Rolling Stone
Busca
Facebook Rolling StoneTwitter Rolling StoneInstagram Rolling StoneSpotify Rolling StoneYoutube Rolling StoneTiktok Rolling Stone

As doces contradições de Jarvis Cocker

Adorável e cafajeste, vocalista comanda o Pulp em show empolgante em São Paulo

Pedro Antunes Publicado em 29/11/2012, às 02h46 - Atualizado em 30/11/2012, às 14h34

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
Pulp em São Paulo - Stephan Solon/XYZ Live/Divulgação
Pulp em São Paulo - Stephan Solon/XYZ Live/Divulgação

Sacana e nerd, tímido e estranhamente um excelente dançarino. Jarvis Cocker trouxe toda as suas (boas) contradições para a apresentação do Pulp em São Paulo, no Via Funchal, na noite desta igualmente controversa quarta-feira de muito calor e uma assustadora pancada de chuva no meio da tarde.

Assim como Pulp, relembre de outras bandas que se foram, mas voltaram.

A casa localizada na zona sul da cidade estava longe da lotação máxima. O que poderia ser ruim deu um ar intimista à apresentação do grupo inglês e facilitou a movimentação dos presentes – verdadeiros fãs da banda que cantaram com empolgação cada uma das 20 canções apresentadas nas duas horas de show.

Estreante em solo brasileiro, Jarvis se mostrou um excelente anfitrião, arriscou frases inteiras em português e comandou o público com habilidade de poucos. Não por acaso, ele foi eleito a segunda pessoa mais cool da música em 2011 pelo semanário inglês NME - perdeu apenas para Azealia Banks, numa escolha que se mostrou para lá de duvidosa após a apresentação do Pulp e da rapper, no festival Planeta Terra, em outubro deste ano.

De roupas justas em seu corpo magrelo, um terno escuro e gravata fina, óculos grossos e cabelos despenteados, Jarvis foge de qualquer padrão de frontman tradicional. E, por isso, a empatia se estabeleceu rapidamente entre ele e o sedento público brasileiro. Uma conexão que não poderia ser melhor. Ainda mesmo antes do show começar, frases foram projetadas em um toldo preto que cobria o palco: “como vocês estão?”, “nos encontramos no bar”, “vocês se lembram da primeira vez?”. Com esta última, veio a indicação de como o show seria iniciado.

Ainda com o toldo, o quinteto de Sheffield subiu ao palco do Via Funchal. A voz grave, até soturna de Jarvis encobriu os gritinhos do público com “Do You Remember The First Time?”, canção-chave do repertório do grupo, com 18 anos de idade. A música pode ter atingido a maioridade, mas, com o próprio nome diz, foi executada pela primeira vez com a excelência dos anos 90, como se fosse a primeira vez – de fato, por aqui, foi mesmo.

O Pulp cresceu aos poucos no cenário da música britânica. Enquanto Blur e Oasis disputaram single a single, disco a disco, qual era a maior banda do mundo, Jarvis e companhia chegaram de mansinho, pelas beiradas, e garantiram seu espaço entre os grandes nomes da cena de britpop. Em 1996, por exemplo, ganharam o prestigioso prêmio inglês Mercury Awards, com o clássico álbum Different Class.

Nove das 20 músicas do show foram sacadas deste disco, seguido por cinco de His ‘N’Hers, seu antecessor de 1994, e quatro de This is Hardcore, o sucessor, de 1998. Quase todo o repertório do show foi retirado dessa bem-sucedida tríade. Os três primeiros discos, It (1983),Freaks (1987) e Separations (1992), ficaram fora da seleção de músicas – a banda preferiu dar espaço aos grandes hits. Uma decisão que se mostrou acertada, como uma coleção de greatest hits ao vivo, e condizente com o caráter comemorativo da turnê de reunião do grupo afastado desde 2003.

De frente para um público sedento pela primeira apresentação do grupo, Jarvis lia frases prontas e divertidas em português, embaralhando-se adoravelmente com a pronúncia de certas palavras. “You’re massa. You’re show de bola”, disse ele, no começo da apresentação. Ele disse não entender o motivo da banda ter demorado tanto tempo para vir ao país, mas evitou esbarrar na demagogia habitual das bandas que passam por aqui.

Imoral e um tanto cafajeste em seus versos, Jarvis canta devaneios e frustrações sexuais. É acompanhado por uma sonoridade dançante e rebolativa. Ali, a guitarra fica em um segundo plano, enquanto teclado, baixo e bateriam ganham espaço e ditam o ritmo do requebrado do vocalista.

A série músicas seguiu uma crescente. A segunda executada foi “Pink Glove” (ou “luva rosa”, como traduziu Jarvis), seguida por “Underwear”, quando o vocalista pede cafajestemente para ver a lingerie das moças presentes, “A Little Soul” e, então, chegou o primeiro apogeu da noite, com “Disco 2000”.

As batidas perdem a velocidade com “Sorted For Es’ & Wizz”, “F.E.E.L.I.N.G.C.A.L.L.E.D.LO.V.E.”, Acrylic Afternoons”, “Like a Friend” e a celebrada “Babies”, anunciada por Jarvis como uma “aula de sexo”. O grupo transforma o Via Funchal em uma pista de dança, “Party Hard”, cuja noite termina em um motel com “This is Hardcore”, quando as luzes do palco se tornam vermelhas e quentes e Jarvis geme e sussurra.

A catarse chega com “Common People”. “Acho que é a música com a qual somos mais conhecidos”, diz o vocalista. “Ela foi lançada há 17 anos”, completou. A história surreal de uma moça riquíssima que decide viver como uma cidadã comum na Inglaterra – e dormir com Jarvis – é cantada a pleno pulmões da parte dele e a retribuição da plateia foi aquela gostosa loucura de pessoas pulando, cantando e gritando.

O grupo se despede, mas ainda faltava um quarto de show pela frente, dividido em duas entradas da banda. Na primeira leva, vieram “U.O. (Gone, Gone)”, seguida pelas brilhantes “Razzmatazz”, “Live Bed Show” e “Mis-shapes”. O segundo retorno, mais breve, teve apenas “Something Changed”. A doce balada temperada pelo som do violão marcou a despedida do grupo. “Stop asking questions that don’t matter anyway / Just give us a kiss to celebrate here today / Something changed”, canta Jarvis na música. O sacana e até pervertido dou lugar ao sujeito com coração rachado por dúvidas. O show termina como deveria ser: com mais uma saborosa e inesperada contradição.