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Ícone da gravadora Motown, Smokey Robinson revela as histórias escondidas por trás de suas grandes criações

"My Girl", "Cruisin'", “You’ve Really Got a Hold on Me”, "Got a Job", são muitos os sucessos desse artesão musical, que recentemente foi homenageado no disco Smokey & Friends

David Browne Publicado em 21/01/2015, às 09h18

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Smokey Robinson abriu a cerimônia de homenagem a Michael Jackson com leitura de textos de Diana Ross e Nelson Mandela - AP
Smokey Robinson abriu a cerimônia de homenagem a Michael Jackson com leitura de textos de Diana Ross e Nelson Mandela - AP

William “Smokey” Robinson Jr. compôs nos quatro cantos do mundo: em quartos de hotel, nos antigos escritórios da Motown e, recentemente, enquanto embarcava em um avião. “Liguei para meu correio de voz e gravei para não perder”, conta. As músicas dele podem ser encontradas em qualquer lugar, de trilhas sonoras a Motown The Musical, peça em cartaz na Broadway atualmente. Escrevendo tanto para o The Miracles – grupo que formou na adolescência, em Detroit – quanto para artistas como Marvin Gaye e The Temptations, Robinson se tornou um dos compositores mais prolíficos da Motown. “Smokey Robinson era como Deus”, Paul McCartney afirmou certa vez. “Gente do mundo inteiro cantava aquelas músicas”, diz hoje Steven Tyler. O mais recente álbum de Robinson, Smokey & Friends, une o compositor de 74 anos com Tyler (que revisita “You’ve Really Got a Hold on Me”), Elton John (“The Tracks of My Tears”) e John Legend (“Quiet Storm”), além de artistas mais jovens como Miguel e Jessie J. Hoje, Robinson divide o tempo entre casas em Los Angeles e Las Vegas. Ainda faz turnês intensas, com shows de duas horas repletos de clássicos. “Como compositores, usamos tudo o que é dito e feito há milhares de anos”, afirma. “Não há palavras novas, nenhuma nota nova na escala musical. Mas sempre tentei achar uma maneira diferente de dizer ‘Sinto sua falta’ ou ‘Quero você’ ou ‘Amo você’.”

Smokey Robinson se apresentou na última edição do North Sea Jazz Festival. Leia a cobertura.

“Got a Job” – 1958

“O The Miracles ouviu que os empresários de Jackie Wilson estavam testando talentos para a Brunswick Records, então fomos e cantamos cinco faixas que eu havia composto. Não gostaram nem um pouco de nós. Só que havia um jovem lá assistindo. Era Berry Gordy. Mal podia acreditar que ele estava ali – todos os sucessos de Jackie até o momento tinham sido escritos por Berry. Ele me levou a uma sala, ouviu umas 20 músicas minhas e as criticou. Explicou que uma canção deve ser como um curta-metragem ou uma peça, com começo, meio e fim.

Havia um grupo, The Silhouettes,que tinha um sucesso chamado ‘Get a Job’, então compus ‘Got a Job’. Achava que compor seria meu trabalho. Ainda não havia a Motown, então a gravamos na United Sound, em Detroit. Depois que a música foi lançada [pela End Records], tocamos no Apollo e não foi nada bom. O dono do Apollo ligou para Berry e disse que queria o dinheiro

de volta. Éramos extremamente amadores.”

“Shop Around” – 1960

“Berry Gordy fez uma reunião com o The Miracles e disse: ‘Vou abrir minha própria gravadora e não vamos fazer só música para o público negro. Vamos fazer para todos, com ótimas batidas e grandes histórias’. O primeiro disco da Motown foi Come to Me, de Marv Johnson (lançado pelo selo Tamla). Berry e eu íamos no carro dele levando os álbuns até as estações de rádio. Originalmente, tinha escrito ‘Shop Around’ para Barrett Strong, que gravou um sucesso enorme chamado ‘Money (That’s What I Want)’, mas Berry disse: ‘Então, cara, quero que você grave esta’. Eu a gravei meio como um blues e com um andamento mais lento. O disco tinha sido lançado havia umas duas semanas quando o Berry me ligou às 3h da manhã pedindo que eu fosse ao estúdio. Ele queria mudar a batida e o som e também tocou piano. Essa versão vendeu 1 milhão de cópias. Fazíamos muito isso. Se não gostássemos de uma música quando a ouvíssemos no rádio, gravávamos uma nova mixagem.

