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Capital Inicial 'rejuvenesce' com o apoio de Scalene, Far From Alaska e Fresno em novo disco

"Quem vai determinar a saúde do rock nacional são esses caras", diz Dinho Ouro Preto, sobre a nova geração de bandas, ao lançar disco nascido a partir de um grupo de WhatsApp

Pedro Antunes Publicado em 13/12/2018, às 18h00

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Capital Inicial (Foto: Fernando Hiro / Divulgação)
Capital Inicial (Foto: Fernando Hiro / Divulgação)

Se respondesse por escrito, Dinho Ouro Preto, vocalista do Capital Inicial, teria enchido de exclamações suas frases sobre a diferença de idade entre ele, 54 anos, e os artistas que fazem participações no novíssimo disco da banda, chamado Sonora, disponível nas plataformas digitais a partir dos primeiros minutos desta sexta-feira, 14.

"Eu poderia ser o pai deles, cara!", ele diz, por telefone - acrescentem, vocês, portanto, quantas exclamações quiserem.

Veterano, Dinho lembra de quando levou Gustavo Bertoni, vocalista banda Scalene e um dos representantes dessa nova geração roqueira nacional a participar do álbum, para gravar uma das canções do disco. "Descobri que ele tem 30 anos a menos que eu. Eu poderia ser o pai dele, cara!", ele lembra, ao citar a idade da filha: 21 anos.

Enquanto bandas da geração de 1980 vivem alimentadas pela nostalgia, o Capital Inicial segue de olho no próximo passo. Embora seus shows não deixem de relembrar os hits mais pedidos, a banda tem um elogiável ritmo de lançamentos de canções inéditas. Veja bem, o grupo iniciado em 1982 lança, com Sonora, seu 20º álbum, sendo o 14ª de inéditas. É uma boa média.

Sonora (cuja capa pode ser vista abaixo), contudo, destoa da extensa discografia do grupo nascido em Brasília, formado ainda pelos irmãos Fê (bateria) e Flávio Lemos (baixo), e Yves Passarell (guitarra) porque ele é o menos cristalino álbum do grupo. E isso, amigos, é ótimo.

Compare (quando o álbm estiver disponível na sua plataforma de streaming preferida, obviamente) "Parado No Ar", canção que abre Sonora, com "Veraneio Vascaína", um dos primeiros clássicos do Capital Inicial, lançado no disco deles de 1986, a estreia dos rapazes.

A música dos anos 1980, embora tenha a sua importância para o grupo, teve que se contentar com um registro fraquinho e cristalino demais. No Capital Inicial de agora, com "Parado no Ar", Dinho Ouro Preto soa rasgada, como deveria e poderia ser, com as baquetas pesadas de Fê Lemos fazendo a diferença para trazer a urgência da canção, enquanto os solos de baixo e guitarra são colocados numa espécie de conversa de velhos amigos, sobrepondo-se e, ainda assim, entendendo-se. Acertaço.

O Capital Inicial soa como uma banda em início de carreira, com aquele gosto pelo que é sujo, cru, mesmo com esse tanto de décadas de estrada. 

É nessa canção que participa, aliás, Bertoni, escolhido a dedo por Dinho. O Scalene é integrante de uma cena de um novo e efervescente rock nacional que não é unida por uma confluência sonora, mas, sim, na mentalidade de buscar alternativas para novos sons, novos ritmos.

É mais ou menos assim: cada um na sua, todos juntos para a manutenção desse espaço que tem se aberto novamente para o som produzido por guitarras. Estão, entre eles, gente como Supercombo, Far From Alaska, Scalene, Ego Kill Talent, entre tantos outros.

Para Dinho Ouro Preto, esse é um mundo novo. E, é por ele aproximar dessa galera toda, que Sonora existe.

Disco nascido de um grupo de WhatsApp

Sim, tudo começou com um grupo de WhatsApp, acredite. Mas chegarei lá.

A princípio, Dinho aceitou o convite da banda Supercombo para cantar uma canção em um projeto da banda no qual eles chamam outros artistas para regravar as canções deles. Chamado de "Session da Tarde", o projeto já está na sua segunda edição, é divertido e soa como fosse um auto-cover com diferentes vocalistas.

A partir desse encontro com o pessoal do Supercombo, Dinho descobriu a existência de um grupo de WhatsApp formado por essas bandas da tal cena citadas ali acima. Pediu para entrar e foi aceito. A partir dali, ficou por dentro das trocas que os grupos faziam, as tais colabs (ou colaborações, caso você esteja mais para a idade do Dinho do que da de Gustavo Bertoni).

Também descobriu que Lucas Silveira, vocalista e guitarrista da Fresno, de uma geração antes dessa "molecada" organizava encontros com eles na garagem da sua casa, no Sumarezinho, em São Paulo, próximo da antiga sede da MTV - saber a localização do prédio da antiga MTV também pode revelar a idade, saiba disso. 

Num desses encontros, lá foi Dinho.

Entre cervejas e churrasco, encontrou integrantes do Vivendo do Ócio, Medulla. Aproximou-se de Lucas e contou a ele sobre uma sequência de acordes que não conseguia terminar. O líder da Fresno levou vocalista para o estúdio caseiro erguido sobre a garagem da sua casa.

"E o Lucas resolveu rapidinho, cara. Eu fiquei de cara. Ele já saiu cantando. E eu falei: "Caralho, de onde você tirou isso?" De onde ele tirou essa musicalidade, essa sonoridade, esse arranjo. Fiquei espantado com tudo o que ele sugeriu para a música. Isso fez o meu coração bombar, saca?"

A canção em questão entrou no disco, chama-se "Universo Paralelo" e conta, como é possível prever, com a participação de Silveira nos vocais.

