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Cria dos bailes funk, MC Tha assume protagonismo ao recriar o gênero com a Umbanda

Farol de suas composições, a religião se funde com o som dos bailes da MC e refresca a música brasileira

Nicolle Cabral Publicado em 17/07/2019, às 15h47

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MC Tha (Foto: Gabriel Renné)
MC Tha (Foto: Gabriel Renné)

Abram os caminhos, pede MC Tha, aos Orixás, com o interlúdio do seu primeiro disco, Rito de Passá. Na sequência, saúda as sete linhas da Umbanda, religião afro-brasileira da qual é devota, e nos entrega o seu primeiro projeto, que incorpora os ritmos do funk e a temática ancestral, como a celebração de sua natureza e sensibilidade.

Com dez faixas, MC Tha levanta os dois elementos que partem das mesmas necessidades humanas e dependem de uma externalização que vem do subconsciente: a música e a religião.

Mas como o som pode levar alguém sensível a criar música e fazer dela uma parte significativa da sua existência? E como a religião se insere neste cenário, com igual importância?

"A religião me dá muita segurança. Em um nível que eu consigo entender a minha natureza, quem eu sou, como eu sou e como ficar bem com isso", analisa MC Tha. "[A religião] me ajudou muito a ter segurança principalmente no meu trabalho com a música. Interfere muito no meu jeito de definir o que eu quero fazer".

Thais da Silva, de 26 anos, precisou entender o chamado feito pela música na sua vida - e na Umbanda - para se ver e se ouvir como MC Tha. Criada na Cidade Tiradentes, no extremo leste da cidade de São Paulo, a artista viveu sua infância dividida entre três casas (de sua mãe, pai e avó) e ao lado de seus dois irmãos.

Passava horas na casa da avó, Marina, enquanto entre os horários da escola e do trabalho da mãe. "Ela [avó] cantava o dia inteiro", relembra Thais, "e costurava panos de prato e tapetes para que a gente [Thais e os irmãos] saísse vendendo no bairro."

Antes mesmo de ser MC Tha, Thais se conectava com a música, principalmente a brasileira. "Minha mãe ouvia muito sertanejo. Colocava na rádio e deixava tocar. Já com o meu pai, eu ouvia muito forró e brega. Eu tinha um tio que também tocava sanfona e foi aí que consegui ter um contato maior com a música nordestina, como o baião. Eu cresci muito nesse universo [de música brasileira]", conta.

O começo: uma fita cassete e um microfone

MC Tha talvez não soubesse direito o que estava fazendo quando pegou um rádio de fita cassete do irmão mais velho e um microfone de karaokê e passou a cantarolar como uma artista grande quando não tinha mais ninguém em casa.

"Conhece rádio de fita?", ela me pergunta, interrompendo a narrativa. Com a resposta positiva, ela segue: "Quando todo mundo saía de casa, eu ficava cantando. E foi assim que eu acabei com a fita dele", ela ri.

Meio sem querer, ela gravou o que cantava. "Um dia ele achou essa fita e mostrou para todo mundo", ela conta. Seu irmão, Douglas, morreria três anos mais tarde, quando Thais tinha só 12 anos. "Ele dizia: 'Nossa, olha como a Thais canta bem?' E isso é doido porque ele foi a primeira pessoa que entendeu que eu cantava e que me despertou para isso."

"Você ainda tem essa fita?", pergunto. "Eu tenho uma fita guardada, mas não sei é essa. Mas eu tenho. Um dia vou levar em um lugar para descobrir o que está gravado."

Os bailes funk chegaram a São Paulo

A carreira musical de MC Tha começou, de fato, aos 15 anos, quando a onda dos bailes funk chegou a São Paulo, primeiro na Baixada Santista, depois na capital. Foi quando ela escreveu uma música e mostrou para um amigo que, na sequência, pediu para que ela gravasse a faixa e a partir daí, começou a cantar ao lado dos amigos nas festas em que eles organizavam.

