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Festivália 2018: Emicida e Carne Doce tocam na reunião dos maiores festivais independentes do Brasil, no RJ

O encontro aconteceu no último fim de semana, o encerramento do Rio Creative Conference

Igor Brunaldi, do Rio de Janeiro Publicado em 09/04/2018, às 17h50 - Atualizado às 19h18

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O rapper Emicida foi o escolhido para representar o Mimo Festival no Festivália - Divulgação/Rio2C
O rapper Emicida foi o escolhido para representar o Mimo Festival no Festivália - Divulgação/Rio2C

O espaço Cidade das Artes, no Rio de Janeiro, recebeu entre os dias 3 e 8 de abril, o evento Rio Creative Conference (Rio2C). Os primeiros quatro dias foram repletos de conferências, mesas de conversa, palestras, rodadas de negócio, pitchings de shows, audiovisual e exposições focadas em inovação e criatividade. Os convidados que comandaram tudo isso foram youtubers, atores, diretores e muitos criadores de conteúdo no geral.

Já que o propósito foi o de exaltar criatividade e a arte da criação, não podia faltar a participação de músicos. E foi durante o fim de semana (sábado, 7 e domingo, 8) que o evento literalmente deu o palco para esta categoria artística, organizando aquilo que chamaram de Festivália: dois dias de música nos quais diversos festivais de várias partes do Brasil escolheram artistas para representá-los em território carioca. O público, enquanto esperava horas para conseguir interagir com as diversas experiências de realidade virtual espalhadas pelo local, podia assistir aos shows que rolavam em uma estrutura montada à frente de um gramado. O espaço ardeu com o sol da tarde, mas também recebeu o frescor de uma brisa ao cair da noite. O ingresso estava à venda pelo valor de R$ 100 (com possibilidade de meia-entrada).

Quem estreou o Festivália, inaugurando o único palco do evento, foi a banda potiguar Plutão Já Foi Planeta, escolhida pelo tradicional Festival DoSol, que acontece anualmente em Natal. No começo do show, o quinteto, uma das atrações nacionais do Lollapalooza 2018, tocou debaixo de um sol escaldante para um público composto por pouquíssimas pessoas espalhadas pelo gramado: os mais fanáticos ignoraram (ou ao menos tentaram) o calor e ficaram perto do palco, enquanto outros buscaram uma sombra agradável. Ao fim da apresentação, o gramado já estava mais ocupado, o que rendeu uma salva de palmas enquanto a banda saía de cena.

Com o clima já mais ameno, foi a vez do Festival de Inverno de Garanhuns (FIG) apresentar sua atração: 11 músicos do coletivo A Nova Cena Pernambucana, encabeçado pelo compositor Juliano Holanda. A sonoridade criativa fez o público, cada vez maior, observar impressionado um show diverso e cativante. Com a formação instrumental fixa (guitarra, baixo, bateria, flauta transversal e teclado), sete vocalistas (três homens e quatro mulheres) revezaram o microfone entre as músicas, cada uma escrita por um deles. A apresentação, delicada e catártica, teve muito fôlego, figurinos brilhantes, letras saudosistas e também atuais, solos de flauta e teclado, este acompanhado por uma performance de dança, e um final com o levantamento de placas que diziam “Lula livre” e “Marielle presente”.

A penúltima banda do primeiro dia de shows foi o Francisco, El Hombre, no evento representando o festival Psicodália (SC). Com a mistura de diversas vertentes da sonoridade latina, o grupo exibiu e esbanjou a energia que lhe é característica, independente de tamanho, estrutura e público. O setlist contou com faixas do álbum de estreia, Soltasbruxa (2016), que já viraram hinos entre os fãs, entre elas “Bolso Nada”, “Calor da Rua” e “Tá Com Dólar, Tá Com Deus”, além da emocionante e sincera “Triste, Louca ou Má”, que evocou um coro de vozes femininas.

