Rolling Stone
Busca
Facebook Rolling StoneTwitter Rolling StoneInstagram Rolling StoneSpotify Rolling StoneYoutube Rolling StoneTiktok Rolling Stone

George Floyd e o apagão virtual: o antirracismo além das hashtags

O movimento negro entrou em pauta na mídia durante a quarentena, mas a onda de interesse começa a diminuir fora da bolha - qual próximo passo?

Larissa Catharine Oliveira Publicado em 30/06/2020, às 07h00

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
Protesto pela morte de George Floyd nos EUA (Foto: Jeenah Moon/Getty Images)
Protesto pela morte de George Floyd nos EUA (Foto: Jeenah Moon/Getty Images)

Um mês atrás, pessoas do mundo inteiro inundaram as redes sociais com publicações em apoio ao movimento Black Lives Matter e compartilharam postagens contra o racismo. Após o assassinato de George Floyd, nos Estados Unidos, vítima da brutalidade policial, outros casos vieram à tona com a repercussão mundial, como o de João Pedro, adolescente morto durante uma operação no Rio de Janeiro.

Protestos foram organizados nos Estados Unidos e, mesmo em meio à pandemia de coronavírus, o mesmo ocorreu em outros lugares do mundo - França, Austrália, Tunísia, Coréia do Sul, Inglaterra -,  inclusive no Brasil. Na internet, celebridades como Paul McCartney, Mick Jagger e Beyoncé participaram da BlackOutTuesday, campanha de paralisação total do setor, feita como um “apagão” nas postagens das redes sociais, como Instagram. 

As pesquisas pelo termo Black Lives Matter” (Vidas Pretas Importam, em português), nome do movimento pelo fim da supremacia branca criado após a morte de Trayvon Martin, em 2012, tiveram um pico no começo de junho com o começo dos protestos e popularização da hashtag com o mote da organização - uma curva de interesse recorde em comparação com o mesmo período em 2019, e que começou a crescer mundialmente após a morte de Floyd, de acordo com dados do Google. 

+++ LEIA MAIS: "I Have a Dream": Destrinchamos o discurso de Martin Luther King e o sonho ainda não chegou

Engajamento 

Pouco mais de um mês após as mortes de Pedro e Floyd, o engajamento nas redes sociais esfriou e retorna, pouco a pouco, às bolhas já estabelecidas. Mesmo com a queda no pico de interesse, os números de pesquisas para os termos “racismo” e “antirracismo” no Google ainda são os maiores nos últimos cinco anos. 

Para as youtubers Gabi Oliveira, comunicadora social, e Neggata, cientista social, o isolamento social e o maior número de pessoas conectadas à internet contribuíram para o momento de destaque do debate na mídia. O movimento negro está sempre ativo, mas as tragédias recentes, ocorridas no período de quarentena, proporcionaram um impacto diferente nas pessoas brancas. 

“Somos obrigados e obrigadas a repensar algumas questões, e justamente nesse momento a gente vê o debate racial emergir também. Pode parecer estranho, mas na verdade não é”, pontua Gabi. “Quanto mais as pessoas estiverem interligadas, principalmente pela internet,  em algum momento essas pessoas começam a se articular contra a opressão. Sabíamos que esse momento iria chegar”. 

+++ LEIA MAIS: George Floyd, antes de ser brutalmente assassinado, era Big Floyd e deixou legado lendário no rap de Houston

No caso de Floyd, por exemplo, o registro em vídeo do assassinato fez toda diferença para a repercussão do caso, que chegou mais longe ainda com o maior número de pessoas nas redes. As questões raciais ainda são tratadas como “vitimismo e mimimi”, principalmente no ambiente virtual, como lembra Neggata, mas as cenas impactantes provocaram uma reflexão. “Quando isso cai na internet e todo mundo está debruçado, 24 horas por dia online, bate de uma forma muito diferente. O racismo é algo que mata também, não é só uma questão que a gente problematiza quando convém, tem matado muitos negros em vários contextos de vida. Quando isso vem [dos Estados Unidos para o Brasil], as pessoas ficam muito impactadas”, aponta. 

Fora da rotina normal de trabalho e estudo, mais pessoas tiveram acesso ao registro do assassinato de Floyd, e esse tipo de cena impacta pessoas que poderiam considerar as denúncias de racismo mero vitimismo ou “mimimi”, termo usado para menosprezar pautas de justiça social online. 

+++ LEIA MAIS: Donald Trump está tentando iniciar uma guerra racial

"Quando você tem acesso a essas imagens torna tudo mais palpável, inclusive a revolta e a raiva”, comenta Gabi. A comunicadora reconhece que, na maioria das vezes, o sentimento é tachado como algo completamente negativo, mas lembra o ato de Rosa Parks, símbolo do movimento de direito desobedeceu uma lei ao se recusar a ceder o assento no ônibus para uma pessoa branca em um ônibus. Rosa foi presa, mas recebeu apoio da população negra e fortaleceu a luta pelo fim da segregação. “Gosto de ver a raiva como algo positivo também, pode  ser muito bem canalizada e um ótimo instrumento para mudança. Não acredito que Rosa estava cheia de amor quando se negou a levantar para uma pessoa branca, entende? É possível canalizar a raiva no movimento de transformação”. 

