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Comemorações do centenário de Luiz Gonzaga em Recife foram marcadas por vasta e democrática programação

Fagner, Azulão, Nando Cordel e Genival Lacerda, entre outros, participaram das comemorações

Cristiano Bastos, de Recife Publicado em 20/12/2012, às 19h35 - Atualizado em 21/12/2012, às 11h37

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Exu - Luiz Gonzaga - Marcelo Soares/Secult-PE
Exu - Luiz Gonzaga - Marcelo Soares/Secult-PE

É realmente impressionante como o povo nordestino, especialmente o recifense, sabe se divertir e, acima de tudo, reverenciar o menestrel musical daquelas bandas: Luiz Gonzaga do Nascimento, o eterno Rei do Baião. Na Praça do Arsenal da Marinha, construída em 1870, localizada no bairro do Recife Antigo, gente de todas as classes sociais dançava alegremente (e com legítima felicidade estampada na face) com seus pares os xaxados, forrós e baiões do Velho Lua entoados por uma série de artistas – das novas e antigas gerações – da música nordestina.

Um pecado cometido pelo evento, no entanto, foi não ter contado publicamente (a não ser em Exu, terra natal de Gonzagão) com algum representante da família de Gonzaga, o que terminou por esvanecer um tantinho o brilho que teve o festejo. Todavia, foi uma festa linda, em que não faltou alegria, música, poesia e todas as tantas homenagens mais do que merecidas para Luiz Gonzaga. O som, tecnicamente, estava perfeito. Não se viu uma briga sequer nos três dias de festa: pura comunhão folclórico-cultural. O que foi tirou o brilho, contudo, foram as pessoas embriagadas jogadas pelas ruas, praticamente desmaiadas. É um fato, aliás, observável não só em dias de festa na capital pernambucana. É, na realiade, assunto de saúde pública – e dos mais graves. O cheiro de urina, por sua vez, recendia de todas as ruelas que interligam os centenários prédios históricos (uns muito bem-preservados; outros lamentavelmente caindo aos pedaços). Ainda que a oferta de banheiros químicos tenha sido farta, as ruas, no entanto, foram o “banheiro público” predileto de muitos que estavam por ali.

Voltando a Gonzaga, na sexta-feira, 14, o evento contou com a presença do lendário Azulão, o projeto Viva Gonzagão, Almir Rouche, André Macambira, Andrezza Formiga, Bia Marinho, Em Canto e Poesia, Roberto Cruz, Rogério Rangel e Santanna e Assisão. Quem fechou a noite foi o multicompositor/cantor Nando Cordel. Nando tem simplesmente mais de 500 músicas gravadas – várias delas constam em trilhas de novelas famosas (Tieta, Tropicaliente, Caras e Bocas, Roque Santeiro), jingles e trilhas de filmes (Xuxa e os Duendes, por exemplo). “De Volta pro meu Aconchego”, hit de Elba Ramalho, leva a assinatura de Cordel. O talento e a versatilidade do músico, que lançou mão de uma fileira de hits radiofônicos, conquistaram o palco da Praça do Arsenal. O público dançou e cantou em coro. Foi bonito de se ver.

Fora as músicas de sua autoria gravadas por grandes nomes da música brasileira, como Maria Bethânia, Elba Ramalho, Fafá de Belém, Chico Buarque, Fagner, Dominguinhos, e até o próprio Luiz Gonzaga, Nando Cordel ainda tem gravados 12 álbuns de músicas para “meditação e relaxamento”. É o legítimo “forrozeiro-new-ager”. O acompanham no palco os filhos Tauã, Caiã e Ruan, jovens de 20, 19 e 18 anos, respectivamente, que, além de tocar com o pai, têm a banda Tribo Cordel, que já é sucesso em vários estados do nordeste. A banda deu um tom rock ao show.

Nos bastidores, Fagner, homem difícil de falar, conta que ter tocado nos festejos do centenário de Luiz Gonzaga foi uma “experiência única e fantástica”. Segundo ele, foi o Velho Lula que lhe fez retornar do Sudeste para o Nordeste e pôs-lhe na cena novamente. “Saí daqui [do Nordeste, Ceará] muito novo e comecei a fazer muita música urbana, cantando muitas dores de amor e muitos rocks. E Luiz Gonzaga um dia me fez o chamamento: ‘Vem para cá, menino’. Então, me trouxe novamente para a nossa terra. Eu e Gonzagão fizemos dois discos lindos juntos e, a partir daí, eu pude reencontar o povo nordestino”, reverencia Fagner.

