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Eternos baianos

O sonho dos Novos Baianos acabou? Antes de se apresentar com Pepeu Gomes pela primeira vez em 12 anos, Moraes Moreira explica à Rolling Stone Brasil por que não se vê dividindo palco com os velhos companheiros tão cedo

Por Anna Virginia Balloussier Publicado em 27/07/2009, às 10h47

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Moraes Moreira tem um pedido a fazer. "Não entendo por que esperam esta volta convencional [do grupo]. Até porque não acho que tenha que voltar. Anota esta frase aí: passaram-se vários anos e o sonho dos Novos Baianos ainda não acabou."

É assim, como uma machadada na esperança de todos aqueles que apostavam fichas no retorno do grupo seminal de tantos sons que hoje ouvimos por aí, que o nativo de Ituaçu, interior da Bahia, descarta uma reunião com Baby, Pepeu, Boca e Galvão.

"Não vou dizer nunca", relativiza. Mas também não vai dizer amanhã. Nem depois de amanhã. Para falar sobre o assunto, Moreira faz o tipo de quem pisa sobre ovos com coturno. A seu ver, a matemática é simples: "São 40 álbuns na carreira, mas só uns cinco, seis com os Novos Baianos". O problema é que, naquele dia em particular, tudo conspirava a favor do saudosismo.

Estamos no Circo Voador, pico musical da Lapa carioca, sábado, 25, e em poucas horas Moraes subirá ao palco acompanhado por Pepeu Gomes, convidado especial e "o irmão" a quem passou "a semana toda fazendo declarações de amor". Há 12 anos que os dois não dividiam o mesmo palco. Nem mesmo na Virada Cultural paulistana deste ano, quando os não tão mais novos baianos se reuniram para celebrar 40 anos de carreira - Moreira não deu as caras, alegando ter show marcado em Fortaleza na mesma data. A apresentação do sábado, por exemplo, serviu para divulgar A História dos Novos Baianos e Outros Versos, DVD que o baiano pródigo fez "para contar minha versão" da trajetória da banda.

Esnobou? Encheu? Cuspiu no prato? Balançou as madeixas cacheadas e foi comprar cigarros para nunca mais voltar? Nem sempre compreensivos, os fãs vêm tentando achar explicações para a recusa do músico - que abraçou a carreira solo em 1975 e esteve com os velhos companheiros pela última vez em 1997, para o álbum Infinito Circular - em repetir a parceria que lançou um dos poucos grupos com capítulo próprio na história da MPB.

Mas o problema, talvez, seja justamente este: esperar a tal "volta convencional" dos Novos Baianos. Porque não há nada de convencional nos amigos que, em 1972, deram à música brasileira Acabou Chorare, eleito por 60 especialistas convocados pela Rolling Stone Brasil, há dois anos, como o disco nacional mais importante de todos os tempos. E não é só Moreira que manda a convenção às favas. "Não tem essa coisa de voltar ou não. Novos Baianos não é banda, é estado de espírito", Pepeu leva a discussão a outro, digamos, plano de existência. "Se o Cosmos permitir, a gente está aí de novo."

É claro que ajudaria e muito se uma graninha caísse do céu, para continuar nos termos cósmicos do guitarrista. "Hoje o mundo é movido a dinheiro. Se pintar um belo patrocinador, não vejo por que não pararmos a carreira solo, que é o que nos sustenta."

A reportagem da RS Brasil acompanhou a passagem de som da apresentação, que em breve atrairia à pista um liquidificador de gerações - embora a maioria, verdade seja dita, fosse composta por uma garotada que se acostumou a associar o ideário bicho-grilo a uns tipos ripongas que vendem bijuteria de bar em bar. No palco, os amigos mostram que a amizade cresceu tão forte como os ainda compridos cabelos, mais a pancinha que os anos trouxeram de presente. A afinidade é visível enquanto os dois, junto a Davi, filho de Moreira, e a banda ensaiam hits como "Acabou Chorare", "Preta, Pretinha" e "Colégio de Aplicação".

"Todo ácido era uma situação!"

Moreira trabalhava como caixa de banco em Salvador quando Pepeu, que fazia sucesso no Poder Jovem, programa de calouros que ia ao ar nas tardes de sábado, no canal Itapuã, foi descontar um cheque. "Ele era um Bee Gees com cabelo duro, repartido no lado. Parecia um 'teiu' - terra com u!", o guitarrista viaja no misto de descrição e piada interna sobre a aparência do amigo. Esse foi o primeiro esbarrão entre Pepeu e o 'teiu', que, com a ajuda do novo amigo, foi apresentado a Tom Zé e teve sua chance no Poder Jovem - de onde saiu, já na estreia, vitorioso.

O resto é história. E bem conhecida, por sinal: os Novos Baianos lançaram o primeiro compacto em 1969, mudaram-se para o Rio, dividiram apartamento e foram apadrinhados por João Gilberto - "Acabou Chorare", na história contada à exaustão pelos membros do NB, veio da filha de João, a então miúda Bebel Gilberto, que soltou a pérola após abrir o berreiro.

No camarim do Circo, Pepeu lembra dessa época enquanto Moraes sorri e acena, enroscando dedos nos cachos. No "cafofo coletivo", eles jogavam bola, compunham canções e se embriagavam com a essência setentista até a última gota. "Cada ácido era uma situação! Uma vez chamei Moreira e ele veio voando. Mesmo, cara! Ninguém acredita em mim!", diz o mais roqueiro dos baianos, que se prepara para temporada nos Estados Unidos, onde gravará álbum em espanhol e inglês.

Pepeu lembra que, certa vez, Chico Science lhe confidenciou o desejo de consagrar a Nação Zumbi "como os novos Novos Baianos". As similaridades apontadas pelo músico, morto em 1997, eram irrefutáveis. "Ele falou que, como a gente, todo mundo morava numa casa sem móveis!" Moraes intervém para afirmar que não veria mal nessa passagem de bastão. "A Nação também foi uma banda que uniu tradição e modernidade."

Vaqueiro do som

A estrela da noite gosta de frisar que sua carreira solo, atualmente, abocanha a maior parte de seu tempo. Além de divulgar o novo DVD, tem planos para se sentar e escrever Sonhos Elétricos, livro sobre os trios elétricos da terra natal. Também será tema de Vaqueiro do Som, título provisório de um documentário a ser dirigido por Régis Faria, filho do ator Reginaldo Faria.

No palco do Circo, enquanto os músicos testam o som, para deixar tudo nos trinques para o show, Chico, neto de Moraes e filho de Davi, brinca com uma guitarra grande demais para suas mãos pequeninas. Enquanto Moraes curte um momento "só, somente só" na carreira, para citar os famosos versos de "Preta, Pretinha", a nova geração parece estar fazendo o dever de casa. Talvez Pepeu esteja certo, no final das contas. Mais do que uma banda, os Novos Baianos seriam acima de tudo estado de espírito. Não tem como não se deixar levar por essa máxima ao observar o pequeno Chico deslumbrado, alheio ao mundo, ao som dos acordes que, um dia, fizeram a cabeça de uma geração - e todas que se seguiram a ela. No fundo, Moraes está certo. "Passaram-se anos e o sonho dos Novos Baianos não acabou."