“Lembro que não tinha nenhuma estrutura. Só um lava-rápido com um aparelho de som que a gente ia até lá e fazia uma festa. Em um parque de diversão também que ficava perto do meu bairro”, conta. “Lá tinha um palco e a gente conversava com o pessoal da organização e eles deixavam a gente cantar.”, acrescenta.

“Já cantei em quintal, em cima de caixote, porque era muito precário. Era o começo de tudo. Fiquei ali até os meus 17 anos cantando funk na periferia.”

Aproximação com a Umbanda

Hoje, a MC é um dos expoentes do funk no Brasil, dona de uma união criativa. Ela lidera um movimento de fusão do gênero com os atabaques e fortes representações de entidades religiosas.

Na capa do novo projeto, seu disco de estreia, Rito de Passá (lançado em junho deste ano), MC Tha é Iansã, Oxirá feminina, guerreira e dona dos movimentos. Representada pela cor vermelha em suas guias, Iansã rege o amor forte.

“Eu falo sobre emoções, sentimentos, coisas que passamos no dia-a-dia, sobre os Orixás em cada canto e unir tudo isso me fez pensar muito sobre ser esse o meu chamado”, conta.

Seu primeiro contato com a religião afro-brasileira veio durante os seus sonhos, na infância. “Comecei a sonhar com umas coisas que hoje entendo que são entidades, os orixás, que se apresentam na umbanda e no candomblé. Fui conhecer, pela primeira vez, um terreiro de umbanda aos 22 anos e acabei ficando.”

“E é doido porque depois que eu decidi falar com a minha família [sobre estar frequentando os terreiros], eles abriram o jogo para mim. Me disseram que minha avó desde muito nova tinha uma mediunidade aflorada e que a minha tia-avó, Lourdes, era mãe de santo. Foi uma coisa que eu nunca soube da minha família, mas sempre esteve ali, presente”, ela conta.

“Até o meu irmão chegou a frequentar. Antes dele morrer, ele apareceu em casa com uma guia e minha mãe ficou louca. Antes de mim, ele teve esse primeiro despertar para a religião. Talvez não tenha seguido porque foi interrompido”, acrescenta.

O umbandafunk

Nesta bela homenagem à ancestralidade, o canto de MC Tha refresca a faceta da música brasileira e populariza, com a sonoridade dos bailes, a afeição pela religiosidade de matriz africana.

“Muita gente chegou falando que é de outra religião mas que se identifica muito com o meu trabalho e muitos me agradecem por ter mostrado a umbanda", ela conta. "O tempo todo me mandam mensagens falando que foram conhecer um terreiro e que gostaram.”

“Quando lancei Rito de Passá [a faixa que integra o disco homônimo] foi lindo. Várias páginas de terreiro compartilharam, divulgaram. Vi contas no Instagram que falam sobre Umbanda e Candomblé me marcando. É tudo muito bonito.”

Além de dedicar tempo para a promissora carreira como MC, a artista quer estudar cada vez mais a religião. “Acho que vou precisar disso”.

Rito de Passá, assim como a cerimônia, celebra as fases de MC Tha. "No disco, tem música de todos os momentos da minha vida. Algumas foram criadas três, quatro, cinco anos atrás, porém, inéditas".

Antes do álbum, MC Tha lançou os sucessos “Olha Quem Chegou”, em 2014, “Bonde da Pantera”, em 2017, e “Valente” em 2018, além do feat com o Jaloo, em "Céu Azul".

Hoje, a MC amadurece o seu "umbandafunk", como apelidou, se insere na pluralidade da cena do gênero e entrega, com êxito, um projeto autoral que remete às suas origens, a ancestralidade e ao afeto. Na faixa “Comigo Ninguém Pode”, que encerra o disco, MC Tha compartilha a mensagem de sua mãe, Leda, que comemora dizendo: “Deu né, Thais? Eu não falei pra você? Vai na fé que dá certo. Vai com a minha fé. Se você não tem, vai com a minha fé.” E foi.

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