Naquela época, estávamos na estrada 90% do tempo e sofríamos muito preconceito. Quando você é um negro e vai ao extremo sul dos Estados Unidos, é um pesadelo. Muitas vezes, não podíamos comer em um restaurante, mesmo nas turnês do [apresentador] Dick Clark – os brancos, como os meninos do The Skyliners, tinham de nos trazer algo para comer. Não estávamos acostumados com aquilo – estávamos acostumados com racismo sutil.”

“You’ve Really Got a Hold on Me” – 1962

“Sam Cooke era um dos meus ídolos. Eu o conheci porque cresci com Aretha Franklin e o pai dela [Clarence LaVaughn Franklin] era o maior pastor do país. Sam cantava com um grupo chamado de The Soul Stirrers, e, quando eles vieram cantar naquela igreja, foi como se fosse uma banda de rock. Eu estava em Nova York para assinar um acordo com meus editores, mas não estava feliz com a situação. No quarto do hotel em que fiquei depois das reuniões, pensei em ‘Bring It on Home to Me’, um single do Sam que amava. Queria escrever algo daquele jeito e queria compor algo polêmico. Foi assim que o primeiro verso surgiu: ‘I don’t like you, but I love you’ [Não gosto de você, mas te amo]. Achei que chamaria atenção logo de cara.”

“My Girl” – 1964

“David Ruffin, do The Temptations, era incontrolável [o cantor lutou muito tempo contra as drogas e morreu de overdose em 1991, depois de desmaiar em uma casa habitada por viciados em crack]. Ele havia vindo do sul e não sabia como lidar com o sucesso. Tinha uma voz de tenor barítono bem áspera, então quis compor algo doce para ele. ‘My Girl’ não foi escrita pensando em uma garota específica – foi para todas as mulheres do mundo. A canção se tornou meu hino internacional. E a canto em países onde as pessoas nem falam inglês, mas todos sabem de cor a letra.”

“I’ll Be Doggone” – 1965

“Quando Marvin Gaye chegou à Motown, não queria cantar rhythm & blues nem música pop; queria cantar standards, como Frank Sinatra. Ele era teimoso, mas Mickey Stevenson, diretor de A&R [artistas e repertório] da Motown, trabalhou duro para convencê-lo a fazer R&B mais pesado, a exemplo de ‘I’ll Be Doggone’, que eu havia composto para Marvin. Quando mostrei a música, ele começou a cantá-la de um jeito que eu nunca tinha imaginado.”

“The Tracks of My Tears” – 1965

“Um dia, estava olhando no espelho e pensei: ‘E se uma pessoa chorasse tanto que desse para ver os rastros das lágrimas no rosto dela?’ Originalmente, a música não terminava com o refrão. Terminava gradualmente com ‘I need you, I need you, I need you’. Tínhamos reuniões criativas na Motown toda segunda-feira, às 9h, e todos diziam ‘Cara, por que você fez isso? Deveria ter terminado com o refrão aumentando, porque ele é ótimo’. É por isso que tínhamos essas reuniões.”

“Ooh Baby Baby” – 1965

“Eu e o The Miracles costumávamos cantar um medley de músicas românticas de outros artistas. Fizemos isso uma noite em Washington e a última faixa foi ‘Please Say You Want Me’, do The Schoolboys, uma gravação matadora. De repente, comecei a cantar ‘Ooh, Baby, Baby’ e os outros integrantes começaram a harmonizar em cima. A plateia enlouqueceu. Começamos a incluir isso no show toda noite, então, quando a turnê terminou, falamos: ‘Temos de gravar essa’. Sim, é uma música sobre traição, mas não era autobiográfica. Só recentemente ouvi que ela pode ter inspirado John Lennon a cantar ‘I’m crying...’ em ‘I Am the Walrus’. Isso é fantástico.”

