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Disco póstumo de Mac Miller, Circles é o lembrete gentil de uma mente caótica e criativa [ANÁLISE]

Finalizado pelo produtor Jon Brion, o álbum soa como um epílogo adequado da carreira do multi-instrumentista

Nicolle Cabral Publicado em 29/01/2020, às 12h45

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Mac Miller na capa de Circles, disco póstumo lançado em 17 de janeiro de 2020 (Foto: Divulgação / Warner)
Mac Miller na capa de Circles, disco póstumo lançado em 17 de janeiro de 2020 (Foto: Divulgação / Warner)

"Todo mundo tem que viver, todo mundo vai morrer. Todo mundo só quer se divertir", canta Mac Miller com uma voz calma, rouca e acompanhada por um instrumental mínimo de piano que cresce ao final do verso com um baixo marcado, backing vocals e bateria.

Intitulada de "Everybody", a faixa que integra o disco póstumo, Circles, lançado no dia 17 de janeiro de 2020, é um cover inspirado no single de Arthur Lee, "Everybody's Gotta Live", de 1972. Como um lembrete gentil, o rapper interpreta a canção que sinaliza a dicotomia presente no sexto álbum de estúdio finalizado pelo produtor e compositor Jon Brion.

No registro, essas duas forças antagonicas são perseguidas da forma mais bonita e triste possível. De um lado, as guitarras, o baixo, synths e arranjos de teclado revelam a atmosfera mais serena do projeto. Do outro, o monológo de Miller embriagado por questões existenciais como em "Circles": "Eu não consigo mudar. Confie em mim, eu já tentei", ou em "Good News": "Há muito mais me esperando do outro lado, estou sempre me perguntando se parece com o verão", que soa como um sombrio adeus.  

Circles surge quase dois anos depois morte prematura por overdose acidental do rapper como um complemento do trabalho anterior Swimming, lançado em 2018.

Na época, Swimming evidenciou ainda mais a autodescoberta do rapper (que se sentiu mais confortável na própria pele a cada novo lançamento) e o aproximou da nata do jazz e do funk underground de Los Angeles, como Thundercat, Flying Lotus e The Internet. Além de ganhar a admiração (e amizade) de ilustres nomes do rap como Earl Sweatshirt, J. Cole, Tyler The Creator e Jay-Z

Conceitualmente, os dois projetos se cruzam como um retrato profundamente agridoce de Miller tentando lidar com a depressão e o uso de drogas como "escapismo". 

Em "Come Back to Earth", de Swimming, por exemplo, ele lamenta e se mostra incapaz de fugir da própria cabeça, mas, de alguma forma, encontra uma maneira confortável de manter-se dentro de si - mesmo que o único desejo seja não estar mais ali. Enquanto em Circles existe uma redenção que ajuda a finalizar a inquietude da mente de Miller (e a nossa, ao ouvir o disco). "Algumas pessoas dizem que querer viver para sempre, isso é muito tempo. Eu só quero conseguir sobreviver ao dia", canta na faixa homônima. 

"Blue World", que faz o uso do sample de "It's a Blue World" do quarteto The FourFreshmen, ilustra a surpreendente clareza e profundidade emocional de Miller: "O mundo triste é sem você, é um mundo triste estar sozinho". Na sequência, ele dispara: "esse mundo me deixa louco", mas nos versos seguintes enfatiza: "fod*-se essas besteiras, eu estou aqui para fazer tudo melhor". 

O desespero e a esperança caminham juntos para Miller, mas Circles nos deixa com um brilho maior nos olhos. O álbum liberado por Biron com a benção da família do rapper soa como epílogo adequado - e um genuíno registro de uma mente que buscava quebrar os ciclos e padrões ruins para seguir um novo caminho.