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Como a realidade virtual mudará sua vida

Como um adolescente criou o Oculus Rift na garagem de casa, vendeu-o por US$ 2 bilhões e pode ter começado uma nova revolução digital

David Kushner Publicado em 15/06/2016, às 14h26 - Atualizado em 16/06/2016, às 13h13

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Realidade virtual: ela vai mudar a sua vida - Eddie Guy
Realidade virtual: ela vai mudar a sua vida - Eddie Guy

Durante décadas, a realidade virtual não conseguiu cumprir sua grande promessa de imersão. Isso mudou dia 28 de março, quando foi lançado o Oculus Rift, um sistema inovador de RV – finalmente anunciando a chegada de uma tecnologia que parece tirada de um futuro antes imaginado apenas em obras de ficção científica. Uma semana antes da chegada do Rift ao mercado (com preço médio de US$ 600), testei o aparelho em um estúdio com isolamento acústico nos escritórios do Facebook em San Mateo, na Califórnia. Participei de uma simulação de escalada de montanha criada pela Crytek, uma equipe de artistas e codificadores que passou o último ano mapeando meticulosamente e recriando paisagens que vão dos Alpes suíços a Halong Bay, no Vietnã. A experiência, que me teletransporta a um penhasco em um mundo virtual que cobre 80 quilômetros quadrados, é tão realista que mal consigo olhar para baixo – quando olho, meus joelhos bambeiam e minhas mãos ficam suadas. Finalmente, meu cérebro precisa intervir: Cara, você não está aqui de verdade.

No passado, óculos pesados e gráficos massudos e vagarosos levaram à descrença na realidade virtual. Só que agora, nas dezenas de “experiências” do Oculus Rift, como a companhia as chama, você pode viver seus sonhos de deus da guitarra em RV no Rock Band, flutuar levemente no espaço sideral no Adrift ou hackear sistemas no Darknet. Em cada uma dessas experiências, você não está simplesmente jogando, está sendo teletransportado.

Palmer Luckey, o visionário criador do aparelho, tem 23 anos, usa chinelos e está me dando uma prévia exclusiva do futuro de RV no Facebook, que comprou sua startup, a Oculus VR, em 2014, por US$ 2 bilhões, o que o colocou na lista da revista Forbes dos empreendedores mais ricos dos Estados Unidos com menos de 40 anos. Para o cofundador do Facebook, Mark Zuckerberg, Luckey e sua equipe estão dando vida à maior fantasia da ficção científica. “A missão da Oculus é permitir que você vivencie o impossível”, Zuckerberg declarou pouco depois da compra.

A RV possibilita esse impossível ao fazer seus olhos e cérebro acharem que você está em outro lugar. O dispositivo do Rift combina hardware sensor de movimento, rastreamento de posição e gráficos tão complexos quanto os dos estúdios Pixar para permitir que o usuário interaja e explore diferentes mundos. Para aperfeiçoar a experiência de escalada, os desenvolvedores usaram fotogrametria – um processo de escaneamento pelo qual capturam superfícies reais (como as rachaduras pontiagudas de um cume de calcário) e as colocam em um espaço virtual.

Embora companhias como o The New York Times produzam e distribuam o que chamam de realidade virtual, acessada por óculos Google Cardboard baratos, sua tecnologia está mais para RV light: vídeos em 360 graus que mantêm você fixo em uma posição enquanto gira. O Oculus Rift também permite apenas assistir, mas tem o poder de oferecer uma experiência de RV mais verdadeira – essencialmente, colocando você dentro de um videogame. Você se move, olha e joga como na vida real, mas o mundo ao seu redor é simulado por computador. “O que oferece aquele nível superior de encantamento na RV é que é você quem está no controle”, diz o neurocientista David Eagleman. “Pode olhar para a esquerda e para a direita e seu cérebro recebe o feedback que espera.”