“I Second That Emotion” – 1967

“O [compositor] Al Cleveland e eu estávamos fazendo compras de Natal em uma loja de departamentos. Estávamos no balcão conversando com uma jovem que trabalhava lá. Ela falou algo e Al respondeu ‘I second that emotion’ [Apoio essa emoção]. Quando saímos da loja, falei para ele: ‘Cara, essa é uma tremenda ideia’. Ouvi a versão de Jerry Garcia, do Grateful Dead. Ele me fez sentir do mesmo jeito que me senti quando os Beatles cantaram ‘You’ve Really Got a Hold on Me’. Quando outro artista grava uma de minhas músicas, é um sonho realizado para mim como compositor.”

“More Love” – 1967

“Por volta dessa época, mudamos o nome de The Miracles para Smokey Robinson and the Miracles. Todo grupo que tinha uma pessoa de destaque ganhava mais dinheiro: Little Anthony and the Imperials, Frankie Lymon and the Teenagers – fazia você parecer mais exclusivo. Os outros Miracles se sentiram ótimos [com relação à mudança] porque estavam ganhando mais dinheiro. Compus ‘More Love’ para Claudette [sua primeira esposa e fundadora do The Miracles] porque sofremos vários abortos espontâneos na época. Quis reafirmar que eu estava bem, independentemente de tudo, porque ainda a tinha.”

“Tears of a Clown” – 1967

“Stevie Wonder veio falar comigo em uma festa de Natal da Motown em 1966 e disse que tinha gravado uma base, mas não conseguia pensar em uma música para acompanhar. Aquele riff de abertura me fazia pensar no Ringling Brothers e Barnum & Bailey, uma melodia antiga de circo, então quis escrever algo sobre o circo. Não quis compor sobre animais ou trapezistas, mas sim algo de cortar o coração. Quando era criança, ouvi uma história sobre [o personagem da ópera] Pagliacci, que fazia todo mundo feliz, voltava para o camarim e chorava por não ter o amor de uma mulher. Então, ‘Tears of a Clown’ é uma versão personalizada da vida de Pagliacci. Eu a gravei com o Miracles em 1967 e nunca pensei nela. Stevie nunca pensou nela. Ninguém pensou nela. Tínhamos escritórios no Reino Unido e, um dia, cerca de três anos depois, uma jovem de lá tocou o disco e disse: ‘Uau, isso é ótimo. Deveríamos lançar aqui como single’. Lançaram, e ele foi o primeiro número 1 que tivemos no Reino Unido [também chegou ao topo das paradas nos Estados Unidos].

“Quiet Storm” – 1975

“Saí do The Miracles em 1972. Estava na estrada desde os 17 anos e àquela altura do campeonato tinha um casal de filhos. Virei vice-presidente da Motown. Berry disse: ‘Confio em você. Seu escritório será o financeiro’. No começo, gostei de fazer acordo com editores e assinar cheques de salários, mas, depois de três anos e meio, não deu mais. Então, ‘Quiet Storm’ foi minha volta ao show business. Achava que era um cantor calmo e disse para mim mesmo: ‘Vou mudar minha imagem e meu vocal e vou chegar como uma tempestade – uma tempestade tranquila!’”

“Cruisin’” – 1979

“Levei cinco anos para compor essa. Marv Tarplin, meu guitarrista, fez a melodia, que era muito sensual e sexy. Eu tinha de vir com algo à altura dela. Um dia, estava dirigindo pela Sunset Boulevard e uma das minhas gravações preferidas começou a tocar no rádio: ‘Groovin’’, do The Rascals. Falei: ‘É isso’, fui para casa, coloquei a fita do Marvin e cantei ‘I love it when we’re groovin’ together’. Só que isso não era sensual, não era sexy, então mudei de ‘groovin’’ para ‘cruisin’’ e foi isso. As pessoas me perguntam: ‘Quando você diz ‘cruisin’ together’, quer dizer...?’ Respondo: ‘Não, quem dá o sentido é você. O que você precisar fazer para ficar com quem ama’.”

