sua Fossa das Marianas [o local mais profundo dos oceanos]."

Finneas diz que o processo deles é “50-50” criativamente, e ele fala com orgulho sobre o portão tremolo e distorcido que elevam canções como “Oxytocin” e “NDA,” duas faixas que olham para romances e conexões através das lentes de uma pessoa muito famosa tentando ter ambos sob radar.

Billie Bossa Nova” leva essa temática um passo adiante, criando uma fantasia em torno da vida de uma estrela pop em turnê. "Temos que fazer muitas monte de besteiras quando saímos em turnê, onde entramos por elevadores de serviço em hotéis e outras coisas, para que os paparazzi não nos sigam até o nosso quarto," explica ele.

"E então nós agimos como se também houvesse um amor secreto de Billie acontecendo, ser como, ‘Ninguém me viu no lobby/Ninguém me viu nos seus braços,’ como se houvesse uma pessoa misteriosa em sua vida durante tudo isso."

"Escrevo músicas com meu irmão, e nós meio que precisamos tampar nossos ouvidos quando estamos escrevendo sobre o desejo por outras pessoas porque somos irmãos," Eilish diz mais tarde. Músicas como “Oxytocin,” nome para o hormônio liberado na corrente sanguínea devido ao amor ou parto, ela está se perguntando "O que as pessoas diriam se ouvirem através da parede?" sob um beat sensual. O folk “Male Fantasy” mostra ela se distraindo com pornografia e, em seguida, refletindo sobre o efeito que a pornografia tem sobre os homens.

"A questão é, nós somos muito abertos sobre ambas as nossas vidas, então não é estranho, sério," continua ela. "É simplesmente divertido. É composição e narrativa. Nós apenas temos que pensar sobre a arte e não pensar muito sobre [as letras]."

Como 50-50 que eles são, Finneas leva para casa o fato de que tudo está sob o nome de Eilish por um motivo. "Em muitos casos, somos questionados sobre nosso relacionamento como dupla quando é anunciado [Billie] como artista solo," Finneas diz. "É a vida dela. É todo o mundo dela. Estou ajudando ela a articular isso, mas é realmente as experiências que ela vivenciou, e neste álbum ela me deixou entrar muito nisso. Mas eu não sei o que é passar por isso."

Ele cita o amigo dele, o cantor e compositor Bishop Briggs, quem disse que compor é como ela supera tudo. Finneas concorda. "Billie fazer este disco foi ela trabalhando em muitas dessas coisas."

Billie Eilish para Rolling Stone
Foto: Yana Yatsuk para a Rolling Stone EUA

Quando Eilish lança uma nova música, ela não consegue ouvi-la novamente. Desaparece no universo, apenas para ser ouvido pela criadora se por um acaso ela ouvi-la enquanto é tocada na rádio de hora em hora. "Não é porque eu não gosto mais", explica. Happier Than Ever tornou-se o disco favorito de Eilish no mundo, mas ela já está de luto pela perda dele meses antes dele ser lançado. Enquanto conversamos, faltavam algumas semanas antes do primeiro single ser de conhecimento público.

"Não sei como explicar isso, mas todas as músicas neste disco parecem um tempo específico, porque elas parecem [ser deste tempo] quando eu as escrevi e as fiz," explica ela. "É muito engraçado como para o restante do mundo vai parecer um certo momento, e vai ser tão diferente do meu. Isso é uma coisa tão estranha, estranha para envolver minha cabeça. E eu vou adorar isso. Eu amo isso. Essa é a razão de você fazer isso. É por isso."

Quando Eilish e eu nos falamos pela última vez, “Your Power” tinha sido lançado há alguns dias. Isso impulsionou reflexivas conversas online, com muitas mulheres compartilhando as próprias experiências com abuso sexual ou emocional. A lírica sobre um parceiro mais velho tirando vantagem de uma mulher mais jovem atingiu um acorde particular, e a própria Eilish ainda está processando essa reação.

"Sinto que as pessoas, na verdade, realmente, realmente ouviram a lírica," diz ela, se debatendo em seu quarto com uma camiseta larga das Meninas Superpoderosas. "Eu estava preocupada com o lançamento, porque é a minha canção favorita que já escrevi. Senti que o mundo não merecia isso."

Ela quebrou o próprio recorde de mais curtidas no Instagram naquele fim de semana também: A sessão de fotos para a British Vogue a mostraram com roupas mais reveladoras do que ela jamais havia sido retratada, canalizando fotos em um boudoir dos anos 1940. As imagens foram um tópico de obsessão da internet por dias: Era isso uma traição ao estilo mais “modesto” visto anteriormente? Ela mesmo tomou essa decisão? Mas não é como se o corpo dela não havia sido debatido mesmo quando estava vestido: As roupas largas foram usadas para envergonhar seus iguais, e ela foi submetida a suposições depreciativas e gordofóbicas dos curiosos demais.

"Vi uma foto minha na capa da Vogue de uns anos atrás com grandes e enormes roupas largas [ao lado] da imagem da [Vogue mais recente]. Em seguida, a legenda era como, ‘Isso se chama crescimento’. Eu entendo de onde eles vêm, mas ao mesmo tempo, fico tipo: ‘Não, isso não está certo. Não sou isso agora e não precisei crescer a partir disso.’"

Como os experimentos de moda, Happier Than Ever não está redefinindo quem Billie Eilish é. Trata-se de expandir a definição e variar. Mas, como ela temia, ela parou de ouvir “Your Power” após ser lançado. "Não sei. Algo muda", diz ela, ainda confusa com o próprio costume.

A música já ganhou vida própria, então ela não tem muitas expectativas sobre como as pessoas vão reagir ao resto das músicas ainda não ouvidas. Ela gostaria de apresentar uma identidade visual para cada faixa e planeja embarcar em uma turnê mundial em algum momento.

Ela tem outro desejo para as novas músicas. "Espero que as pessoas terminem com os namorados por causa disso," diz ela, com um sutil tom de humor. "E espero que as pessoas não tirem vantagem disso."