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Como o R&B contemporâneo cresceu no Brasil e vive seu melhor momento?

Artistas nacionais em ascensão, como Fabriccio, Isadora, Wesley Camilo e o duo YOÙN, têm ressignificado o gênero no país

Lorena Reis Publicado em 30/06/2020, às 12h00

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Montagem com Isadora (Foto: Instagram / Reprodução), Wesley (Foto: Instagram / Reprodução), YOÚN (Foto: @mtvps / Divulgação) e Fabriccio (Foto: Instagram / Reprodução)
Montagem com Isadora (Foto: Instagram / Reprodução), Wesley (Foto: Instagram / Reprodução), YOÚN (Foto: @mtvps / Divulgação) e Fabriccio (Foto: Instagram / Reprodução)

Com letras marcantes e melodias envolventes, além da mistura de ritmos como jazz, blues, pop, hip hop, funk e soul, o Rhythm N’ Blues, mais conhecido como R&B, é um dos estilos musicais mais ecléticos que existem - tanto que é (muito!) difícil defini-lo brevemente.

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Introduzido nos Estados Unidos ao final da década de 1940, pela revista Billboard, o termo substituía a chamada “Race Music”, que, na época, representava músicas de origem afro-americana, refletindo, assim, o status segregado da sociedade norte-americana. Enquantop isso, nos anos 2000, o R&B Contemporâneo já dominava as paradas musicais, com o auxílio de nomes como Alicia Keys, Beyoncé, Bruno Mars, Chris Brown e Usher.

No Brasil, Cassiano, Jorge Ben, Djavan, Tim Maia, Sandra de Sá e outros importaram o R&B, é claro que com o famoso "jeitinho brasileiro" e miscigenado de ser. Mas, embora o estilo tenha influenciado tantos músicos, ele se manteve afastado dos holofotes, se escondendo por trás da MPB e do rap melódico, por exemplo. Assim, ele nunca havia sido considerado um ritmo brasileiro, até o surgimento de artistas que, enfim, passaram a defendê-lo.

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De um tempo para cá, é possível notar que o R&B contemporâneo tem crescido cada vez mais na indústria fonográfica brasileira, e é atualmente representado por Alt Niss, Bivolt, Iza, Luccas Carlos e mais. Para entender melhor sobre o termo, a Rolling Stone Brasil conversou com Fabriccio, Isadora, Wesley Camilo e com o duo YOÚN, que nos explicaram a origem do gênero. Confira:

Fabriccio (@fabricciomusic)

Criado no bairro Bela Vista, na Grande São Pedro, em Vitória, Fabriccio é um artista independente cujo primeiro álbum solo, Jungle, foi lançado em setembro de 2017, pela Indigo Music Production.

Com 13 faixas, ele transita entre o pop, o Soul e, principalmente, o R&B. “O som que eu fiz acabou entrando bastante na gaveta do R&B”, conta o músico. “eu tentei fazer um álbum com as memórias afetivas que eu tenho no campo da música, tanto nos samples quanto na escrita. Referências da MPB até dubstep, jungle, drum n’ bass e tal.”

Mas, afinal, como identificar o gênero?

Identificar os elementos de R&B sempre foi um caminho ardiloso para mim. Mas, ao ser questionado sobre isso, Fabriccio explica: “Eu aceitei o termo R&B porque ele abarca muita coisa. A gente geralmente associa o R&B ao hip hop cantado dos anos 1990, o que eu também acho maneiro. É uma escola que me influenciou bastante. Jodeci, essa galera toda. Mas, para mim, o R&B é uma ‘versão brasileira’ da parada, assim como o Pagode 90, o Djavan. É tudo R&B, inclusive pela estética.”

Segundo ele, o R&B também apresenta várias vertentes, assim como outros estilos musicais. “Olha, é difícil [definir o R&B], mas é a mesma coisa com o rock. Tipo, Oasis é rock, mas Sepultura também é rock, sabe?" O importante é assimilar, entender os primeiros trampos que foram considerados R&B. Mas, para mim, a principal característica é a melodia. A forma como a melodia se coloca na harmonia. É diferente!”