“Being with You” – 1981

“Kim Carnes teve um sucesso enorme com uma das minhas músicas, ‘More Love’, então compus quatro canções para ela. Levei para o produtor, George Tobin, e, quando toquei ‘Being with You’, ele disse: ‘Amo essa, cara – com você cantando. Venha ao estúdio esta noite e faremos uma demo’. A gravação que você ouve no rádio é aquela demo. Encontrei com a Kim depois que a música chegou ao topo das paradas e ela falou: ‘Smokey, vou te matar – essa era minha!’”

“Just to See Her” – 1987

“‘Just to See Her’ e outra música que gravamos na época, ‘One Heartbeat’, ajudaram a me tirar de um período negro. De 1984 a 1986, a vida era dura. Saía mais com Marvin Gaye do que com outros artistas porque ele morava praticamente na minha esquina. Ficávamos chapados juntos. A última vez que o vi foi em uma festa uns seis meses antes da morte dele. Foi absolutamente trágico para mim quando ele foi assassinado pelo pai na véspera do aniversário. Droga! Esse é um epitáfio profundo. Nunca gostei muito de pó, mas estava recebendo cocaína pura da Colômbia, colocava as pedras junto com maconha e fumava. Por dois anos e meio fui um cadáver ambulante. Uma noite, um dos meus melhores amigos me levou para uma igreja e havia uma pastora, que falou que Deus tinha dito que eu estava vindo. Ela sabia de tudo o que estava acontecendo, coisas que nunca tinha falado para ninguém, sobre tormentos no meu corpo e no meu coração. Estava viciado, mas quando saí estava livre. Isso foi em maio de 1986. Então, nosso diretor de A&R na Motown me trouxe ‘Just to See Her’ e falou: ‘Tenho um sucesso para você’. Ele estava certo – essa e ‘One Heartbeat’ se tornaram gravações imensas para mim.”

“Love Bath” – 2009

“Há alguns anos, pensei nessa melodia funk e perguntei: ‘Quero escrever sobre o quê?’ Tomar um banho de amor com sua mulher ou quem você ama é algo muito íntimo. Minha [segunda] esposa [Frances, com quem Robinson casou em 2004] e eu fazemos isso. Falei: ‘Ninguém compôs sobre isso, então deixa que eu escrevo’. Amor é a emoção mais poderosa que os seres humanos têm. Se você consegue manter um, meu bem, pode ganhar uma fortuna.”

NOVOS PARCEIROS

Disco com convidados não acerta sempre, mas serve como ponto de partida

Por: Itamar Montalvão

A fórmula de Smokey & Friends é manjadíssima. Um artista consagrado reinterpreta seus grandes sucessos ao lado de meia dúzia de colegas veteranos e algumas estrelas da nova geração, convidadas quase sempre por razões comerciais, não propriamente pela familiaridade com a obra do anfitrião. A probabilidade de desastre é enorme e não faltam exemplos. Mas uma coisa básica salva o lançamento da completa indigência caça-níquel que afundou outros álbuns com esse formato: a beleza incontestável das canções de Smokey Robinson. Nem a chatíssima Jessie J é capaz de estragar uma joia da música pop como “Cruisin’”, por exemplo. Ainda assim, é um disco morno. Os pontos altos são as interpretações sinceras de Ledisi em “Ooh Baby Baby”, Elton John na clássica “The Tracks of My Tears” e Mary J. Blige, que entrega o que promete na bonita “Being with You”. É torcer para que o álbum desperte ouvidos mais exigentes a saírem em busca das gravações originais de Robinson com o The Miracles, nos anos 1960. Se isso ocorrer, já terá valido a pena.