Rolling Stone
Busca
Facebook Rolling StoneTwitter Rolling StoneInstagram Rolling StoneSpotify Rolling StoneYoutube Rolling StoneTiktok Rolling Stone

Brockhampton faz de Ginger um desabafo melancólico sobre frustrações e despedida de ex-integrante [ANÁLISE]

Lançado na última sexta, 23, o quinto álbum de estúdio fala sobre a saída de Ameer Vann e finca a boyband de rap como criadores ávidos dentro do hip-hop alternativo

Nicolle Cabral Publicado em 25/08/2019, às 19h00

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
Matt Champion, Merlyn Wood e Kevin Abstract (Foto: Amy Harrison)
Matt Champion, Merlyn Wood e Kevin Abstract (Foto: Amy Harrison)

Com uma qualidade quase mítica, BROCKHAMPTON, em menos de cinco anos, deu origem à uma sequência de produções que podem ser consideradas uma das mais prolíficas dentro do hip-hop alternativo. 

A boyband - formada por meio de um fórum na internet de fãs do Kanye West - coleciona, ao todo, cinco álbuns de estúdio, SaturationSaturation IISaturationIII, todos lançados em 2017, Iridescence em 2018, e o último, intitulado de Ginger, lançado na última sexta, 23. 

Embora os integrantes desse grupo inquieto e criativo tenham apenas 20 e poucos anos, os trabalhos lançados já podem ser considerados um testemunho sobre as mudanças de produção, estética e representatividade dentro do hip-hop ao falarem abertamente sobre as temáticas LGBTQ+, homofobia, ansiedade, depressão e relacionamentos tóxicos. 

Atualmente formado por Kevin Abstract, Matt Champion, Dom McLennon, Merlyn Wood, Joba, Bearface, Romil Hemnani, Jabari Manwa, Kiko Merley, Robert Ontenient, Henock “HK” Sileshi, Ashlan Grey e Jon Nunes, o grupo retornou aos holofotes ao lançar um novo registro que enfatiza tudo o que eles vêm trabalhando nos últimos anos: autenticidade e experimentalismo.

Desta vez, apresentam Ginger, o quinto álbum de estúdio, intensamente pessoal e bonito, sobre auto-realizações e a primeira declaração pública em conjunto - na faixa "Dearly Departed" - sobre o impacto da saída de Ameer Vann, co-fundador ao lado de Kevin Abstract, e um dos melhores rappers do grupo. 

Vann, que estampa a capa da trilogia Saturation, foi afastado em 2018 após alegações de abuso sexual por diversas mulheres. Na época, o grupo que estava em turnê cancelou as apresentações e anunciou o desligamento do integrante. 

Após então experimentar esse conturbado reagrupamento, a boyband conquistou o topo das paradas da Billboard com Iridescence, lançado logo após a saída do rapper. O disco é um retrato dessa energia atenuada do grupo - que pode ser recebida como satisfatória ou excessiva - e um trabalho mais sonoramente focado. No entanto, o projeto veio sem o brilho - e hits - da trilogia anterior, Saturation

Com Ginger, em 12 faixas, o coletivo de rap é mais conciso e, desta vez, as ideias emocionais chegam mais agudamente. Em uma entrevista para a GQ, em junho, Kevin Abstract chegou a dar o tom do disco: "Queremos fazer um álbum de verão. Algo como: 'Sinta-se bem. Não será algo muito triste como 'oh, nossa vida é uma merda'. É mais algo como aproveite o que está na sua frente".

Em partes, de fato, temos essa "energia do verão" quando as faixas "Ginger" e "Big Boy" apresentam batidas mais alegres. Mas no geral, temos um álbum melancólico e denso. 

Na abertura, por exemplo, a primeira faixa "No Halo", com a participação de Deb Never e Ryan Beatty, aponta o nítido distanciamento das batidas intensas de Iridescence e dá atenção à essa melancolia.

Em "Dearly Departed", citada acima, talvez tenhamos a música mais densa do disco. Além de apresentar uma pegada rock e ter a inconfundível entrada de Joba no refrão, a faixa se torna memorável pelo verso de Dom McLennon para Vann, em que ele diz:

"Pass the weight off to your friends and never face the truth / Because you never learned how to be a man / And it's not my fault, and it's not my problem anymore / That's just where you stand / That's just who you are / That's your cross to bear / You could talk to God / I don't wanna hear, motherfucker".

"Deixe o peso para seus amigos e nunca encare a verdade / Porque você nunca aprendeu a ser homem / E isso não é minha culpa e não é mais problema meu / É exatamente onde você está / É exatamente quem você é / Essa é a cruz que você terá que carregar / Você poder falar com Deus / Eu não quero ouvir, filho da puta

Nisso, o rapper condensa toda a angústia ao terminar a faixa jogando o microfone no chão e saindo do estúdio de gravação.

Nas faixas "I Been Born Again" e "If You Pray Right" lançadas antes mesmo do disco chegar às plataformas digitais, temos batidas esparsas e composições mais firmes, algo que nos remete a trilogia Saturation.

A segunda é uma extensão da faixa "Heaven Belongs To You", colaboração do BROCKHAMPTON com o rapper Slowthai. O vocal nasal e sotaque do inglês ganha atenção ao rimar questões ligadas à saúde mental e relacionamento com a religião. 

"If You Pray Right" e "Heaven Belongs To You" se complementam em título e tem o mesmo sample. A nomenclatura é uma referência à música de Nina Simone "If You Pray Right (Heaven Belongs To You)".

Além das experimentações sonoras com beats, trompetes, violões e os monólogos (marca registrada do grupo), os destaques seguem sendo das duas vozes coringas e muito certeiras de Joba e Merlyn Wood, que geralmente fornecem uma energia intensa às composições com versos ríspidos e fluidez vocal. Mesmo que desta vez eles tenham se acalmado ao longo do disco, a dupla seguiu sem perder a força.  

Ao olhar para o projeto como um todo, é possível dizer que o coletivo conseguiu explorar, mais uma vez, os medos e frustrações pessoais e transformaram a nebulosa e frenética criação de 13 mentes em uma beleza sonora muito bem organizada. 

+++ De Djonga a Metallica: Scalene escolhe os melhores de todos os tempos