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Crise do Coronavírus: devemos dar razão aos discursos de Joaquin Phoenix?

Pandemia de COVID-19 levanta reflexões sobre a necessidade de mudanças no relacionamento com a natureza e animais

Larissa Catharine Oliveira Publicado em 14/05/2020, às 07h00

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Joaquin Phoenix no SAG Awards 2020 (foto: Chris Pizzello/ AP)
Joaquin Phoenix no SAG Awards 2020 (foto: Chris Pizzello/ AP)

Joaquin Phoenix chamou atenção do mundo inteiro durante o discurso no Oscar com as palavras diretas sobre a relação da humanidade com animais e o meio ambiente. Pouco mais de um mês depois, o coronavírus foi classificado como uma pandemia da Organização Mundial da Saúde, e se torna quase inevitável questionar se há uma verdade urgente nas palavras do porto-riquenho.

Chegou o momento de repensar os hábitos cotidianos, para além do distanciamento social temporário, e transformar o consumo e a relação “egocêntrica” com o mundo, como Phoenix sugeriu?

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O posicionamento do ator reflete um ideal adquirido ainda na infância. Phoenix parou de consumir animais aos três anos de idade, após presenciar peixes sendo mortos violentamente. Ao longo da carreira, acumulou campanhas de conscientização ao lado de ONGs dedicadas à defesa dos direitos animais, como PETA e Mercy for Animals, além de participar de documentários sobre o tema, como Terráqueos (2005).

Quando chegou ao palco do Oscar, para receber a estatueta de Melhor Ator pelo trabalho em Coringa, sucesso estrondoso com bilheteria superior a US$ 1 bilhão, o currículo do já contava com vitórias no Globo de Ouro, Critics 'Choice Awards e SAG Awards.

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Antes crítico da temporada de premiações do cinema, Phoenix se dedicou não apenas a comparecer em cada tapete vermelho, como também convenceu a organizações dos principais eventos a oferecer um cardápio completamente isento de carnes, ovos ou laticínios.

“Acho que nos tornamos muito desconectados do mundo natural e muitos de nós, somos culpados de uma visão de mundo egocêntrica (...). Nós vamos à natureza e a saqueamos por recursos”, iniciou o discurso.

Desde o surgimento da pandemia, pessoas nas redes sociais falam sobre “a vingança” do planeta contra os desmandos da humanidade. Mas, ao refletir sobre a questão levantada por Phoenix, a situação atual parece ser apenas a consequência inevitável do modo de funcionamento da sociedade.

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A organização Million Dollar Vegan, conhecida por desafiar o Papa Francisco a adotar o veganismo em troca de uma doação milionária para instituições de caridade, lançou a campanha “Tire as Pandemias do Cardápio”. Segundo Peter Singer, professor de bioética na Universidade de Princeton e apoiador da campanha, a devastação ambiental facilita o contato de humanos e animais selvagens, e vírus desses animais podem “pular” para nossa espécie. A origem da infecção humana com COVID-19 ainda é incerta, porém, cientistas confirmam que se trata de uma zoonose, ou seja, uma doença vinda de animais. Apenas no Brasil, em 2016, 80% do desmatamento estava associado à criação animal, segundo dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura.

Quando Joaquin comentou as práticas com vacas leiteiras, levantou a questão sobre o sistema de criação animal em escala industrial. Para além das questões de bem-estar animal, existe a preocupação com as consequências do confinamento intensivo padrão de milhões de animais. Dr. Michael Greger, autor do livro "Bird Flu: A Virus of Our Own Hatching"  (2006), sobre a gripe aviária, descreve o modelo como “uma incubadora de doenças”.

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Além do desmatamento, os médicos e estudiosos apoiadores da campanha defendem que a indústria oferece ambiente ideal para proliferação de vírus em animais, e inevitavelmente essas doenças chegarão aos humanos. Em 2009, a pandemia de H1N1 ficou conhecida como “gripe suína”, pois o vírus surgiu, inicialmente, em porcos criados para consumo humano.

No livro, Greger previu o surgimento de uma pandemia zoonótica, como o próprio coronavírus, com base nos estudos sobre a gripe aviária, transmitida aos seres humanos por galinhas confinadas para abate. “De certo modo, pandemias não surgem - são feitas [pelos hábitos humanos]”, escreveu. “Com sorte, pelo bem da humanidade, a direção da história mundial nos afastará da criação de bilhões de aves em confinamento intensivo. Tragicamente, provavelmente será necessário uma pandemia com um vírus como H5N1 antes que o mundo perceba o custo do frango barato”.

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“Acho que tememos a ideia de mudança pessoal porque pensamos que temos que sacrificar algo, desistir de algo. Mas, em nosso melhor, os seres humanos são inventivos, criativos e engenhosos, e acho que, quando usamos o amor e a compaixão como princípios orientadores, podemos criar, desenvolver e implementar sistemas de mudança que são benéficos para todos os seres sencientes e o meio ambiente.”

A segurança da alimentação vegetariana estrita, dieta dos veganos, já é reconhecida por especialistas. Em nota, a Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (SBAN),  afirma que “a alimentação vegetariana ou vegana pode ser empregada em qualquer idade e condição”, e recomenda o acompanhamento nutricional, para observar os níveis de vitamina B12, ferro e proteínas, por exemplo. O auxílio profissional indicará a “combinação de alimentos e quantidades ideais” para cada pessoa.

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De fato, relacionar o consumo de alimentos de origem animal ao coronavírus é assustador, e a ideia da necessidade de mudança também. Com a quarentena, porém, a rotina de milhões de pessoas ao redor do mundo está afetada, além das perdas irreparáveis de pessoas. Mudanças parecem inevitáveis para que a humanidade siga - e aprenda uma lição - após o coronavírus.

Em artigo publicado, em abril, ao Washington Post, de autoria de Phoenix e Rooney Mara, a mensagem do Oscar é atualizada para os tempos de pandemia. “Conforme esse desastre continua a devastar a sociedade, devemos examinar nosso papel no surgimento do coronavírus e nossa vulnerabilidade a um número crescente de doenças como resultado de nossas imposições ao reino animal e ao meio ambiente”.


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