Só que a RV não trata apenas de jogos. o Vale do Silício, Hollywood e o exército estão apostando nas implicações mais amplas dessa tecnologia porque, afirma Luckey, “sabem que é a próxima grande plataforma de computação”. E a RV é só o começo. Com os chamados dispositivos de “realidade mista”, você pode ver objetos gerados por computador – um bando virtual de gaivotas, por exemplo – flutuarem no espaço real ao seu redor. Além disso, há os óculos de realidade aumentada, monitores transparentes que permitem ver informações como nome e ocupação de uma vizinha quando ela passa na sua frente. E com HTC, Sony e Microsoft também lançando equipamentos de RV neste ano a competição está forte. A Goldman Sachs prevê que tudo isso se tornará uma indústria de US$ 80 bilhões até 2025. “A realidade virtual redefinirá experiências humanas fundamentais em áreas como cinema, educação, arquitetura e design”, disse o especialista em capital de risco Marc Andreessen, cocriador de um dos primeiros navegadores de internet, o Netscape Navigator, depois que sua empresa comandou um investimento inicial de US$ 75 milhões na Oculus VR. Ao mesmo tempo, preocupações sobre como a realidade virtual pode afetar nosso cérebro estão aumentando. Alguns pesquisadores acham que quanto mais fundo formos em mundos virtuais, mais deixaremos o mundo real para trás. “Há uma chance muito grande de ansiarmos por RV”, afirma Sherry Turkle, diretora no Massachusetts Institute of Technology. “Mas temo que as promessas de que a RV aperfeiçoará nossa humanidade, aumentará nossa empatia, tudo isso, sejam exageradas.” O veredicto ainda não foi dado. “Como comunidade científica, simplesmente não sabemos”, diz Beau Cronin, neurocientista computacional que estuda RV. “O cérebro pode se adaptar a esse novo ambiente a longo prazo. Isso é totalmente plausível.”

Longa estrada para a realidade virtual atual está repleta de jogos com gráficos ruins (Dactyl Nightmare) e aparelhos estranhos (como o Virtual Boy, da Nintendo) que nunca deram certo. “Sempre pareceu que a tecnologia estava logo ali, prestes a chegar. Só que o século 21 veio e ela ainda não existia”, afirma o escritor Ernie Cline, autor de Jogador No. 1.

O que ninguém sabia era que um garoto-prodígio traria à tona uma experiência em RV diferenciada na garagem da casa dos pais em Long Beach, na Califórnia. Palmer Luckey foi educado em casa pela mãe, Julie, e desde cedo incentivado a gostar de equipamentos tecnológicos pelo pai, Donald, vendedor de carros. Estimulado a explorar seus interesses, Palmer se tornou um fanático por jogos eletrônicos com um dom para invenção. Seus contratempos com engenharia são os tradicionais de todo nerd que resolve se envolver com experimentos por conta própria: a vez em que criou um ponto cego ao queimar a própria retina com um laser, por exemplo, ou o dia em que voou pela garagem por causa de uma bobina de Tesla. “Levei muitos choques”, diz. “Pensando bem, sinceramente, é um milagre eu estar vivo.”

Porém, o cientista louco era também um empreendedor ambicioso. Depois de levantar US$ 36 mil consertando iPhones, o adolescente de 16 anos construiu um aparelho de ponta no universo de equipamentos para games: um dispositivo para colocar na cabeça com um display perfeito para RV. A genialidade de Luckey foi perceber que boa parte da base para RV – como processadores potentes e software de rastreamento de movimentos – já existia. Ele só pegou as peças de que precisava e as juntou para formar algo novo. Luckey desmontou dispositivos antigos de RV e montou displays alternativos. Alguns o fizeram desenvolver problemas de saúde causados pelo intervalo de tempo entre os movimentos da cabeça de uma pessoa e o que é exibido na tela. Finalmente, com um PC móvel e algumas lentes de aumento, ele fez um dispositivo de RV barato, rápido e que de fato funcionava.

“Só estava brincando um pouco”, conta, sentado no escritório da Oculus. “As pessoas que testaram começaram a dizer: ‘Ei, isso é muito melhor do que qualquer coisa que já existe’.” Uma delas foi John Carmack, cocriador de Doom e Quake, seminais games em primeira pessoa. Em 2012, ele deu a primeira grande chance a Luckey ao mostrar a invenção do jovem na Electronic Entertainment Expo, o maior evento do setor de videogames da América do Norte, e a chamou de “o melhor demo de RV que o mundo provavelmente já viu”. Em menos de um mês, Luckey arrecadou mais de US$ 2 milhões no Kickstarter para cofundar sua empresa, a Oculus VR, com três amigos. Contratou um gênio da Apple, que refinou os sensores de rastreamento de movimentos e os displays para conseguir maior fidelidade.

Como Luckey, Mark Zuckerberg vê a RV como “uma nova plataforma de comunicação”, como declarou quando anunciou a compra da Oculus. Nas redes sociais do futuro, nós nos teletransportaremos para um mundo virtual juntos. “Imagine estar sentado no nível do gramado em um jogo, estudar em uma sala de aula com alunos e professores do mundo inteiro ou fazer uma consulta cara a cara com um médico simplesmente colocando os óculos em casa”, declarou Zuckerberg.

