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Fahrenheit 451 é um novo filme para tratar de velhas discussões

Michael B. Jordan e Michael Shannon estrelam a produção morna da HBO

Fernanda Talarico Publicado em 21/05/2018, às 14h00 - Atualizado em 22/05/2018, às 01h03

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<i>Fahrenheit 451</i> - Divulgação/HBO
<i>Fahrenheit 451</i> - Divulgação/HBO

O escritor Ray Bradbury é um nome forte quando se trata de uma fatia muito específica da ficção científica, aquela que finge que está falando do futuro quando, na verdade, está fazendo várias analogias sobre o presente. O autor, que morreu em 2012, é mundialmente conhecido pela obra Fahrenheit 451, publicada em 1953 e levada ao cinema em 1966 pelo diretor François Truffaut. Agora, ela foi transformada em telefilme pela HBO, com direção e roteiro de Ramin Bahrani (99 Casas).

A produção de 2018 chama ainda mais atenção quando atores como Michael Shannon, do vencedor do Oscar de Melhor Filme A Forma da Água, e Michael B. Jordan, de Pantera Negra e Creed, encarnam os personagens principais da distopia.

Apresentado pela primeira vez ao público no Festival de Cannes deste ano, Fahrenheit 451 é ambientado em um Estados Unidos do futuro, onde livros são considerados uma ameaça à ordem e foram proibidos pelo governo, que controla todos os meios de informação. Os bombeiros são responsáveis pela irônica função de queimá-los, afinal, os livros são o caminho para insanidade e perversão.

Guy Montag, vivido por Michael B. Jordan, é um dos bombeiros mais eficientes de sua corporação, comandada por Beatty (Shannon). Montag começa a questionar o mundo em que vive após entrar em contato com uma rebelde, Clarisse (Sofia Boutella), que faz parte da resistência contra o autoritarismo.

É inevitável a comparação com o que estamos vivendo nos dias atuais, com as notícias falsas e superexposições nas redes sociais. O filme mostra que há distorções históricas nessa realidade: é difundido que Benjamin Franklin foi o primeiro bombeiro a queimar livros e que a noção de que eles, na realidade, serviam para apagar incêndios é uma mentira inventada pelos rebeldes. Painéis de led transmitem 24 horas por dia a incineração de exemplares físicos e e-books, enquanto internautas podem curtir e “mandar corações” para as ações dos oficiais da lei. Existe também uma assistente pessoal eletrônica (como a Siri, da Apple, ou a Alexa, da Amazon) que reage a comandos de voz. Não há como não suspeitar de que ela é uma espiã do governo.

O roteiro acaba pecando quando força alguns diálogos que, tirados do contexto do nosso cotidiano, ficam cômicos. Temos que imaginar que, nessa realidade, ler um romance clássico é o mesmo que injetar heroína, então, quando os rebeldes percebem que foram descobertos, eles dizem: “Vai, esconde o Shakespeare, rápido! Salve o que puder!”.

Michael B. Jordan e Michael Shannon entregam ótimas atuações, com personagens perturbados, mas rasos. O filme levanta várias questões sobre eles, mas não as responde, deixando espaço para uma história de um grupo de rebeldes chato, piegas, com um discurso já batido, que conhecemos de milhares de outras obras com a mesma temática. O filme cai na armadilha de dar a entender que toda tecnologia é ruim. E, embora cronologicamente, Fahrenheit 451 seja muito anterior a Black Mirror, a nova produção parece querer pegar carona no sucesso na série.

A estética futurista é algo de se admirar. Com câmeras olho de peixe e uso de drones, Fahrenheit 451 é majoritariamente noturno. As cenas dentro do quartel, com apenas luzes vermelhas, passam uma sensação de que estamos no futuro e, ao mesmo tempo, fomos jogado na Alemanha nazista. Os prédios, com as propagandas do governo que se confundem com frases de bem-estar, lembram Blade Runner, ainda mais porque a ideia de que o futuro provavelmente não vai ser bom é algo que o filme de Ridley Scott já tinha trabalhado.

Infelizmente, a história fica confusa, no fim das contas. Por mais bem intencionados que os personagens pareçam, fica difícil torcer por eles. Talvez a plástica do mundo criado para o telefilme e a ideia do futuro distópico sejam mais legais do que a trama em si, que é sem ação, moralista e com conceitos que passam por um processo de esgotamento, recentemente. Diferente dos livros queimados à 451° Fahrenheit (ou 232°C), o filme não pega fogo.