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Em muitas palavras

Poesia "popular" de Manoel de Barros em Só Dez Por Cento É Mentira arranca aplausos em Paulínia

Anna Virginia Balloussier, de Paulínia Publicado em 16/07/2009, às 02h33

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Três historinhas breves dão uma boa ideia sobre quem é o personagem-tema de Só Dez Por Cento É Mentira - e principalmente por que o documentário feito em sua homenagem arrancou tantos aplausos do público de Paulínia, na noite de terça, 14 (mais decibéis, só para Mamonas, o Doc, com apelo popular bem mais óbvio).

Pedro Cezar, "o fã nº 1 do cara", preparava um filme sobre Manoel de Barros. O problema é que o poeta cuiabano bateu o pé: não queria de jeito algum dar entrevista. Cezar insistiu, mas a negativa permanecia. Cezar decidiu, então, jogar a toalha. "Deixa pra lá, Manoel, era só um sonho." Pronto. A declaração soou quase como chantagem emocional aos ouvidos do autor, hoje com 92 anos. Com sonho não se brinca. Pode entrar, Pedrinho. Pode entrar.

A próxima história foi contada pelo diretor na entrevista coletiva de imprensa, realizada nesta quarta, 15. Ele conta o seguinte: "Éramos eu, Manoel, a mulher dele e a filha. Na época, estavam lançando aquelas coletâneas, '100 maiores poetas', '100 maiores poemas...'. Ele aparecia em uma, mas não em outra". Pior mesmo foi que, para justificar a ausência do nome numa das seleções, um jornalista escreveu: "Manoel de Barros, poeta menor, ficou de fora". E daí que Stella, esposa do poeta, ficou uma arara e quis cobrar satisfação. Barros pedia que "ela deixasse pra lá". Cezar, embaraçado com a situação, ficou na dele. Até que o artista deu o assunto por encerrado. "As pessoas deste jornal vivem dizendo que eu sou o maior poeta do país. Acho uma baita injustiça, mas nunca liguei pra reclamar. Vou ligar agora?", Cezar reproduziu o diálogo. "Foi aí que tive certeza de estar diante de um gênio."

A terceira anedota esclarece o nada esclarecedor título do doc. Logo na primeira cena, fala-se sobre o invento da fotografia como triunfo da verdade. Afinal de contas, a realidade, que por séculos penou na mão dos pintores, não poderia mais ser manipulada - você tem aquilo que o fotógrafo registrou e ponto final. Até que vemos uma fotografia dos supostos pai e mãe do poeta. Logo em seguida, o espectador descobre que nada é o que parece: o que a foto não conseguiu capturar é o truque do patriarca baixinho, que subiu num banco para ficar mais alto que a mulher. Recado dado: o que Manoel de Barros diz ao seu entrevistador é "10% de mentira". O resto? "É invenção."

Há certa descrença na força da poesia entre o "povão". Se a literatura já é o patinho feio das artes, no quesito popularidade, a poesia seria o "garoto gordinho", sempre escolhido por último nas aulas de educação física, no colégio dos patinhos feios. O doc de Cezar, talvez por evitar teorizar demais a obra do cuiabano, rejeita essa posição. E com razão: a plateia reagia empolgadamente à mera aparição das frases do autor sob fundo preto. Literatura! Popular! Ora, essa.

Há quem diminua. A escrita de Barros, por exemplo, já foi comparada a "para-choques de caminhão da poesia" - tudo por conta de frases redondinhas, que conseguem ser poéticas sem descambar para a complexidade rocambolesca (exemplo: "ontem choveu no futuro"). "Também já escutei que ele seria um Guimarães Rosa dissolvido", reconheceu Cezar. Mas o cineasta não leva esse tipo de crítica a sério. "Acho ótimo que ele seja popular e acessível. Hoje em dia, o que você conclui? Nem dieta! Em compensação, um livro do Manoel você vai ler inteiro."

Pois o filme tenta ser tão acessível quanto Manoel (que, no final das contas, "não tira nem R$ 3 mil por mês com seus 20 livros", calculou Cezar). Para isso, foram 11 cortes até que se chegasse ao resultado final. Isso porque o diretor decidiu eliminar vários depoimentos, como o da atriz Cássia Kiss, para privilegiar a imagem.

Assim, o filme se lança a certas aventuras estéticas, nem sempre da forma poética como gostaria (às vezes, fica apenas pastiche), para transformar a sopa de letrinhas em poesia visual - Barros, aliás, também desenha (rabiscos bem semelhantes ao da pupila, ainda que involuntariamente, Mallu Magalhães). A justificativa? Uma máxima do ídolo, para quem "imagens são palavras que nos faltam".