“Nossa visão basicamente era a mesma, em termos do que queríamos construir”, conta Luckey sobre Zuckerberg. “Sou um gamer, mas se você olhar para a realidade virtual e como ela é mostrada na ficção científica, não é como uma tecnologia para jogos.” Segundo romances sobre RV como Neuromancer, de William Gibson, Snow Crash, de Neal Stephenson, e Jogador No. 1, de Ernie Cline, trabalharemos, transaremos e até morreremos no ambiente virtual. “[Nessas obras, a RV] é exibida como uma tecnologia para criar universos digitais paralelos.”

Todo tipo de coisa não relacionada a games já está acontecendo na RV. Recentemente, um cirurgião na Inglaterra transmitiu ao vivo a primeira operação em vídeo de 360 graus, que permite a estudantes de medicina vê-la em seus dispositivos como se estivessem vendo com seus próprios olhos. O Departamento de Defesa dos Estados Unidos testou as experiências Virtual Iraq e Virtual Afghanistan para tratar soldados com estresse pós-traumático, permitindo que veteranos explorassem simulações de cenas no Oriente Médio na companhia de um terapeuta. O website YouVisit permite que qualquer um faça uploads e compartilhe experiências em RV (programadas em um computador ou filmadas com uma câmera 360), de visitas à Dartmouth College a desfiles de moda em Moscou.

Segundo Brendan Iribe, de 36 anos, co-fundador e CEO da Oculus, um executivo formal que é o contraponto para a genialidade intelectual de Luckey, games são apenas o começo. “Daqui a uma década ou duas haverá este momento em que uma parte cada vez maior de sua vida cotidiana acontecerá dentro de um par de óculos. Você poderá se teletransportar para o escritório, para Londres, para as ruínas maias.”

Com as polpudas contas bancárias do Facebook à disposição, Luckey passa o tempo todo supervisionando sua fábrica de RV, na qual jovens usando camisetas se curvam em estações de trabalho, soldando óculos em cabeças de isopor. Diferentemente da maioria das empresas pontocom assépticas, há uma industrialidade real aqui. O ar tem um cheiro metálico. Uma placa na porta avisa: “Não entre. Experimentos com robôs em andamento”.

Luckey, que abandonou a faculdade, parece amar o tipo de oficina que construiu nos escritórios do Facebook. Como Zuckerberg, que popularizou os chinelos Adidas, o calçado mais usado por Luckey é um chinelo de dedo. O escritório dele parece um quarto bagunçado, com um pôster do filme De Volta para o Futuro na parede. No almoço, ele entra rapidamente na fila da cantina, como um rapaz comum doido para comer macarrão com queijo. “Há dias em que não faço nada além de jogar games e testar coisas o tempo inteiro”, conta.

O chefe de estúdio da Oculus, Jason Rubin, veterano na indústria de videogames de 46 anos (o dobro da idade de seu patrão), diz que, em vez de se colocar no comando, Luckey reúne gente do setor para que ele possa passar mais tempo se concentrando em uma visão mais ampla do negócio. “Não há muitas pessoas da idade dele com a capacidade de olhar para si mesmas e dizer: ‘Na verdade, não sou um Mark Zuckerberg. Sou uma pessoa muito criativa, mas nada gerencial’”, afirma Rubin, acrescentando que isso é melhor para a companhia. “Vivo no presente e ele vive no futuro.”

Neste momento, Luckey está ansioso para me levar para o futuro. Pouco depois da minha chegada, ele olha para sua assistente e diz: “Vamos colocá-lo no Bullet Train”. Coloco o dispositivo e imediatamente começo a percorrer um túnel escuro com luzes piscando em um vagão vazio de metrô. Quando o trem freia e para, um exército de ciborgues portando armas vem em minha direção. Ouço balas zunindo perto da minha cabeça. Uma boa rodada de Call of Duty à moda antiga consegue fazer meu coração acelerar, mas é diferente aqui dentro não consigo escapar.

