Rolling Stone
Busca
Facebook Rolling StoneTwitter Rolling StoneInstagram Rolling StoneSpotify Rolling StoneYoutube Rolling StoneTiktok Rolling Stone

Fresno faz "manifesto contra a futilidade" em Eu Sou a Maré Viva

“A gente é obrigado a fazer um negócio com mais qualidade ainda, para provar e acabar com esse discurso de achar que a gravadora tem grana e vai fazer um produto de qualidade”, diz Lucas Silveira, vocalista da banda

Lucas Brêda Publicado em 12/04/2014, às 10h28 - Atualizado às 13h29

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
Fresno - Divulgação
Fresno - Divulgação

“Como eu não sou ignorante o suficiente pra escrever assim ó: ‘chupa’, eu botei um texto grande falando da história toda”, diz Lucas Silveira, vocalista da Fresno, se referindo ao comunicado que acompanha o lançamento do disco-EP Eu Sou a Maré Viva. No texto consta a frase: “Um disco que ninguém ouviu está rumando ao topo do iTunes. Um disco que não teve banner na home, nem follower comprado em rede social, nem view de mentira no YouTube”.

Fresno Contra o Mundo.

Lucas está falando das amarras e artimanhas das gravadoras brasileiras, às quais ele e sua banda estiveram submetidos até o grito de independência, após o disco Revanche. Eu Sou a Maré Viva tem apenas cinco faixas, mas a banda diz que não é um EP, e sim um álbum de fato. “A gravadora não pensa no EP dessa maneira artística, geralmente é tipo: ‘Meu, o artista tá com pouca música, então grava aí o que tem, depois a gente lança uma versão deluxe, uma versão num sei que...”, ele diz. “Os caras querem multiplicar o impacto”.

O desabafo do vocalista diz muito sobre a carreira da banda, e sobre os anos de sucesso adolescente absoluto, guiado pelo empresário Rick Bonadio. “Sempre quis que a Fresno fosse uma banda muito grande, tem coisas que dão um atalho para esse caminho de ‘ser muito grande’, mas tu vai perder aquela coisa de ‘ser muito legal’”. No auge do conflito entre banda e gravadora, o Fresno lançou o disco Revanche (“O Revanche tem dois discos: o que a gente fez e mostrou para a gravadora e a segunda parte que nos foi encomendada, né?”), gritando em bom português: “Eu quero viver mais/ Muito além do que você programou”, nos versos da canção que dá nome ao álbum. “O cara que estava cuidando do lançamento e do disco não percebeu que naquele verso estávamos falando... dele”, revela Lucas.

Andando com os próprios pés, o Fresno lançou o EP Cemitério das Boas Intenções, em 2011, e o álbum Infinito, em 2012. Nos trabalhos independentes, não só a produção das faixas ganhou cuidados diferentes, mas até as capas mudaram, sendo Infinito o primeiro disco desde Ciano (2006) sem o nome da banda estampado. “A gente é obrigado a fazer um negócio com mais qualidade ainda, para provar e acabar com esse discurso de achar que a gravadora tem grana e vai fazer um produto de qualidade. Hoje o que a gente está vendo é o contrário, os melhores discos são todos independentes”.

Eu Sou a Maré Viva

A opção pelo lançamento do disco reduzido, segundo Lucas, tem a ver com o atual momento da música, apesar de ser comercialmente ruim – mesmo com menos faixas, os preços de fabricação de disco e EP são praticamente iguais. “Eu sinto o disco meio subaproveitado”, ele diz de Infinito, álbum anterior da banda. “Tinha músicas ali que eu gostaria muito que tivessem uma importância para a galera. Que elas tivessem sido mais ouvidas, mais presentes, músicas que eu queria tocar no show”.