Outro dessa geração é o exímio Paulo Rafael, atual guitarrista de Alceu Valença, que já integrou formações do Ave Sangria e também da embrionária Trem de Catende. Exímio guitarrista de blues, hard rock e gêneros nordestinos, ele afirma que foi Valença que lhe ensinou a fundir sua arte guitarrística à obra de raiz de Gonzaga. “Eu era um cara arredio ao folclore, vim de Caruaru, interior pernambucano, e já vinha com um certo preconceito com Recife”, conta Rafael. “Eu não gostava, por exemplo, do [conjunto instrumental-vocal organizado na década de 1970] Quinteto Violado, achava muito básico. Eu estava muito ligado em Led Zeppelin. Mas teve uma hora em que comecei a perceber que o Led tinha, sim, um ‘fundo de baião’. Era a world music que ensaiava seus primeiros acordes, no começo dos anos 70. Foi o embrião de tudo.” Na verdade, teoriza Paulo Rafael, toda world music possui uma conexão com a música occidental: “Isso soma-se ao blues; você repara que tem notas que batem”.

Outro destaque revelado na programação do evento Gonzagão – 100 Anos foi o cantor e radialista Ed Carlos, que em seu show aproveitou o repertório registrado no disco Ed Carlos Canta Gonzagão. Trata-se de um disco com músicas de Gonzaga escolhidas em votação por leitores do Jornal do Commercio, de Recife. Entre as escolhas do povão, estão sucessos conhecidos do Velho Lua, como “Asa Branca”, “O Fole Roncou”, “Assum Preto” e outras menos populares no Sudeste, a exemplo de “São Jorge do Carneirinho”, “Xote Ecológico” e “Matuto de Opinião”. “A unanimidade na votação foi a canção ‘Vozes da Seca’, a primeira música de protesto gravada no Brasil”, diz Ed.

No sábado, 15, o folguedo começou às 20h, e, sim, pra lá de animado. Quem abriu a noite foi Genival Lacerda e João Lacerda, filho dele, seguidos por Anastácia, Baião Polinário e Petrúcio Amorim, responsável por fechar a noite. Natural de Campina Grande, na Paraíba, Genival botou o público para dançar, gargalhar e se divertir muito com seu remelexo doido. Tocou sucessos de Gonzagão, como “Deixa a Tanga Voar”, mas também canções do seu repertório. O público entoou em coro “Radinho de Pilha”, “De Quem É Esse Jegue”, “Mate o Véio” e “Severina Xique-Xique”. A história de Genival, de certa forma, guarda semelhanças com a de Gonzaga. Em 1964, incentivado por outro grande mestre da música nordestina, Jackson do Pandeiro, concunhado dele, foi para o Rio de Janeiro, onde trabalhou em casas de forró e chegou a gravar um LP. Contudo, o sucesso só chegou mesmo em 1975, com a música “Severina Xique-Xique”, cujo verso “ele tá de olho é na butique dela” tornou-se o mais popular do compositor.

No domingo, 16, aconteceu a já tradicional missa em homenagem a Luiz Gonzaga, no Palco Juazeiro, no Parque Aza Branca. O evento religioso foi celebrado pelo bispo da diocese de Salgueiro, Dom Magnus Henrique Lopes, e pelo administrador paroquial do Exu, o padre Domingo Pedro da Silva. Quem conhece a obra do Rei do Baião sabe da importância da religião para o cantor. Em diversas canções, o catolicismo, ao olhar sertanejo, mostra-se em forma de devoção. Depois de tanta festa, música, misticismo e comemorações, ficam essas palavras de Luiz Lua Gonzaga – poeta até quando abria a boca para falar: “Quero ser lembrado como o sanfoneiro que amou e cantou muito seu povo, o sertão; que cantou as aves, os cangaceiros, os retirantes, os valentes e covardes, o amor. Este sanfoneiro viveu feliz por ver o seu nome reconhecido por outros poetas. Quero ser lembrado como o sanfoneiro que cantou muito o seu povo, que foi honesto, que criou filhos, que amou a vida, deixando um exemplo de trabalho, de paz e amor”.