Rolling Stone
Busca
Facebook Rolling StoneTwitter Rolling StoneInstagram Rolling StoneSpotify Rolling StoneYoutube Rolling StoneTiktok Rolling Stone

As dores e as glórias de Cazuza, cuja poesia transcende a passagem do tempo 25 anos depois de sua morte

O músico cantou as decepções do amor, a liberdade e a boemia com uma verve poética que continua transcendendo atual

Mauro Ferreira Publicado em 10/06/2015, às 17h17 - Atualizado às 17h57

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
O cantor foi um dos primeiros artistas a enfrentar a doença sem máscaras - Acervo pessoal/Sociedade Viva Cazuza
O cantor foi um dos primeiros artistas a enfrentar a doença sem máscaras - Acervo pessoal/Sociedade Viva Cazuza

Há pouco tempo, Maria Lúcia da Silva Araújo, de 78 anos, se surpreendeu quando caminhava tranquilamente pelas ruas de Lisboa: por diversas vezes, ela foi parada por desconhecidos na capital de Portugal. A abordagem pouco variava. “A senhora não é a mãe do Cazuza?”, perguntavam. Sim, Lucinha Araújo é a mãe do carioca Agenor de Miranda Araújo Neto, o Cazuza, um dos mais relevantes cantores e compositores da geração pop projetada no Brasil ao longo dos anos 1980. Em intensos nove anos de carreira, Cazuza deixou uma obra duradoura, tendo até escapado das fronteiras do país, como atesta o registro em espanhol de “O Tempo Não Para”, feito em 1992 pelo grupo argentino Bersuit Vergarabat.

"Logo vi que ali dentro a homossexualidade não era um tabu", diz Ney Matogrosso sobre período na Aeronáutica.

Cazuza morreu há 25 anos, em 7 de julho de 1990, mas foi dono de um cancioneiro contundente que continua, desde então, dando sinais de grande vitalidade – ainda este ano será lançado um disco com músicas inéditas dele, finalizadas por nomes como Caetano Veloso e Seu Jorge. Paralelamente ao CD, também está a caminho uma edição revista, atualizada e ampliada do livro Preciso Dizer Que Te Amo (2001), com reproduções e histórias sobre as letras de Cazuza.

RS Brasil - Edição 87: Ney Matogrosso, um homem sexual.

Morto após uma árdua luta contra os males causados pelo vírus da aids, Cazuza vive na memória da música brasileira entre lendas sobre seu temperamento passional. Mas o que lhe garante a posteridade é a obra que transcendeu o universo do rock ao se aproximar da MPB com uma poesia sempre cortante no fio da navalha. Uma obra pautada por um desespero paradoxalmente esperançoso – como definiu certa vez Caetano Veloso – e que cruzava referências de Janis Joplin a Lupicínio Rodrigues, deixando por vezes a impressão de que Cazuza era uma espécie de versão tropical do poeta francês Arthur Rimbaud. Agenor – nome que o artista somente assumiu pra valer quando descobriu que seu ídolo Cartola tinha sido batizado como Angenor – viveu sua temporada no inferno, mas alcançou o olimpo reservado apenas aos deuses da música.

Com o disco O Passo do Lui, lançado há 30 anos, o Paralamas do Sucesso iniciou uma trajetória destinada ao estrelato. Sem tempo para nostalgia, eles celebram a carreira de olho no futuro.

O poeta está vivo na mente do vendedor da loja de discos de Lisboa que cantou para Lucinha Araújo “Exagerado”, música-emblema por sintetizar a intensidade com que Cazuza viveu seus breves 32 anos. Ciente do poder perene dessa obra, uma empresa de telefonia comprou os direitos de “Exagerado” para usar a música este ano em uma campanha nacional veiculada no Dia dos Namorados. Música, aliás, que ganha nova versão, com Cazuza unido a outros músicos, em edição que vai ser colocada à venda nas plataformas digitais.

Voz nacional cultuada no exterior, Bebel Gilberto quer enfim conquistar o Brasil.

“A obra do Cazuza continua tão forte quanto era nos anos 1980”, avalia Ney Matogrosso, que foi namorado, intérprete e confidente de Cazuza. “Ele nos toca até hoje, porque o que disse ali ainda significa muito. O que falou em ‘O Tempo Não Para’, em 1989, serve para hoje, porque o Brasil não muda. Os princípios tortos do país continuam aí.”

Com 30 anos de estrada, Barão Vermelho relança o primeiro disco e sai em turnê especial para celebrar a data.

Lucinha Araújo foi uma mãe feliz na convivência passional com seu filho único, e hoje cuida com afinco do legado dele. “Renato Russo que me perdoe, mas Cazuza é o artista mais importante da geração dele. Renato era genial, como Cazuza, mas era geneticamente triste. Cazuza era geneticamente alegre”, compara. Ela imaginava que Cazuza seria ator, mas o descobriu cantor quando o viu soltar a voz em “Odara” (Caetano Veloso) e “Edelweiss” (Richard Rodgers e Oscar Hammerstein II) em uma montagem transgressora e juvenil do musical A Noviça Rebelde. E o cantor de língua presa, admitido em 1981 como vocalista do então nascente grupo carioca Barão Vermelho, se revelou um compositor de versos pungentes, construindo com seu principal parceiro, Roberto Frejat, uma obra que os elevou à condição de Mick Jagger e Keith Richards do universo pop brasileiro.

Rolling Stones falam sobre os novos shows e o relançamento do clássico álbum Sticky Fingers.

Frejat se apressa em dar o veredicto sobre a parceria dele com Cazuza. “Nosso trabalho conseguiu manter a relevância. As sugestões que a gente deu naquela época ainda estão valendo. A gente está ali, no primeiro escalão”, afirma, sem receio de soar pedante. “Como poeta, o Cazuza construiu um universo de rebeldia, transgressão. Ele misturou informações brasileiras e internacionais com estilo particular, único. Nossa afinidade se constituiu de forma meteórica. Essas coisas são carmáticas. Em nove anos, construí com ele uma amizade que eu tinha somente com meus melhores amigos de infância.”