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Caetano Veloso se justifica em carta a Roger Waters e mantém show em Israel

Ex-integrante do Pink Floyd pediu ao cantor e a Gilberto Gil que cancelassem a apresentação

Redação Publicado em 23/06/2015, às 13h12 - Atualizado às 14h30

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Caetano Veloso invade a madrugada e encanta plateia alternativa do festival Bananada com seu <i>Abraçaço</i>. 
 - Pedro Margherito
Caetano Veloso invade a madrugada e encanta plateia alternativa do festival Bananada com seu <i>Abraçaço</i>. - Pedro Margherito

Caetano Veloso finalmente se manifestou de forma oficial sobre o apelo de Roger Waters para que não fosse realizado o show da turnê Dois Amigos, Um Século de Música, com Gilberto Gil, marcado para acontecer em Tel Aviv, Israel, no dia 28 de julho. Por meio de uma carta publicada pelo colunista Ancelmo Gois, do jornal O Globo, o cantor disse entender a posição de Waters e agradeceu, mas manteve-se firme na intenção de subir ao palco.

Após Caetano Veloso e Gilberto Gil anunciam turnê conjunta para celebrar os 50 anos de carreira.

O músico inglês, ex-integrante do Pink Floyd, uniu-se à luta do grupo não-violento BDS (sigla para boicote, desinvestimento e sanções) contra os abusos do governo israelense sobre o povo palestino e clamou: "Caros Gilberto e Caetano, os aprisionados e os mortos estendem as mãos. Por favor, unam-se a nós cancelando seu show em Israel".

Roger Waters volta a pedir para que Gil e Caetano cancelem apresentação em Tel Aviv.

Na resposta, Caetano disse ter recebido um integrante do BDS em sua própria casa e citou outra carta-apelo feita a ele e a Gil, do arcebispo da Igreja Anglicana e Prêmio Nobel da Paz em 1984 Desmond Tutu, herói da luta pelo do fim do apartheid na África do Sul. Tutu lembrou na sua missiva que artistas se recusaram a tocar em território sul-africano durante o período de segregação racial no país e afirmou que o mesmo deveria se repetir com Israel.

Arcebispo sul-africano Desmond Tutu se une a apelo contra show de Gil e Caetano em Israel.

“Quando a África do Sul estava sob o regime de apartheid, e eu soube que artistas estavam se recusando a tocar lá, concordei como que automaticamente com tal decisão. A complicada situação no Oriente Médio não me mostra o mesmo tipo de imagem preto-no-branco que o racismo oficial, aberto, da África do Sul me mostrava então”, declarou Caetano.

Caetano Veloso e Gilberto Gil anunciam primeiras datas de turnê conjunta no Brasil.

“Meu coração é fortemente contra a posição de direita arrogante do governo israelense. Eu odeio a política de ocupação, as decisões desumanas que Israel tomou naquilo que [Benjamin] Netanyahu [primeiro-ministro de Israel] nos diz ser sua autodefesa. E acho que a maioria dos israelenses que se interessam por nossa música tende a reagir de forma similar à política de seu país. Eu cantei nos Estados Unidos durante o governo Bush e isso não significava que eu aprovasse a invasão do Iraque. Eu quero aprender mais sobre o que está acontecendo em Israel agora. Eu gostaria de ver a Palestina e Israel como dois Estados soberanos. Eu te agradeço — e a muitos outros — pela atenção e o esforço dedicados a me esclarecer sobre a política naquela região”, completa ele.

Quando os brasileiros anunciaram a realização do espetáculo em Israel, em 26 de maio, se desencadeou uma série de protestos nas redes sociais. No Facebook, a página “Tropicália Não Combina com Apartheid” já reuniu mais de 12 mil assinaturas contra a performance dos músicos em Tel Aviv.

Anteriormente, Gil disse que não era necessário escrever uma carta a Waters e respondeu que os argumentos dele eram “fortes, e verdadeiros até certo ponto. Não a ponto de que devemos considerar Israel uma sociedade de apartheid. É um regime democrático. Tenho empatia pelo povo, já estive lá tantas vezes. E nas duas últimas vezes em que fui tocar lá também enfrentei objeções, com o mesmo tipo de movimentação internacional para me dissuadir de ir. Mas nós vamos".