Protesto contra brutalidade nos EUA em 2020  (Foto: Getty Image)

Neggata relata a dificuldade em lidar com todas as notícias ruins no cotidiano e como parte do trabalho, algo potencializado pelo isolamento social e a impossibilidade de mudar de ares - como o caso do menino Miguel, de cinco anos de idade, morto após cair do nono andar do prédio onde reside Sari Corte Real, empregadora da mãe da criança. Miguel foi deixado aos cuidados de Sari pela mãe, mas se perdeu no edifício após ser deixado em um elevador.

“Essas questões deixam a gente muito sensível, não temos sangue de barata. Se as pessoas brancas brasileiras viram algo tão incrível acontecer fora do país, com pretos e brancos unidos pela luta racial, então agora entendem que isso realmente acontece, não é algo da nossa cabeça”, observa a cientista social. “[No Brasil] é uma luta diferente, tem essa questão da democracia racial, algo muito mais difícil de ser trabalhado por não ser declarado, não existe uma autocrítica das pessoas brancas e das instituições”. 

+++ LEIA MAIS: 5 indicações de livros e séries para aprender sobre a luta antirracista

Além das hashtags

Apesar da “onda” de interesse midiático e virtual ter diminuído, as ativistas percebem uma mudança importante após os últimos protestos fora da bolha (“Os movimentos de negros nunca desistiram desse debate, pra gente é algo diário”, lembra Gabi) - muitas pessoas deixam a causa de lado e retomam a vida normalmente, mas outras despertam para compreender as questões raciais e abraçar o antirracismo. Como, então, ir além das hashtags e dos compartilhamentos online?

“Na minha opinião, não existe antirracista que não se preocupe e cobre o Estado com relação ao cuidado com a pandemia no Brasil. Precisa olhar para isso, porque está diretamente ligado ao racismo, a gente sabe quem vai morrer mais”, continua Gabi. “O coronavírus, na verdade, trouxe luz às desigualdades”. 

+++ LEIA MAIS: George Floyd: ouça as músicas do homem brutalmente assassinado por policiais nos EUA

Outra questão levantada por Neggata foi a portaria assinada por Abraham Weintraub, ex-Ministro da Educação, em 18 de junho, para desestimular ações afirmativas de cotas para pessoas com deficiência, indígenas e negro. De acordo com o Estadão, o Ministério da Educação revogou a medida no último dia 23. 

“Várias pessoas começaram a postar o quadrado preto e falar da BlackOutTuesday, mas  é muito doido porque precisa ser algo muito chocante,  muito impactante,  tem que ser um vídeo de um homem sendo asfixiado por um policial para que consigam entender que é muito pesado”, comenta Neggata. “O branco pode se colocar no [nosso] lugar com empatia e pensar ‘Entendi, agora sei meu lugar, minha missão - é dar continuidade a essa onda, seguir com a pauta’ para que seja naturalizada. É muito de entender essa onda e dar continuidade, dar oportunidade”. 

+++ LEIA MAIS: Emicida dá aula sobre racismo, machismo e violência no Faustão: ‘Muitas mulheres estão trancadas em casa com os agressores’

"Apesar de não ser uma pessoa muito otimista, acredito que a cada novo movimento, mais pessoas ficam - algumas saem e se perdem pelo caminho -  mas a cada dia temos um grupo novo de pessoas comprometidas”, conclui Gabi.

E a justiça? 

Trayvon Martin 

O jovem de 17 anos estava hospedado em um condomínio na Flórida quando foi assassinado pelo segurança voluntário em patrulha, George Zimmerman, em 26 de fevereiro de 2012. De acordo com o jornal The Guardian, o homem foi absolvido de assassinato em segundo grau, mas entrou com um processo de US$ 100 milhões contra a família de Martin, em 2019, por difamação.  

João Pedro

João Pedro, 14 anos, foi baleado na barriga durante uma operação policial no Rio de Janeiro, e levado em um helicóptero pelos policiais, em 18 de maio de 2020. De acordo com o G1, a família alega que foi impedida de entrar na própria casa após ouvir os disparos, e só obtiveram informação da morte de João no dia seguinte. O caso é investigado pela Delegacia de Homicídios de Niterói e São Gonçalo. 

+++ LEIA MAIS: Moradores de Minnesota querem que estátua do Prince substitua a de Cristóvão Colombo

George Floyd 

George Floyd foi assassinado em 25 de maio de 2020 por Derek Chauvin, policial de Minneapolis, que asfixiou o afro-americano ao ajoelhar-se no pescoço do homem. Segundo a Istoé,Chauvin está preso e Alexander Kueng e Thomas Lane, ex-policiais considerados cúmplices, foram liberados sob pagamento de fiança. Um terceiro oficial presente na ação, Tou Thao, também está preso.  Todos acusados já iniciaram os depoimentos e aguardam julgamento.