Vejas as capas e o setlist do disco-EP Eu Sou a Maré Viva

Além disso, um álbum com apenas cinco canções possibilita um maior cuidado com gravação, e, artisticamente falando, é a brecha para experimentar novos modelos. “Nenhuma música está ali sendo que não tinha que estar ali”, diz Lucas, e logo em seguida se faz claro, “mas a importância, no fim das contas, é igual a de outros discos”.

Fugindo do esquema pasteurizado dos estúdios, a Fresno resolveu gravar o disco em um estúdio montado no sítio da namorada de Lucas na cidade de Igaratá (São Paulo). Segundo o vocalista, Eu Sou a Maré Viva foi feito “como Freddie Mercury na ‘Bohemian Rhapsody’. A galera gravou as partes sem saber o que ia virar aquela música”, sendo que o disco foi ganhado forma já no processo de gravação. “Já aprendi muita coisa de lá pra cá”, disse o vocalista sobre a produção notadamente cuidadosa do disco, feita por ele mesmo. “Não tem nada ali empurrado com a barriga”.

“O Infinito era muito cheio de coisa, tanto que muitas pessoas relacionaram com rock progressivo, com Muse”. Eu Sou a Maré Viva traz o Fresno de Cemitério das Boas Intenções na derradeira “Icarus”, a indignação tradicional nos versos “Eles vão dar uma festa para a nossa extinção”, de “À Prova de Balas”, além da sombra forte de Infinito em “O Único a Perder”. “Manifesto”, segundo Lucas “contra a futilidade, o escapismo”, tem a letra mais forte do disco(“A gente finge que vive até o dia de morrer/ Espera a hora da morte para se arrepender”). A música tem a participação de Lenine e Emicida, que, segundo Lucas, “são caras que falam línguas diferentes, falam para públicos diferentes, mas têm a mesma ideia”.

Estúdio RS - Entrevista Fresno.

“Personalidade na voz eu sempre tive”, diz Lucas, comentando a evolução como cantor que vem desde o começo da banda. “De uns três ou quatro anos para cá, a minha voz não mudou nada, o que mudou foi a interpretação.” Para este disco, ele gravou os vocais em um píer. “Eu não estava em um estúdio, eu estava à 0h em um lugar com barulho de grilo e minha voz está batendo em uma montanha lá do outro lado e voltando”, se lembra Lucas, cujo crédito na contracapa do disco diz “Lucas Silveira – Pulmões e guitarras”.

Sobre a música “Eu Sou a Maré Viva”, ele revela: “É impressionante quando às vezes tu acha que acabou, já era, que não tem mais força, daí acontece algo que é pior ainda. Isso te faz perceber que realmente tu precisa ser mais forte do que achava que era para aguentar pressão, falatório”. “É uma música que até hoje é muito sensível para mim, é difícil de cantar, sabe? Se eu me soltar um pouco eu me emociono e começo a chorar.”

“Até hoje tem muito caga-regra que acha que pode dizer ‘Ah, Fresno não é rock’”, diz Lucas. “Tem rádio de rock aqui em São Paulo que toca Coldplay, Keane, New Order, mas não toca Fresno porque na cabeça dos caras Fresno não é rock”. Cheio de frases fortes e exalando sinceridade, Lucas dá mais um passo no sentido da liberdade, desafiando o mercado com um disco-EP de cinco canções autoproduzidas, e fazendo o som que lhe agrada. O ranço dos anos passados, entretanto, ainda é forte, e o Fresno mantém uma batalha diária, vendendo mais do que bandas “com banner gigante” e “que toca todo dia na Globo”. “Tem aquela coisa assim, ‘Vocês não estavam nem aí para a gente e agora estão nos procurando. É como aquela mina que não te quer. Um dia ela vai atrás e tu está com uma mina bem mais gostosa do que ela", ele dispara. “Quando eu vejo que, mesmo fazendo todas essas escolhas, tu acabava vendo o negócio tendo sucesso comercial, realmente me deixa com esse sentimento meio infantil, até, de falar ‘bá, chupa'”.