Durante o bate-papo, Fabriccio afirma que o R&B já era visto no Brasil há um bom tempo, mas era subestimado, especialmente pela mídia: “Eu sou muito ouvinte de música, antes mesmo de tocar, e eu sempre senti que esse ‘tal de R&B sempre esteve aqui, mas havia um distanciamento da mídia em geral a esse tipo de música, feita por esse tipo de gente, que vem desse tipo de lugar. Não entrou no radar, sabe? Agora, com certeza, o R&B tem crescido no Brasil, principalmente o contemporâneo.”

A indústria fonográfica brasileira é inclusiva? 

Por último, Fabriccio comentou sobre o cenário musical no Brasil, revelando que ele é “pouco” inclusivo, mas que tem melhorado bastante. “Acredito que, no passado, o terreno era muito mais árido. Mas às vezes eu ainda tenho que provar que ‘SIM, fui eu quem produziu esse som”, coisas assim. Ainda é muito racista, não vou economizar o termo. É muito seletivo, mas nem a cerca prende mais. A cada brechinha, vem dez da quebrada, e esses dez mudam o jogo completamente.”

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Isadora (@eumesmaisadora)

Isadora, que nasceu no Rio de Janeiro, mas atualmente reside em São Paulo, também é uma das representantes do R&B contemporâneo no Brasil. A cantora traz a sensualidade do ritmo em suas músicas enquanto flerta, ao mesmo tempo, com elementos eletrônicos e com o pop.

Ao ser questionada sobre seu primeiro contato com o R&B, Isadora conta que, desde pequena, ela fez parte de um ambiente muito eclético sonoramente, com influências do rock clássico ao MPB. Quando saiu do Brasil para morar na Europa, conhecendo países como Holanda, Suíça e Portugal, ela acabou tendo mais contato com o R&B, pois, segundo ela, “lá fora, a arte em si é mais valorizada.”

“Eu trocava muitas figurinhas e influências com meus amigos, até que eu cheguei numa certa idade em que eu mesma procurava algumas referências no YouTube”, relembra. “E, para mim, o R&B é uma mistura de elementos, de sonoridades. Ele nasceu de uma fusão do blues com o jazz, misturando gospel e soul… Foi por isso que eu acabei sendo bastante influenciada pelo estilo, porque eu também sou uma ouvinte eclética. Foi isso que me encantou. A gente não precisa ser uma coisa só.”

Isadora ressalta que o R&B não esteve inserido na trajetória dela desde pequena, como acontece com grandes artistas do ramo: “Muitas pessoas começaram a cantar na igreja e vivenciaram isso quando ainda eram muito novos. Para mim, foi uma construção, uma pesquisa. Eu resolvi abraçar esse estilo musical justamente pela variedade, a diversidade que ele apresenta.”

Por que ouvir R&B?

Pensando em disseminar o gênero, Isadora listou três motivos essenciais para ouvir R&B. Confira:

1. Som eclético: "O ritmo é uma verdadeira mistura de estilos, com elementos do pop, urban e música eletrônica, além de Soul, Jazz e Blues, agradando a diversos gostos."

2 – Som sensual: "A melodia cria uma atmosfera romântica e cria o ambiente ideal para ouvir acompanhado ou pensando no crush."

3 – Se encaixa em diversos momentos: "É a trilha sonora perfeita para dias alegres, tristes, para socializar com os amigos ou curtir uma noite a dois."

Ainda, a cantora preparou uma playlist de R&B. Para ouvi-la, clique aqui.


Wesley Camilo (@wesleycamilo)

Assim como Fabriccio, Wesley Camilo também cresceu na igreja evangélica, onde teve seu primeiro contato com a música em geral. O cantor e compositor paulista já havia contribuído com as harmonias de artistas como RZO e Criolo quando divulgou seu primeiro EP, Minhas Verdades, no final de 2017.

Em entrevista à Rolling Stone Brasil, Wesley explica que a vinda do R&B ao país foi um “processo muito interessante”, pois, enquanto o gênero serviu de influência para o nascimento do hip hop nos Estados Unidos, aqui, no Brasil, o hip hop reinava antes do R&B se estabelecer.

“Quem era mais influenciado pela melodia do que pela rima não se enxergava dentro do rap, que precisava de um posicionamento mais incisivo, sabe? Tanto que muitos diziam que ‘rap era música de bandido, de ladrão’. Ou seja, primeiro o rap veio ganhando espaço e, depois, o R&B se encaixou no refrão do rap”, disse o músico. 