Para fechar a noite do sábado, o Mimo Festival levou ao palco o rapper Emicida. A banda completa (incluindo guitarra, percussão, DJ e baixo) tocou se divertindo e com uma naturalidade que parecia dispensar maiores esforços. Confortável com o microfone na mão e na frente do público – que finalmente havia atingido o ápice do dia –, Emicida interagiu com a plateia em todos os momentos que conseguiu, causando reflexão e provocando risadas, ensinando coreografia e se posicionando contra a intolerância e o radicalismo ideológico conservador e racista. O repertório percorreu os clássicos da discografia do rapper, passando pela recém-lançada “Pantera Negra” até as mais antigas “Ubuntu Fristaili”, “A Rua É Nóis”, “Hoje Cedo” e “Levanta e Anda”, além de uma releitura sem pressa de “Marinheiro Só”, de Clementina de Jesus.

No domingo, último dia de Festivália e de Rio2C, quem abriu o palco foi a parceria entre o músico Lucas Estrela e o duo eletrônico Strobo, representantes do festival Se Rasgum (PA). Eles foram responsáveis por aumentar a “fritação” do público – para além daquela causada pelo sol carioca. Com batidas techno, sintetizadores no talo e guitarras rasgadas e espaciais, a colaboração com certeza fez dançar e suar aqueles que se dispuseram a comparecer no horário.

É impossível não enxergar a ascensão da banda goiana Carne Doce nos último anos, e o Festival Bananada não poderia ter escolhido ninguém melhor para representar a cena musical independente da região. O grupo, que foi a segunda atração do domingo, é encabeçado pelo casal Salma Jô (vocal) e Macloys Aquino (guitarra), e planeja lançar o terceiro álbum (sucessor de Princesa, de 2016) este ano. Em entrevista exclusiva à Rolling Stone Brasil, a vocalista contou um pouco sobre o próximo trabalho, a relação da banda com a internet, se manter independente e feminismo. “Divulgar música na internet é complicado, é um meio cheio de informação, e muitas vezes essas informações são muito mais interessantes do que aquilo que você tem para oferecer, ou mais imediatas, mais importantes”, ela diz com um sorriso, antes de comentar que, em uma época na qual o lançamento de um disco é precedido por diversos singles, bandas totalmente independentes, como o Carne Doce, acabam sofrendo um pouco mais. “Ficar lançando muito single demanda muito mais divulgação, exige muito mais estratégia, e é difícil para nós, por exemplo, que somos uma banda independente. Nós mesmos fazemos todo o trabalho, o Mac é o assessor de imprensa, eu e ele somos os produtores, e eu também tenho que pensar na logística dos shows. Por isso a gente ainda segue a lógica do álbum. Nunca nos interessamos por selo para lançar o disco. Acreditamos que enquanto a gente estiver gerenciando tudo, é possível gerir e capitalizar melhor as coisas.”

As angústias se fazem presentes quando o próximo lançamento é mencionado. Salma conta que “o Carne Doce nunca teve um grande salto, nosso crescimento está em um ritmo legal, apesar de eu achar que estamos em um momento crítico: ou a gente precisa crescer mais ou manter o que a gente tem, e isso vem com o terceiro álbum. Rola uma responsabilidade de manter o nosso público e manter o status, mas parece que as pessoas ficam só esperando resultados. Qualquer queda já gera nas pessoas o sentimento de derrota. Nenhuma trajetória é feita apenas de subidas.”

Formada em direito, e uma artista que canta sobre as necessidades e os perigos do feminismo, Salma explica que, por se posicionar do lado liberal da ideologia, já teve conflito com várias mulheres. “O que mais me intriga nesse momento é o fato de que nós, mulheres, estamos reivindicando por mais poder, mais igualdade, e esse poder pode trazer uma série de possibilidades de ação, inclusive corrupção e tirania. Isso não é privilégio dos homens, isso tá no exercício do poder. Eu tento questionar e investigar. Fico muito atenta a tudo isso, à forma como eu atuo na minha posição de artista, da forma como posso influenciar ou não as meninas que me escutam.”

Penúltima atração do último dia, Tulipa Ruiz se apresentou com As Bahias e a Cozinha Mineira, escaladas pelo Festival Faro (RJ) e, para encerrar essa reunião, o Festival No Ar Coquetel Molotov (PE) levou ao palco a rapper curitibana Karol Conká.

Em meio a realidades virtuais, a música se mostra um habitat orgânico no qual muitas pessoas ainda preferem residir.