A emoção tem um preço. Depois de me desconectar e dizer a Luckey que sinto que estou “ondulando”, ele assente com a cabeça, solidário. O “ciberenjoo” é um fenômeno real causado pelo fato de que os ouvidos internos do usuário não sentem o movimento que os olhos estão percebendo. Cronin diz que consertar isso “continuará sendo um desafio por algum tempo”. Luckey admite que “a RV não está perfeita”. Apesar do feito dele, a Oculus e outras empresas de RV ainda estão trabalhando para melhorar a falta de sincronia entre os movimentos no dispositivo e o que os olhos veem – o que diminuirá a sensação estranha que fica depois de algum tempo usando o Oculus Rift. Além disso, de acordo com Luckey, quanto mais você usa, melhor se sente. “As pessoas que usam a RV com mais frequência se acostumam muito mais fácil”, afirma.

Então, o que está evitando que o Rift siga o mesmo caminho estrito do Google Glass? Uma possibilidade da qual ninguém quer falar: pornografia. Há um longo histórico de entretenimento adulto incentivando a demanda por nova tecnologia, e com a RV não é diferente. Pornógrafos, como todos os programadores de games, são livres para criar conteúdo para dispositivos de RV e, como Todd Glider – CEO da BaDoink, uma companhia de produção pornográfica para RV - comenta, a meta da indústria é a “telepresença real”, envolvendo o corpo inteiro. A BaDoink está trabalhando com a Kiiroo, uma desenvolvedora cujos vibradores e orifícios “teledildônicos” pulsam e bombeiam acompanhando a ação na tela. Eventualmente, poderemos fazer sexo virtual uns com os outros via bonecos, dispositivos e capacetes – e a indústria deve crescer para US$ 1 bilhão até 2020. “Sempre digo que o Luckey deveria nos pagar uma comissão por cada venda do Oculus”, zomba Glider.

Em março quando o Rift foi lançado, as resenhas foram mistas. O aparelho chegou ao mercado sem os controles wireless touch, que foram demonstrados pela primeira vez esta semana, durante a E3, em Los Angeles. Eles permitem manipular objetos, e uma “falta inesperada de componentes” atrasou a remessa de parte dos aparelhos até agosto. Em comparação, o HTC Vive vem com receptores wireless e também RV em “escala do ambiente”, que permite que você caminhe enquanto, digamos, desvia de zumbis. Mesmo assim, Luckey não dá atenção aos questionadores. “Não me interessa se as pessoas acreditam em usar o produto que temos neste exato momento”, afirma. “Não é esse o produto que bilhões de pessoas usarão [no futuro].” Em outras palavras, o Facebook tem a fortuna e o alcance para fazer a aposta de longo prazo em RV – o que pode deixar os concorrentes para trás.

Luckey diz que o máximo de tempo que passou no Rift foram “umas 16 horas”. Ele faz uma pausa. “Esclarecendo, parava para ir ao banheiro e comer.” Frank Steinicke, professor na Universidade de Hamburgo, passou 24 horas na RV do Oculus Rift para estudar seus efeitos. Além de ficar com os olhos ressecados e náusea, experimentou momentos em que tinha sensações físicas em resposta ao que aparecia no mundo virtual – por exemplo, tendo mais frio quando o sol virtual se pôs. “Devemos ficar preocupados com o que a RV pode fazer conosco e o que poderia causar ao cérebro. E, se usarmos por muito tempo, será que perderemos a capacidade de nos comunicar no mundo real?”

No entanto, cada tecnologia nova provoca ceticismo. Luckey pensa sobre onde preferiria morar. “Quanto mais tempo você passa na RV, mais cinza o mundo real fica”, declara. “Na RV, você não tem nenhuma regra. É um lugar bem legal para estar.”

Então, ele desejaria ficar ali para sempre? Luckey fica quieto, como se estivesse voltando para o futuro e me deixando desaparecer no mundo cinza. “Se a RV for indistinguível da vida real, sim, muito possivelmente”, responde.

A um passo de distância

Steven Spielberg levará “experiência cinemática fundamental” ao espectador

A realidade virtual pretende alterar nossa vida de forma impressionante. Em vez de assistir a Jurassic World no cinema, verá um dinossauro babando em cima de você. A Virtual Reality Company, um estúdio cinematográfico que tem Steven Spielberg em seu comitê de conselheiros, está criando o que o cofundador Guy Primus chama de “uma das primeiras grandes experiências cinemáticas fundamentais” para a RV. Ela será lançada com o novo filme de Spielberg, Jogador No. 1, baseado no romance homônimo de Ernie Cline, que descreve um mundo virtual chamado Oasis. Para o filme, Cline revela, “vão criar o Oasis de verdade como uma realidade virtual imersiva e em rede que existirá como uma coisa real. As pessoas sairão do cinema, irão para casa e o vivenciarão em óculos de realidade virtual”.