Leia o comunicado de Caetano na íntegra:

"Querido Roger,

Há cerca de um mês recebemos sua carta através de Pedro Charbel, um jovem brasileiro que faz parte do Movimento BDS. Pedro veio à minha casa, onde ele nos conheceu, a Gil e a mim — junto com nossas empresárias —, acompanhado de uma jovem brasileiro -israelense, Iara Haazs, uma judia (que também está com o BDS), para pedir que cancelássemos o show, em Tel Aviv, no próximo mês. Antes disso, nós recebemos a carta de um importante militante dos direitos humanos no Brasil com o mesmo pedido.

Hoje nós recebemos outra, desta vez do próprio Desmond Tutu (ele foi citado na sua e em todas as outras cartas e mensagens que recebemos sobre o assunto). Tentarei responder a ele também.

Quando a África do Sul estava sob o regime de apartheid, e eu soube que artistas estavam se recusando a tocar lá, concordei como que automaticamente com tal decisão.

A complicada situação no Oriente Médio não me mostra o mesmo tipo de imagem preto-no-branco que o racismo oficial, aberto, da África do Sul me mostrava então. Eu disse a Charbel como me sentia a respeito.

Ele pareceu achar, como você, difícil de acreditar que pessoas como Gil e eu não fôssemos recusar o convite dos produtores e do público de Israel (o show está esgotado) depois de ouvir o que ele tinha para nos contar sobre aspectos realmente sombrios da relação Israel-Palestina.

Eu preciso lhe dizer, como disse a ele, como meu coração é fortemente contra a posição de direita arrogante do governo israelense. Eu odeio a política de ocupação, as decisões desumanas que Israel tomou naquilo que Netanyahu nos diz ser sua autodefesa. E acho que a maioria dos israelenses que se interessam por nossa música tende a reagir de forma similar à política de seu país.

Aqui reproduzo o que disse a um jornalista brasileiro que me questionou como eu responderia ao pedido de cancelamento em uma curta sentença: Eu cantei nos Estados Unidos durante o governo Bush e isso não significava que eu aprovasse a invasão do Iraque. Escrevi e gravei uma música que se opunha à política que levou à prisão de Guantánamo — e a cantei em Nova York e Los Angeles. Eu quero aprender mais sobre o que está acontecendo em Israel agora. Eu nunca cancelaria um show para dizer que sou basicamente contra um país, a não ser que eu estivesse realmente e de todo o meu coração contra ele. O que não é o caso. Eu me lembro que Israel foi um lugar de esperança. Sartre e Simone de Beauvoir morreram pró-Israel.

Gilberto Gil contou-me já ter sido aconselhado a cancelar shows em Israel antes, mas que ele se recusou a fazê-lo, mesmo após os terríveis acontecimentos de julho de 2014. Quanto a mim, eu gostaria de ver a Palestina e Israel como dois Estados soberanos. E entendo que Israel precisa escutar as reações que chegam do exterior. As Nações Unidas, muitos governos, e até artistas, como você, mostram os riscos de Israel ficar cada vez mais isolado, caso siga com suas políticas reacionárias. Às vezes, eu penso que é contraproducente isolar Israel. Isto é, se se está buscando a paz. Tenho muitas dúvidas sobre tema tão complexo.

Charbel sabe quantos problemas de produção teríamos no caso de cancelamento de um show que já foi anunciado e completamente vendido. Mas eu desistiria alegremente de tudo se estivesse seguro de que essa é a coisa certa a fazer. Devo pensar por mim mesmo, cometer meus próprios erros. Eu te agradeço — e a muitos outros — pela atenção e o esforço dedicados a me esclarecer sobre a política naquela região. Sempre falarei a verdade de meus pensamentos e sentimentos, e se eu fosse cancelar esse show apenas para agradar pessoas que admiro, eu não seria livre para tomar minhas próprias decisões. Eu vou cantar em Israel e prestar atenção ao que está acontecendo lá.

Netanyahu não ganhou fácil a última eleição. Acho que o fato de eu cantar lá é neutro para a política do país, mas se minhas canções, voz ou mera presença puderem ajudar os israelenses que não concordam com a opressão e a injustiça — em uma palavra, a se sentirem mais longe de votar em alguém como ele — eu estarei feliz."