Enquanto o coração bombeia

É claro, Dinho Ouro Preto precisou convencer o restante do Capital Inicial, mas, na sua cabeça, estava decidido: o próximo disco da banda seria produzido por Silveira. "Eu sou meio que pai dessa geração, né? Eles são molequinhos. E o jeito que o cérebro opera é diferente em todos os sentidos", elogia.

"Não estou só falando das soluções nos arranjos", explica Dinho. "Estou falando de soluções para a própria gravação. Não tem mesa de estúdio, aquele negócio enorme, que custava US$ 200 mil dólares e só as grandes gravadoras podiam pagar. Não tinha tratamento. Eles se adaptaram aos novos tempos. Você ouve esse som e se pergunta: "Bicho, como ele tá fazendo isso?"

São os novos tempos - digitais e conectados. "Eu lembro que quando a gente começou, os estúdios eram coisas caríssimas. Agora, eles sabem resolver isso com um plug-in."

Dinho se lembra de quando levou o restante dos integrantes do Capital Inicial ao estúdio de Silveira. Todos entraram cautelosos, até ouviram o som criado pela ideia de Dinho e o produtor. "Esse é um disco que me tira da zona de conforto completamente. Não é só mais um disco do Capital Inicial".

Não é mais um disco do Capital Inicial

É, na verdade, um dos discos mais progressivos do Capital Inicial - no sentido de seguir adiante, mesmo. A crueza é inédita para a banda cujo início, afinal, se deu na época de ecos nas vozes serem ouvidos como algo descolado e as captações ruins só tiravam a pressão dos graves. É o Capital Inicial modo garagem, 30 anos depois.

Para a empreitada, Dinho "vampirizou" artistas mais jovens - e ele mesmo faz a piada com a ideia de "buscar sangue novo". Scalene participa de "Parado No Ar", a música escolhida para abrir o disco. Thiago Castanho, ex-integrante do Charlie Brown Jr., ajudou a compor "Seja o Céu", em parceria com Dinho e Alvin L (antigo companheiro de composições do Capital Inicial). O CPM 22 participa em "Velocidade", a canção mais veloz do álbum, como o seu título já entrega.

O Far From Alaska, que ao lado do Scalene é um dos grupo que, se você não conhece, é convidado a parar a leitura desse texto e correr para ouvir, toca em Invisível, canção que também tem a assinatura de Emmily Barreto, vocalista da FFA, ao lado dos citados Castanho, Dinho e Alvin L, na composição.

"Eu escolhi cada um deles, bicho", diz Dinho, que segue, "porque eu via eles nessas canções. Eu pensava: "acho que aqui é uma música que ficaria bem com o Far From Alaska'. E assim foi".

Dinho, aliás, fez questão também de elogiar os grupos Selvagens a Procura de Lei e Ego Kill Talent, como outras das novas bandas que têm chamado sua atenção.

A longa estrada do Capital Inicial

"36 anos de estrada, cara. É foda...", diz Dinho, sobre o movimento constante do Capital Inicial, em turnês e pelos estúdios. E eles fazem questão de visitar os estúdios e gravar novas composições. "É foda você conseguir lançar algo que não seja mais do mesmo. A maior parte das bandas veteranas, com o mesmo tempo que nós, não lançam com a mesma frequência que a gente."

Ele segue: "E se você lança discos com um intervalo de tempo grande entre eles, tudo bem soar parecido com o interior. Mas, no nosso caso, minha cabeça não funciona assim. Quero discos novos, com canções novas. Não quero me pautar por nostalgia. Não que eu esteja cuspindo no prato que eu comi. Acho bacana o que o Capital Inicial fez e construiu. Mas eu quero poder olhar sempre para o futuro e pensar num próximo projeto."

E o futuro do rock?

"E falar do rock brasileiro, se você me fizer essa pergunta."

Não, eu não fiz. Mas não precisava, Dinho seguiu:

"O futuro não somos nós. Quem vai determinar a saúde do rock brasileiro não é em que pé está o Capital Inicial ou os Raimundos. Não somos nós. Quem vai determinar a saúde do rock brasileiro são esses caras. Não necessariamente sucesso comercial, mas a qualidade do som que eles estão produzindo, isso sim."

E Dinho conclui: "O jeito de celebrar o rock nacional, tudo o que já foi feito, é celebrando essa geração aí."

Como se fosse 30 anos atrás  

Sonora é urgente como um disco de punk. Traz questões sociais, mas é leve. O cinza da arte do álbum, todo estilizado, parece dialogar com o tempo do País. Dinho e companhia não são, contudo, políticos no álbum. O fazem ao falar das desilusões, das fúrias, dos erros e acertos.

O álbum, contudo, chega ao fim com uma canção chamada "Só Eu Sei", cujo refrão parece tirar o Capital Inicial daquela fantasia de molecotes recém-chegados no rock and roll para assumir o papel de veteranos. "Só eu sei quantos invernos eu passei para chegar até aqui", canta Dinho. A canção tem algo de melancolia.

"O mesmo céu, o mesmo mar, um novo dia para recomeçar", diz um verso. 

Aí que está o interessante da canção. Porque Dinho e companhia se enxergam nesses jovens músicos do disco. São 30 anos de diferença, é claro, mas existem semelhanças entre eles. O álbum todo, ao longo das anteriores 10 faixas, exibe como o Capital Inicial dialoga com os novos tempos.

Em contrapartida, o disco chega ao fim com a percepção de que os tempos são outros. E que muitos invernos já passaram pela vida dos integrantes da banda. Ainda assim, algumas coisas não mudam: os dias políticos conturbados (do passado, presente e futuro) e a vontade dos jovens de se juntarem numa garagem, ligar os amplificadores, e tirarem um som.