Segundo Wesley, o “R&B tem a voz como instrumento principal”, influenciando, portanto, músicas desde o pop até as mais underground. “É um nicho muito plural, que traz essa questão de Love Song, de relacionamento”, afirma, acrescentando que o gênero enfrentou grandes transformações com o passar dos anos: “Hoje, eu vejo que essa parte mais ativista e questionadora acaba entrando no ‘New R&B’, que tem duas influências básicas: o R&B e o rap. Acaba, então, que o R&B também vira uma ferramenta contestadora, com um grito social. Além do sentimento, aborda assuntos em comum no que diz respeito à luta, às questões raciais… Tudo o que a gente tem conversado nos últimos tempos.”

Como o gênero cresceu no Brasil de um tempo para cá?

“Bom, o público de R&B, de certa forma, sempre existiu”, argumenta Wesley. “Eu venho de um ambiente religioso, e eu via muita gente falando que R&B e Black Music não viravam no Brasil, porque as pessoas não gostam e tal. Mas, ao mesmo tempo, eu via a música americana estralando aqui, e eu pensava: ‘Será que é a gente que não sabe fazer?’”

Por último, Wesley revela que R&B, Black Music e Jazz sempre foram estilos muito consumidos, mas que, de um tempo para cá, o número artistas aumentou, fomentando a indústria fonográfica. “O que mudou no cenário foi essa força independente (...) Enquanto o movimento ainda não está acontecendo, é difícil ver grandes selos adotando artistas com esse pensamento, esse estilo. É difícil alguma gravadora contratar alguém para lançar uma tendência. Ainda mais no Brasil, que a gente costuma pegar as coisas muito prontas. A gente tem dificuldade em processar e desenvolver coisas que caibam na nossa realidade”, conclui. 

Abaixo, confira a faixa “Espaço”, que integra o próximo disco de estúdio de Wesley Camilo, Presente:

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YOÙN (@youn.oficial)

Enquanto isso, na Baixada Fluminense, nascia o talentoso duo YOÙN, formado por Alisson Jazz e Gian Pedro. Amigos desde pequenos, eles conheceram o R&B também na igreja e, em 2017, consagraram-se como artistas de rua, se apresentando nas linhas de trem caóticas do Rio de Janeiro.

No entanto, desde a estreia do single “Nova York”, em outubro de 2019, muita coisa mudou. “Agora e gente vive do nosso trabalho, sem precisar se expor na rua”, explica Alisson à Rolling Stone Brasil.

Segundo ele, “o R&B sempre esteve direta e indiretamente” em sua vida, especialmente por estar pautado na música gospel, com a qual ele já tinha contato. “As nuances, os acordes, as ideias [do R&B] vêm do gospel, que é o primeiro contato do negro com o lado espiritual e com a música. Essa é a música que define o meu povo. É o charme do meu povo: o povo preto. É onde você conecta todos os gêneros dentro de um único gênero. É o lado alternativo da música. Você pode pegar o rap, o pagode e transformá-los em R&B.”

Ainda pequeno, Alisson fazia música por amor, sem ganhar “um tostão”, relembra. Apenas recentemente ele conseguiu adentrar a indústria fonográfica, que, infelizmente, ainda é de difícil acesso. “Ainda estamos engatinhando”, ele opina. “A cena do R&B está se formando agora e o termo ainda é muito novo no Brasil. Temos muito o que conquistar. O rap hoje tem uma dimensão enorme, sabe? Já entra em playlists como Top 50 do Brasil. O R&B ainda não tem esse espaço.”


O movimento por trás do R&B

Falando sobre a luta que antecede a vinda do Rhythm N’ Blues ao Brasil, Alisson comenta que, assim como outros gêneros musicais, como rock, jazz e o samba, “tem pessoas brancas que querem - e vão - atuar no mesmo segmento que a gente, mas é muito importante que todos saibam a raiz e a essência do R&B. De onde o movimento surgiu. É o canto da igreja. É claro que, com o tempo, a gente foi colocando novos sabores nessa mistura, mas o R&B é essencialmente negro.”


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